E se o propósito for…trabalhar?
*Publicado originalmente na Forbes, em 29 de setembro de 2022
Na semana passada, tomei café com um executivo que passou quase 30 anos em uma empresa conhecida por buscar profissionais com perfil empreendedor. “Sempre fui zero empreendedor”, comentou, desmistificando sua carreira. “Tudo o que eu queria quando entrei lá era estabilidade em uma grande companhia”. Como a vida real é mais interessante do que a que a gente inventa na cabeça, puxada por rótulos e estereótipos, pensei.
Eu estava diante de um ex-vice-presidente corporativo entre os mais bem-sucedidos do Brasil. Seu autoconhecimento e sinceridade certamente contribuíram para conquistar tudo o que conquistou até aqui — assim como o espírito de dono, que, como ele próprio pontuou, não é exclusividade do empreendedorismo. E me fez pensar sobre o romantismo que gira em torno do trabalho na bolha de quem, como eu, tem o privilégio de escolher o que fazer da vida (ou mesmo o que não fazer). Qual o sentido do trabalho? Qual seu propósito pessoal? Qual o propósito da empresa?
E se a resposta a tudo isso for simplesmente: trabalhar? Porque precisamos. Sem “algo mais”. Sem um chamado para mudar o mundo?
Eu amo o que faço. Mais que isso, sinto que exerço minha vocação, aquilo que nasci para fazer. Mas nem sempre foi assim. Passei o primeiro ano da faculdade questionando se havia feito a escolha errada. Entrei no curso de jornalismo aos 17 anos, sem nunca ter lido atentamente um jornal. Tinha muitas lacunas no meu conhecimento de história e não sabia nada de economia.
Depois, passei alguns anos oscilando entre o prazer que descobri no trabalho e o descontentamento momentâneo com minhas condições. Ora era um chefe, ora o salário, ora as oportunidades que me faziam duvidar se aquele era realmente meu caminho, se eu gostava do que fazia.
Levou tempo — e muita terapia — até eu entender que emprego é uma coisa, trabalho é outra. Meu trabalho era exatamente aquilo que eu gostava de fazer desde que me entendia por gente. Já meus empregos, nem sempre. Mas eu poderia mudar minha relação com eles, batalhar pelas condições que gostaria de ter, para aproximá-lo cada vez mais da satisfação que sentia com o trabalho.
Conheço muita gente, porém, que não sente que realiza a própria vocação no trabalho. Muitos não sabem dizer qual a própria vocação. Outros, como o executivo com quem tomei aquele café, tem um propósito claro e pragmático, muito diferente de grande parte dos colegas que cultivam um discurso romântico sobre seu ofício.
Não vejo mal nenhum em trabalhar simplesmente porque precisamos trabalhar, ou porque se quer ganhar dinheiro para, fora do trabalho, fazer o que mais gosta. Nem sempre vamos ter clareza sobre nossos pontos fortes nem a oportunidade de, no trabalho, expressá-los.
A busca insistente de fazer aquilo o que ama pode impedir você de amar o que faz (os ditados populares não se difundem à toa). Acredito que a menor parte das pessoas encontra na vida prática um terreno fértil para seus sonhos. Talvez porque seja difícil realmente saber o que sonhamos intimamente. Mas um número muito maior pode desenvolver o prazer na construção, a paixão por trabalhar, seja no que for, o propósito de fazer o que fizer bem feito, buscando aprender e se desenvolver.
Nas fases da minha carreira em que eu estava desanimada, os melhores conselhos que recebi — e segui — foram para não perder tempo me preocupando em ganhar destaque, em fazer algo digno de reconhecimento, mas simplesmente trabalhar. Agarrar os desafios. Com dedicação e amor, mesmo sem ver um propósito maior nisso tudo. “Apenas pratique”, posso resumir assim. Foi o que fiz. Lembro bem de levantar a mão sempre que um problema sem dono aparecia na mesa. Era uma ação contraintuitiva, que me dava mais trabalho e menos glamour no curto prazo. Mas, ao longo de 20 anos de carreira, me fizeram conhecer melhor a mim mesma, alimentar a persistência, desenvolver a resiliência e entender que até a paixão precisa ser construída em contextos, muitas vezes, inesperados.
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