A força do imprevisível
Publicado originalmente no LinkedIn em 18 de dezembro de 2020.
“A colaboração tem um lado positivo explosivo, o que é matematicamente chamado de função superaditiva, ou seja, um mais um é mais que dois, e um mais um mais um é muito, muito mais que três (…) Uma vez que você não pode prever colaborações e não pode direcioná-las, você não pode ver para onde o mundo está indo. Tudo o que você pode fazer é criar um ambiente que facilite essas colaborações e estabelecer a base para a prosperidade” (Nassim Nicholas Taleb, em tradução livre)
Apegados à necessidade de segurança, tentamos prever o tempo, os riscos, os movimentos da economia, a sorte, o destino… Somos humanos. Vivemos imersos na incerteza, mas aferrados a qualquer instrumento que nos dê a reconfortante ilusão de que é possível prever os próximos passos. A ânsia pelo controle molda nossas atitudes, inspira nossos planos e determina a alocação de nossos esforços – aquilo que não podemos prever, medir, parametrizar, acaba negligenciado, pelo simples fato de não sabermos muito bem como lidar com o imprevisível.
Somos humanos, também, graças à colaboração. A capacidade da cocriação, a construção de narrativas em torno de propósitos comuns nos mobiliza e nos distingue como espécie. A imensa diversidade que nos caracteriza, aliada ao ingrediente explosivo definido por Nassim Taleb como “função superaditiva”, faz com os resultados dessa interação sejam absolutamente imprevisíveis. Daí a força, a beleza e a singularidade de tudo o que o gênio humano foi capaz de criar até aqui.
De certa forma, no entanto, não aprendemos a cultivar a colaboração, a nutrir o solo para que ela, e consequentemente nós próprios, prosperemos. Por um lado, o fato de alicerçarmos nossas relações sociais sobre valores de mercado, que estimulam a competição, a superação e o individualismo, explica em parte nossa negligência diante do potencial criativo da colaboração. Por outro lado, me pergunto se essa “distração” não é produto, também, de nossa aversão ao imprevisível. Tudo é imprevisível na colaboração – não só seus resultados, mas também o processo. Ela demanda entrega, confiança e vulnerabilidade. Escuta ativa e desejo de aprender com as diferenças. Disposição para mudar de opinião, rever conceitos e abraçar o novo. Não há controle. Nem a certeza de que basta somar um mais um para encontrar dois ao final.
Movidos pela necessidade de prever e controlar, escolhemos o certo e deixamos de lado o duvidoso, trilhando caminhos que nos assegurem a chegada a lugares já conhecidos. Invariavelmente, no entanto, o imprevisível acontece. E sua força é tão avassaladora que destrói todas as nossas certezas, deixando-nos ali sozinhos, desarmados, munidos apenas de nossa infinita capacidade de criação. É por isso que crescemos na adversidade: não nos resta nenhuma alternativa a não ser mergulhar em nossa essência e retirar de lá o necessário para seguir em frente. E em nossa essência está a colaboração.
O ano de 2020 foi um desses momentos em que o imprevisível emerge com toda a sua potência. E, graças à amplitude planetária dos efeitos impostos pela pandemia, seu caráter transformador ganhou contornos exponenciais. Todos fomos desafiados a nos reinventar, destituídos por completo das certezas com que preenchíamos agendas e mentes. Reinventamos formas de trabalho, relações sociais e familiares, momentos de lazer…reinventamos a nós próprios. Olhando para trás, seria difícil imaginar, em março de 2020, que chegaríamos a dezembro ainda enfrentando a pandemia e a necessidade do isolamento social. Mais difícil ainda, no entanto, seria prever que teríamos feito tanto – nas empresas, nas artes, na educação de nossas crianças, no autocuidado, na superação de nossos medos e angústias.
Precisamos mais do que nunca uns dos outros. Da compreensão, da flexibilidade, da capacidade de ajustes, da busca de saídas alternativas. Juntos, cocriamos uma nova realidade, escrevemos novas histórias, nos conectamos de novas formas. As lições de 2020 não podem ser esquecidas. Elas nos falam da força do imprevisível. Se as aprendermos, não precisaremos mais esperar que novas convulsões venham abalar nossas estruturas e colocar em movimento essa potência criadora. Poderemos, simplesmente, provocá-la, com a nossa coragem de abraçar o imprevisível.
Não precisamos saber para onde o mundo está indo. Basta que nos disponhamos a criá-lo tal qual desejamos. Como líderes, como pais, como amigos, como parceiros, como cidadãos e como coabitantes deste imenso planeta azul, cabe-nos fomentar, como ressalta Taleb, ambientes que facilitem a colaboração, estabelecendo as bases para a prosperidade. E a melhor definição de prosperidade é, e sempre será, “aquilo que nos torna cada vez mais humanos” – a única dimensão onde um mais um pode ser mais que dois, e onde um mais um mais um é muito, muito mais que três.
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