23 de novembro de 2021

Eduardo Giannetti debate com líderes de comunicação tendências econômicas para 2022

Encontro do LiderCom contou com a presença do economista, que apresentou três certezas e três incertezas do mundo pós-pandêmico

Encontro do LiderCom contou com a presença do economista, que apresentou três certezas e três incertezas do mundo pós-pandêmico

Eduardo Giannetti

O economista e cientista social Eduardo Giannetti foi o convidado especial de um encontro dedicado à equipe Aberje e ao LiderCom, grupo exclusivo de líderes da Comunicação Corporativa da Associação, realizado no dia 19 de novembro. Na ocasião, Giannetti, autor de best sellers como “O valor do amanhã”, compartilhou tendências macroeconômicas do mundo pós-pandemia e comentou o cenário internacional, de modo geral. O diretor-geral da Aberje Hamilton dos Santos moderou a conversa, que contou com abertura do diretor-presidente da associação e professor titular da ECA-USP, Paulo Nassar.

As certezas do mundo pós-pandêmico

No mar de incertezas de um mundo pós-pandemia, Eduardo Giannetti considera três certezas cristalinas: (1) um mundo mais endividado; (2) menos globalizado e (3) mais digitalizado. E ele explica: “A pandemia mudou o patamar de endividamento no mundo, não só quanto à dívida pública, mas também às dívidas das empresas e das famílias. O estoque total de dívida hoje no mundo é da ordem de 353% do PIB mundial, ou seja, se você pegar o valor da produção global durante três anos e meio, ele é equivalente ao estoque de dívida existente hoje no planeta. Um volume sem precedente”.

Mais endividado

Para o economista, é perfeitamente compreensível que o estoque de dívida do setor público e privado tenha dado um salto e mudado de patamar no período da pandemia. “Tivemos uma parada súbita da atividade econômica, os estados nacionais foram chamados a sustentar medidas muito agressivas à renda e as condições materiais de vida da população e das empresas e isso foi financiado com dívidas, que no fundo é um mecanismo de jogar uma conta do presente para o futuro”, explica. “Nós jogamos uma conta muito grande para a frente”.

Essa mudança de patamar mostra aos economistas que a capacidade de assimilar dívidas é muito maior do que se poderia calcular. “Os economistas imaginavam que havia um limite muito mais estreito para as dívidas. Uma das lições da pandemia é que esse limite não é tão estreito; há mais espaço para endividamento do que se imaginava no passado”, argumenta. “Essa situação inspira cuidados. Ela não é cataclísmática, ela não está à beira do precipício, mas exigirá mais a frente um esforço de contenção e de equilíbrio para evitar uma trajetória de endividamento explosivo e levar à situações de insolvência ou de inflação”, complementa.

O grande perigo, segundo Giannetti, é que seja necessário, em algum momento, aumentar os juros, especialmente os juros americanos. “Isso se daria se houvesse uma inflação e há indicadores e uma pressão inflacionária hoje no mundo, há um debate dos economistas sobre esse fenômeno: se o aumento da inflação é passageiro e tende a retroceder, ou se estamos diante de um processo inflacionário que já está se enraizando e que vai obrigar os banco centrais a agirem aumentando os juros”.

Mundo menos globalizado

Esta é outra certeza para o mundo pós-pandemia, na visão de Giannetti. A história econômica moderna mostra que há períodos em que o mundo se integra, em que se adensam as relações econômicas entre países e há períodos em que esse movimento regride em que o mundo se fragmenta e volta a ser menos interdependente, menos globalizado.

A globalização da virada do século XIX para o século XX só voltou a existir na virada do século 20 para o 21. “Aí nós vivemos um momento de hiperglobalização. Foi quando aumentou espetacularmente o volume do comércio internacional, o fluxo mundial de capitais e houve um processo de interdependência das cadeias produtivas, as empresas passaram a olhar para o planeta como seu espaço de atuação”, analisa ao comentar a entrada, no mercado mundial de trabalho, de centenas de milhões de trabalhadores asiáticos, que dele não participavam.

Esse processo de hiperglobalização desacelera visivelmente a partir da crise financeira de 2008, 2009, quando o crescimento do comércio internacional e o fluxo de capitais financeiros no mundo começa a arrefecer. “Eu acredito que essa desaceleração vai se aprofundar agora no mundo pós-pandemia. Por quê? A pandemia revelou um aspecto de vulnerabilidade desse processo de interdependência crescente das cadeias produtivas”, acentua Giannetti. “O mundo descobriu que é perigoso ter a concentração muito forte da produção de bens essenciais das cadeias produtivas em poucos países, às vezes um ou dois”, explica. 

Mais digitalizado

É inegável que a pandemia acelerou o processo de digitalização, que vinha caminhando de forma relativamente lento. “Todos nós aprendemos, nos familiarizamos e até nos acostumamos a viver e a nos integrarmos nos processos de atividades digitalizadas. Isso afeta o mundo do trabalho, o trabalho remoto veio para ficar, vamos caminhar para o híbrido”, salientou. 

O economista, acrescentou que tudo isso afeta de maneira diferenciada o mais diferentes ramos de atividades, como, por exemplo, o setor de varejo, que foi impactado de modo irreversível pela digitalização; o setor de finanças, que nunca mais será o mesmo no modo como atuam; o setor da educação, com o uso de ferramentas de ensino a distância que vão complementar os processos tradicionais de aprendizado em sala de aula, setor de eventos e entretenimento; o processo político, que foi tremendamente impactado pelas novas tecnologias e a comunicação empresarial. “As redes sociais mudaram a dinâmica da percepção do público em relação ao mundo corporativo. Um passo em falso hoje pode ser fatal para uma empresa se cair na rede e se tornar algo que contagia e que domina a percepção”, argumentou. “Eu costumava dizer no passado que o importante era ser sustentável, não parecer sustentável. Hoje eu digo quase o contrário: não basta ser sustentável, é preciso parecer sustentável”.

As incertezas do mundo pós-pandêmico

Entre as incontáveis incertezas globais, Giannetti destacou três que considera relevantes para se pensar no futuro próximo:

É prematuro decretar o final da pandemia: há um aumento da ocorrência de doenças infecto-contagiosas no mundo nas últimas décadas. A redução de habitats naturais pode ter relação com isso. Parece surgir uma quarta onda na Europa, em especial na Áustria. Não é prudente, portanto, construir cenários para os próximos dois anos, que não levem em conta eventuais novas ondas da atual pandemia.

Como reagirão as economias, no momento em que as políticas econômicas contracíclicas adotadas em muitos países forem revertidas? Como se dará uma eventual reversão das atuais políticas monetárias e fiscais, que deram origem, por exemplo, ao alto estoque do endividamento atual? Como reagirão os preços dos ativos nesses novos cenários? Essas são questões ainda sem respostas claras, mas que merecem atenção ao considerar cenários para os próximos anos. Segundo o economista, existem claros sinais da formação de bolhas especulativos, evidenciadas pela desconexão dos preços de ações em alguns setores, no câmbio e em criptomoedas. 

Comportamento humano: como um grande trauma social se traduz em comportamento humano? Como os indivíduos irão assimilar os medos e a ansiedade gerada pela pandemia? Giannetti apresentou dois caminhos opostos que a história exemplifica. O primeiro caminho seria o da prudência. Após um grande trauma, consumidores, investidores e pessoas em geral em suas decisões do cotidiano podem assumir posturas mais conservadoras e haverá, portanto, um ambiente geral de maior aversão ao risco. Na direção oposta, existe toda uma literatura sobre crises globais em que a situação produz um movimento de extravasamento. É um comportamento pautado pela necessidade de viver o imediato. Os anos 1920, pós-gripe espanhola e pós Primeira Guerra Mundial é o exemplo mais evidente no século XX. 

Por fim, o Brasil

Giannetti apresentou um panorama de como o Brasil se encontra no momento atual:

O processo inflacionário no país já está implantado, haja vista a persistente taxa de difusão da inflação, que se mantém muito alta. Isso já provocou uma reação do Banco Central com a subida de juros e um novo arrocho monetário. O cenário é preocupante, pois esse movimento se dá em um momento de afrouxamento fiscal de caráter populista do atual governo – já estão aprovados gastos de mais de 90 bilhões de reais acima do teto fiscal. No que tange a atividade econômica, esse ano o PIB irá crescer cerca de 5%, é uma recuperação do que caiu durante a  pandemia. Porém, no ano que vem o crescimento será praticamente nulo. O emprego no Brasil só se sustenta em níveis pré-pandemia para a população mais escolarizada. Na população com menor escolaridade o desemprego, a insuficiência de horas trabalhadas e o desalento são muito maior do que a taxa geral de desemprego de 14% observada atualmente. O ano de 2022 será de muita volatilidade. Preços instáveis, dólar em alta, alta da inflação e volatilidade política serão a marca do ano final do atual ciclo político. O legado será muito complicado para quem quer que seja o próximo mandatário: baixo crescimento, descrédito das instituições, endividamento, descontrole fiscal. Eleições em geral conferem um novo período de legitimidade e de capital político para colocar em prática as propostas do novo governante, mas esses ciclos têm se mostrado cada vez mais curtos para que se possa implementar uma agenda de mudanças.

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