Muito discurso; poucas ideias
A divisão política da sociedade não é exclusividade do Brasil. Trata-se de um fenômeno global. E na maior parte dos países, embora as ideologias e os conceitos dos diversos grupos apresentem diferenças marcantes, a prática muitas vezes se assemelha de tal forma que se torna difícil distinguir uns dos outros.
O penhasco entre os diferentes grupos surge menos pela diferença de ideias e conceitos e mais pela ausência delas, vitaminada pela falta de capacidade de processar as informações. Sem conteúdo, preenchem o tempo e o espaço com lugares-comuns e obviedades.
Isso mesmo. Num mundo extremamente conectado, políticos são a extensão da sociedade, que reproduz informação muito mais do que gera, replicando temas e opiniões que a maioria deseja ouvir. A polarização é fruto mais da postura do que das ideias.
Os resultados de eleições ao redor do mundo confirmam a divisão. No Brasil, Dilma Roussef obteve 51,64% dos votos e Aécio Neves, 48,36%, diferença de apenas 3,4 milhões de votos. Na Argentina, Mauricio Macri e Daniel Scioli (candidato de Cristina Kirchner) também disputaram a presidência da República voto a voto. No Peru, o economista Pedro Pablo Kuczynski (conhecido como PPK) venceu com 50,12% dos votos, ganhando de Keiko Fujimori, que obteve 49,88%. Ambos, porém, têm perfil conservador. Na Espanha, eleitores voltarão às urnas no dia 26 de junho, a segunda vez num período de cinco meses, já que os quatro principais partidos políticos não chegaram a um consenso para a formação de um novo governo, o que levou à convocação de novas eleições.
Os Estados Unidos seguem um caminho semelhante. Para nós, que não estamos envolvidos diretamente nas acaloradas discussões americanas – já bastam as disputas aqui no Brasil –, fica mais fácil ver que muitas vezes, apesar dos políticos serem de partidos tão diferentes, muitas propostas e muitas mensagens são as mesmas. Para confirmar, vá ao Youtube e clique em Hillary Clinton e em Donald Trump. Tirando uma ou outra frase, parece que usaram o mesmo texto de base e que contratam o mesmo ghostwriter para preparar os discursos.
Dois candidatos, dois partidos, dois eventos, mas muita sobreposição de temas. Agora em junho, em seus discursos para comemorarem a vitória em mais uma etapa da campanha (7/06) apoiaram-se em clichês semelhantes. Com frases parecidas e uma oratória muito similar, os abismos ideológicos entre os dois candidatos desapareceram devido ao uso de palavras e frases praticamente iguais:
TRUMP: Hoje à noite nós vamos fechar um capítulo na história e começarmos outro.
HILLARY: Agora que vocês estão escrevendo um novo capítulo dessa história.
TRUMP: Esta não é uma prova para mim, mas um testemunho a todas as pessoas que acreditavam em uma mudança real …
HILLARY: A vitória desta noite não é sobre uma pessoa … Então, todos nós devemos tanto para aqueles que vieram antes e, hoje, a vitória é para vocês que acreditaram.
TRUMP: E nosso País nunca, nunca volta para baixo.
HILLARY: Nossa história se moveu nessa direção, graças às gerações de norte-americanos que não desistem.
TRUMP: Tenho viajado para muitos dos nossos Estados e vejo o sofrimento nos olhos das pessoas.
HILLARY: E eu aprendi sobre esses problemas e a promessa inacabada da América que vocês estão vivendo.
TRUMP: Nossa campanha recebeu mais votos do que qualquer disputa de primárias da história.
HILLARY: A primeira vez na história da nossa nação que uma mulher será nomeada por um grande partido.
TRUMP: Para aqueles que votaram em outra pessoa ou na outra parte, eu vou trabalhar duro para ganhar seu apoio.
HILLARY: Se você me apoiou, ou apoiou o Senator Sanders ou uma outra frente… todos nós precisamos continuar trabalhando na direção de um País melhor, de uma América mais forte.
TRUMP: Eu vou lutar por vocês, o povo americano. Eu vou ser o seu campeão. Estou indo para ser campeão da América.
HILLARY: Eu ouço você. Vejo você. Vou estar ao seu lado. E, como presidente, estarei sempre a sua volta.
TRUMP: A beleza dos Estados Unidos é que permite a todos estarem juntos.
HILLARY: Porque nós somos mais fortes juntos.
Donald Trump disse nesse mesmo discurso que “não importa o partido. A disputa não é entre republicanos ou democratas”. O entendimento, com isso, é que vale tudo na disputa pelo poder, independentemente de qualquer coisa, inclusive de princípios. Tomara que haja uma reviravolta na comunicação global e que ideias e mensagens sejam expostas publicamente e o conteúdo se sobreponha ao discurso fácil e pré-fabricado. Caso contrário, as futuras gerações não terão motivos para se orgulhar.
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