01 de agosto de 2006

Democracia no mundo plano

Os tempos se revelam não pelo que dizem as estatísticas, mas pelos acontecimentos cotidianos que, muitas vezes, por mais intensos, acabam camuflados por palavras vazias. No Brasil atual, as tensões vão se adensando. Em parte, com episódios traumáticos como a onda de violência patrocinada pelo PCC, em São Paulo, a depredação do Congresso Nacional por militantes de um movimento de sem-terras e as sucessivas invasões de terras e prédios públicos que se repetem no campo e na cidade. Em outra, pela violência da exclusão social, das guerras de quadrilhas, da corrupção e, enfim, de uma reação em cadeia que delineia um indigesto momento de crise.

Na comunicação como na política, as reações em cadeia costumam ser desastrosas. Nesse momento, em que o País se prepara para mais uma eleição presidencial, o que está a exigir atenção é a urgência de promover o encontro entre o discurso e a prática. O ganho de acesso à informação de milhões de eleitores será um dos aspectos centrais no processo que se aproxima. Inclui-se o impacto em meio à opinião pública da necessidade de promover reformas no âmbito da justiça, educação, tributos, trabalho, universidade, além da inadiável reforma do Estado. Mas, indo mais além dos desafios clássicos adiados há décadas, vale lembrar que as instituições necessitam também realizar uma reforma ampla e profunda, no modelo de relacionamento e comunicação com a sociedade.

Os novos tempos de transição para a democracia e de saudável inserção na comunidade internacional exigem que a reputação e imagem caminhem juntas. Cada vez que uma promessa é esquecida, são preciosos pontos que as instituições perdem perante a opinião pública. Cada vez que momentos de violência ou corrupção ganham espaço na mídia no exterior, são investidores que se retraem. É a confiança no país que fica abalada. Como assinala com muita propriedade o jornalista americano Thomas L. Friedmann, o mundo, ao contrário do passado, tornou-se visível aos olhos da multidão, de um extremo a outro do globo. A modernidade agora é uma planície, não mais uma esfera como nos idos do século 20, ainda herdeiro do ciclo das navegações.

Arena democrática

A era da internet mudou tudo e ampliou a rejeição ao discurso que não se torna realidade, às explicações formais que nada resolvem. O mesmo se aplica ao poder que cada um passou a dispor. O ambiente é de excesso de oferta e as pessoas podem simplesmente migrar de um produto para outro, de um serviço para outro e, ainda, de um candidato a um mandato político para outro. Isso pode ocorrer silenciosamente, por meio de protestos e movimentos que agregam grandes massas ou pelo voto. Há, em meio ao cidadão, uma crescente correlação entre suas insatisfações e suas ações. Este é um outro aviso que vem das ruas hoje no Brasil.

A associação da exclusão social ao desemprego, à precariedade da educação e à desconfiança com relação ao Estado não pode persistir. Essa relação tem sido descurada, em larga medida, porque no Brasil vigora a crença de que o comportamento da opinião pública é uma coisa e o do eleitor, outra. A crença tem fundamento. Tem sido assim desde o império quando as campanhas abolicionista e republicana se prolongaram por quase uma centena de anos. Contudo, naqueles tempos o País era como um arquipélago de ilhas incomunicáveis. A liberdade de expressão era um bem escasso. Hoje é bem diferente. Nunca na história brasileira existiu tanta liberdade, tanto direito de expressão como de associação.

É válido acreditar, portanto, que está soando o momento da opinião pública e o comportamento do eleitor formarem um corpo só, capaz de produzir mudanças. Assim, o papel promissor que a comunicação pode desempenhar hoje no Brasil é de amplificar o sentido prático das liberdades políticas e dos direitos civis. Quanto maior o alinhamento entre o que se faz e o que se defende, maior será o impacto da comunicação nas discussões, nos debates públicos e na manifestação dos eleitores. Por este caminho, certamente, é que as reações em cadeia provocadas pelos episódios negativos poderão ceder lugar a uma reação positiva da cidadania. Pois, no mundo plano, tudo aquilo que a opinião pública rejeita cedo ou tarde se dissolve. Quem dúvida tiver, basta ler os jornais do dia ou acompanhar o noticiário.

Perdida a reputação, perde-se também espaço, e muitas vezes em definitivo, na competitiva arena da democracia. Foi-se o tempo em que o descaso para com a opinião pública caminhava para o esquecimento como os rios fluem na direção do mar.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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