Publicado originalmente no jornal O Globo em 25 de abril de 2021.
Foi necessário uma horda extremista atacar o Capitólio para as empresas norte-americanas manifestarem-se a favor da democracia. A ameaça sem precedentes às instituições políticas do país, estimulada por Donald Trump, fez a Corporate America desembarcar da nau insensata e golpista do então presidente.
O Business Roundtable, associação que reúne os CEOs das principais empresas americanas e que aplaudira Trump na posse, criticou os políticos republicanos por espalharem a “ficção de uma eleição fraudulenta”. Empresas de tecnologia restringiram as mídias sociais e serviços do site do então presidente, e corporações financeiras e industriais suspenderam doações políticas a republicanos.
Críticos alegam que as empresas demoraram muito a reagir. Atraído pelas promessas de cortes de impostos, desregulamentação e restrições a concorrentes estrangeiros, o mundo corporativo aliou-se a Trump durante a maior parte do mandato e apostou na reeleição.
Contudo já havia quem percebesse que o que é bom para os negócios não pode ser ruim para a democracia, como o Leadership Now Project, iniciativa de ex-alunos da Harvard Business School, que age na proteção da democracia americana no front empresarial.
E no Brasil?
Desde 2019, somos liderados pelo mais inepto e inapto presidente da nossa história, que nunca escondeu sua aversão a tudo o que representa evolução civilizatória.
Passados mais de dois anos de mandato, Jair Bolsonaro comprova que seu foco é a destruição. Corroeu nossas relações internacionais e multilaterais; desmontou nossos mecanismos de proteção ao meio ambiente; paralisou a estrutura federal de educação; desqualificou as instituições de cultura e arte; destituiu a sociedade civil de conselhos públicos; colapsou o sistema de saúde em meio a uma pandemia brutal; incentivou e participou de manifestações golpistas.
Enquanto a mídia, o Judiciário e parte do Legislativo enfrentaram Bolsonaro para reduzir suas ações danosas e impedir a progressão de golpes, o que fez nosso segmento empresarial?
Raro encontrar líderes de empresas que defendam abertamente a democracia, como fez Pedro Passos, da Natura, em reportagem no “Valor”, em outubro de 2020.
— As instituições democráticas estão sob constante ataque. O governo atual dá claras indicações de que não valoriza os princípios democráticos. Em alguns momentos, questiona o próprio Estado de Direito — disse Passos.
Entretanto o silêncio mais significativo não é individual, e sim coletivo. É gritante a falta de posicionamento das entidades empresariais, em grande parte cooptada por líderes que se eternizam no poder, ocupados com a defesa de privilégios setoriais que ancoram nossa economia no passado.
Empresas são agentes relevantes da estrutura social e não podem se isentar das questões de alto interesse público. Caminhamos inexoravelmente para um capitalismo de stakeholders, e a sustentabilidade finalmente penetra no mainstream empresarial, pela crescente influência dos critérios ESG nas decisões de investimento.
Preceitos da sustentabilidade, porém, só podem existir e expandir-se em regimes democráticos. Os governos populistas de direita e de esquerda que infestam o mundo demonstram aversão à agenda ambiental, à evolução social e aos fundamentos de governança.
É preciso reconhecer que muitas empresas e empresários brasileiros têm se articulado e agido na defesa do meio ambiente, da saúde e da educação, em contraposição ao desgoverno federal. Alianças como a Coalizão Brasil e a Concertação pela Amazônia, e entidades como o CEBDS e o Todos Pela Educação são alguns exemplos dessas atitudes propositivas.
No entanto, num momento em que o Estado Democrático de Direito, a maior conquista da nossa sociedade, é reiteradamente ameaçado, cabe priorizar sua defesa e proteção. Para isso, as lideranças empresariais não precisam fazer proselitismo ideológico ou ter engajamento partidário. Basta assumir ostensivamente sua parcela de responsabilidade individual e coletiva na defesa aberta dos fundamentos da cidadania.
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