04 de fevereiro de 2021

Não basta buscar apenas o lucro

*Artigo publicado originalmente na edição 13 do Valor Setorial Comunicação Corporativa, em dezembro de 2020

Crescer inclui dialogar com todas as pessoas envolvidas na cadeia de valor e adotar as melhores práticas sociais, ambientais e de governança.

A Associação Brasileira de Comunicação Empresarial – Aberje dedicou o ano de 2020 à Comunicação Não-Violenta (CNV), abordagem criada pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg, que pretende melhorar a forma de os seres humanos se relacionarem. Ela sustenta o princípio de que “toda violência é a expressão trágica de uma necessidade que não está sendo atendida” e que todas as pessoas buscam atender as mesmas necessidades (humanas e universais). A CNV desenvolve a empatia por meio da escuta e da conexão – consigo mesmo e com os outros –, usando a comunicação para expressar-se de forma autêntica e resolver conflitos. Ela está tomando cada vez mais espaço nos âmbitos de convivência – inclusive nas empresas. Para compreender mais o que é gerar ambientes de trabalho não violentos, a Aberje promoveu uma pesquisa inédita no Brasil.

Nela investigamos o grau de observação de certas práticas relacionadas aos elementos da CNV (a observação, as necessidades, os sentimentos, pedidos etc.) dentro das organizações. O resultado que mais chama a atenção é, primeiro, que as empresas pequenas pontuam melhor que as médias e estas, que as grandes. Segundo, descobrimos também que a pontuação é mais alta na equipe ou na área do próprio respondente do que na sua empresa como um todo. Assim, há indícios de que os elementos da CNV são mais facilmente observados na dimensão micro (a equipe, a PME, quem está perto) do que na macro (a liderança, a empresa inteira, a grande corporação, quem é graúdo ou distante).

Empenhar-se na CNV no ano da pandemia e do confinamento foi uma coincidência – mas parece óbvio, como alguns educadores têm defendido, que um trauma como o que vivemos exige priorizar a atenção aos sentimentos do outro. E é isso que está no cerne da pesquisa: o sentimento, o nosso e o dos outros; o da empresa e de seus públicos. É como se o principal insumo se tornasse, agora, o afeto, mais do que a planilha. Fazer o PIB crescer de novo vai depender do modo como as organizações – em especial as grandes – venham a dialogar com todas as pessoas envolvidas em sua cadeia de valor, identificando seus medos, necessidades, desejos, em busca de uma interação de ganhos mútuos.

Não estamos diante de uma moda localizada e passageira, mas sim de um processo generalizado de mudanças profundas. É o que vemos nos mercados financeiros mundiais, com a adoção das pautas ESG pelos grandes investidores institucionais. Em oposição à ideia de Milton Friedman, para quem a responsabilidade social da firma se resumia ao lucro, a agenda dos acionistas hoje engloba o meio ambiente, as questões sociais e a boa governança. Insistamos: não são movimentos sociais, universidades, ONGs etc., mas os maiores fundos de investimento do mundo que estão demandando planos de descarbonização, políticas de inclusão, adequação a marcos regulatórios e adoção das melhores práticas.

Daí por que acreditamos que a comunicação empresarial deva se pautar cada vez mais – e não apenas ela, mas a própria ação das empresas – pelo que o Financial Times está chamando de “Moral Money” (capital virtuoso, capital ético), a qual o jornal britânico dedica uma newsletter quinzenal. A tese é simples, não inédita, mas de todo modo revolucionária: sai de cena a ideia de que basta procurar o lucro, não importando os meios para obtê-lo. Ao contrário, os meios se tornam decisivos. É o que a sigla ESG, relativa às iniciais das palavras que em inglês designam as preocupações ambiental, social e de governança corporativa, representa. Como se vê, não são meros meios: ambiente, sociedade e governança também são fins relevantes da humanidade, mais até, do planeta.

Entende-se por que essas preocupações se tornaram relevantes. A Terra sobreviveria sem nós, mas a vida humana pode desaparecer se não houver cuidado com o meio ambiente. A desigualdade, quando se mostra clamorosa, se torna injustiça social e causa infelicidade, perda de oportunidades e de produtividade, bem como revoltas, que podem ser justas. O “S” de ESG tem tudo a ver não só com o social, mas com os sentimentos. Finalmente, a boa governança é uma forma de impedir o mau uso dos dinheiros, inclusive públicos.

O capitalismo foi visto por muito tempo como neutro moralmente. Seus líderes buscavam o lucro; cabia ao Estado regulá-lo para que o procurassem da forma menos predatória, ou mais justa, possível. Já a ideia de Moral Money implica que o próprio capital interiorize a preocupação ética. Os mais jovens talvez não conheçam a “lei de Gerson”, que contaminou para sempre um futebolista de sucesso, depois de aparecer numa publicidade de cigarro dizendo que gostava de “levar vantagem em tudo”. Com o Moral Money, propõe-se o contrário disso: não um levando vantagem sobre o outro, mas todos, dos colaboradores da empresa a seus usuários e consumidores, se beneficiando mutuamente, numa relação sustentável. Aqui talvez seja possível estabelecer uma relação com os objetivos da CNV, de busca por uma comunicação aberta e mutuamente enriquecedora.

O capitalismo foi e é extremamente eficaz em promover um desenvolvimento econômico, vencendo os limites da tradição. O que o Moral Money propõe – e o que estamos começando a ver com a adoção da agenda ESG pelos maiores investidores institucionais – é que a ética seja interiorizada pelo capitalismo; que a riqueza, longe de ser neutra (ou pior, destrutiva), assuma uma cor moral. Isso significa uma série de compromissos, não por acaso alguns deles inscritos em nossa Constituição. Não afirmaram os constituintes de 1988 que uma das metas da República é erradicar a pobreza? Não cresceu, estes anos, o empenho em equilibrar a vida humana com as demais formas de vida do planeta? Sabe-se que a cada ano-calendário a humanidade gasta quase dois anos de recursos ambientais: não estamos vivendo dos rendimentos, mas avançando, se nos permitem a metáfora, no capital. Essa é uma receita segura, qualquer empresário sabe, para a falência. Vamos deixar falir a vida humana?

Estas questões se tornam ainda mais prementes porque com a queda dos juros há de crescer a migração do dinheiro para o mercado de ações – onde os critérios de ESG, ou de Moral Money, tendem a se tornar cada vez mais importantes para escolher em que empresas aplicar.

Como tem ficado claro diante do desmatamento da Amazônia, nem as grandes empresas internacionais nem as nacionais querem se associar à destruição ambiental. Isso significa não apenas uma mudança de narrativa, de comunicação, mas de postura, de atitude. É esta nova agenda que a Aberje quer ajudar a promover. Dentre as iniciativas neste sentido, iremos realizar em 2021, em parceria com a ANBIMA, a pesquisa A Comunicação dos Mercados Financeiros e de Capital no Brasil, dando continuidade aos cursos e pesquisas que realizamos no ano que ora termina.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

Hamilton dos Santos

Jornalista, mestre e doutor em Filosofia, ambos pela Universidade de São Paulo (USP). Também é formado em Administração de Empresas pela Stanford Global Business School. Tem experiência em diversas redações dos principais veículos de comunicação do Brasil e como diretor de Recursos Humanos da Editora Abril, onde trabalhou por 20 anos. Atualmente é diretor executivo da Aberje – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, representa a instituição na Global Alliance For Public Relations and Communication Management e é membro da Page Society, do Conselho da Poiésis e um dos líderes do movimento “Tem Mais Gente Lendo”.

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