Comunicação, Relações Institucionais e a pandemia
Artigo originalmente publicado em espanhol no CIRP – Consejo Profesional de Relaciones Públicas de la República Argentina.
Hamilton dos Santos, Paulo Nassar e Suelma Rosa dos Santos*
Nesta crise sem precedentes causada pelo novo coronavírus, a comunicação, de modo geral, mostrou o quanto é o eixo central das democracias modernas. A comunicação tem, parece óbvio, o poder de tornar essas democracias mais ou menos prósperas, mais ou menos equilibradas, mais ou menos justas, dependendo de como ela é utilizada. Não por acaso, a grande maioria dos governos, em todas as esferas, classificou a comunicação como uma atividade essencial durante a quarentena.
Mas a crise do coronavírus também serviu para acentuar os aspectos frágeis e nocivos inerentes à revolução da comunicação ocasionada pelas novas tecnologias. As fake news (notícias falsas ou enviesadas) e a infodemia (excesso de informação e profusão exponencial de fontes) transformaram-se em ameaças reais não apenas à estabilidade das democracias, mas também, e mais preocupante, à saúde dos cidadãos e das populações.
A comunicação corporativa, por sua vez, também mostrou a sua força ao longo da pandemia, com um protagonismo extraordinário. Um protagonismo que tem se esmerado em ir além dos aspectos instrumentais e ferramentais da tradicional comunicação de empresas. Os comunicadores corporativos, os chamados CCOs (Chief Communications Officers), fizeram-se ainda mais essenciais para os negócios, chamando para si a responsabilidade de, por um lado, entregar para os diversos públicos da organização as más notícias da forma menos deletéria possível. Por outro, entregar para a sociedade muito mais do que marcas e produtos, mas também responsabilidade social, comprometimento e solidariedade.
Nesse esforço extra demandado pela pandemia, os comunicadores de empresa também se lançaram de modo mais incisivo e estruturado no combate à desinformação. De um modo geral, as áreas de comunicação corporativa das organizações grandes, médias e até das pequenas alinharam a marca e suas lideranças para o diálogo rápido e efetivo com os públicos internos e externos, com objetivo de zelar pela saúde dos empregados, manter empregos e permanecer no jogo.
Contudo, ainda há muito para evoluir entre as diversas disciplinas da comunicação corporativa. Se a comunicação interna, as relações comunitárias, a produção de conteúdo proprietário e as relações com a mídia avançaram muito nos últimos tempos e em especial durante a pandemia, o mesmo não se pode dizer das Relações Institucionais e Governamentais (RIGs). Essas áreas, tradicionalmente associadas à ideia de lobby, ainda enfrentam desafios embora venham dando claros sinais de estarem enveredando para uma trilha mais segura e democrática, baseando suas ações em princípios inegociáveis de transparência e integridade e com isso obtendo mais eficiência e resultados para o negócio. A busca dessa nova trilha se insere no contexto do debate dos modelos internacionais de ética e integridade nas relações dos setores público e privado, inclusive, na OCDE – Organização para o Desenvolvimento Econômico, certamente foi reforçada, no Brasil com os desdobramentos das investigações da Lava Jato. Durante a pandemia, ganhou contornos irretroagíves e condições para que as RIGs evoluam.
Primeiro porque o salto digital dado pelas organizações em função da pandemia vai contribuir para que a prática de RIG, mais amparada em dados e processos, distingua-se da outra que ainda se sustentava em bases apenas relacionais. Isso facilita os posicionamentos e narrativas setoriais em detrimento de relações unilaterais e interesses particulares. Ademais, amplifica o debate dos temas da agenda de interesse do setor privado com todos os atores sociais que precisam se manifestar sobre eles: empregados, cadeias de valor afetadas, comunidades próximas, academia, organizações da sociedade civil, enfim, todos os cidadãos afetados pela matéria.
Segundo porque o desenvolvimento da cultura digital está justamente provocando o rompimento daquelas interlocuções unilaterais, passando a envolver o próprio cidadão como um ator fundamental, seja ele na figura do consumidor quanto na do eleitor. Agora, graças às redes sociais e às novas mídias, o próprio cidadão pode ele próprio ser lobista e representar seus interesses junto àqueles que elegeu, assim como pode pressionar organizações e empresas ao redor do mundo. Isso muda tudo – e para melhor – na prática das relações institucionais.
Terceiro, a pandemia ressaltou um vácuo que, não é de hoje, se pode observar na América Latina e em particular no Brasil: a ausência de lideranças empresariais fortes e comprometidas com as grandes pautas da sociedade. Com a pandemia, os CEOs, os presidentes de Conselhos de Administração e os investidores vieram para a Praça Pública sem medo de participar do debate e estão demonstrando que o poder econômico pode, sim, ajustar sua agenda com as pautas particulares das organizações e setores que representam.
Tudo indica que este movimento está em ascensão não apenas no Brasil e na América Latina, mas em todos os países em que o debate ocorreu antes que chegasse na região. Claro, aqui os comunicadores devem atentar para um desafio adicional: dado a degradação do espaço público causada pelas fake news, pela infodemia e pela polarização política, a ida dos empresários à Praça Pública requer uma dose extra de cuidados, métodos e seriedade, para impedir que o ativismo das empresas se transforme em uma aventura por interesse, ou para que atitudes genuínas e verdadeiras não sejam tomadas como oportunismo marqueteiro. Para isso, mais do que nunca, o comunicador em geral, mas principalmente aquele que exerce atividades de RIGs, deve estar, do ponto de vista das habilidades e competências, mais preparado do que nunca, investido de tecnologia, dados e processos, mas também investido de conhecimento sólido das chamadas interfaces da comunicação, isto é, aquelas disciplinas humanísticas, tais como antropologia, filosofia, sociologia, o pensamento crítico, enfim.
Os setores empresariais precisam cada vez mais ser percebidos por sua história institucional, por sua trajetória histórica, no aspecto social, econômico, ambiental, cultural e político. As empresas devem transcender seus papéis de produtoras de bens e serem valorizadas também por suas contribuições para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equilibrada.
Se agirem de modo genuíno de acordo com esse raciocínio, as empresas estarão criando não apenas um colchão reputacional para ajudá-las nos momentos de crise, mas principalmente estarão justificando a licença para operar que obtiveram da sociedade e compartilhando com ela os valores obtidos em decorrência dessa licença.
E se esse é um caminho válido para a construção da narrativa de uma marca ou de uma organização, tudo aponta para que as narrativas das indústrias e dos setores possam seguir o mesmo raciocínio.
Sabemos que, do ponto de vista dos setores, uma das grandes dificuldades das relações institucionais e governamentais é, por um lado, a criação de consenso, devido a heterogeneidade e as especificidades internas; e, por outro, o encaminhamento de seus pleitos com a urgência e a eficiência que cada setor ou indústria demanda, no momento que demanda. Essas dificuldades podem ser agora enfrentadas com mais celeridade devido a três legados fundamentais que a pandemia sinaliza deixar para as RIGs: em primeiro lugar, as empresas e consequentemente os setores melhoraram os seus recursos e plataformas digitais, o que permite maior agilidade na promoção de diálogos deliberativos mais inclusivos e transparentes; em segundo lugar, os comunicadores e as demais lideranças empresariais e também os representantes do setor público e da sociedade organizada começaram a tomar consciência de que a despeito das legislações e da burocracia nem toda decisão precisa levar anos, às vezes décadas, para ser tomada; em terceiro lugar, a afirmação cada vez mais evidente de uma cultura do diálogo entre empresas e sociedade. Transformar ganhos circunstanciais, desde que em conformidade com a lei e com a legitimidade, em ganhos estruturais passou a ser uma possibilidade real, tirando diversos temas e projetos do terreno do tabu e do wishful thinking.
Somados os legados do salto digital, da agilidade na produção de consenso em plena crise e a presença resoluta das lideranças empresariais na praça pública para debater o bem comum, a pandemia deixa lições para todos nós e em especial para os comunicadores corporativos. Não se deve perder a oportunidade de aprender com essas lições. Não pelos bons resultados que elas podem trazer para as organizações, mas pelo valor compartilhado que elas podem gerar e, sobretudo, em memória e honra das milhares de vidas que foram dolorosamente ceifadas pela pandemia.
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Hamilton dos Santos, Diretor Geral da Aberje e doutorando em Filosofia na USP
Paulo Nassar, diretor-presidente da Aberje e professor titular da ECA/USP.
Suelma Rosa dos Santos, diretora de Relações Governamentais da DOW e Vice Presidente do Instituto de Relações Governamentais – IRELGOV
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