Capítulo Aberje Rio Grande do Sul aborda o pós-pandemia sob uma perspectiva filosófica
A 17ª edição do Encontro Aberje RS ocorreu em formato online e contou com a participação do filósofo e professor Luciano de Jesus
O Capítulo Aberje Rio Grande do Sul realizou no dia 4 de dezembro o 17° Encontro Aberje na região, para abordar o tema “Um olhar da atualidade para além da transformação digital – possíveis impactos e desdobramentos nas organizações pós-pandemia sob uma perspectiva filosófica”. Na ocasião, as diretoras do Capítulo Aberje Rio Grande do Sul Daniela Cidade e Rosângela Florczak receberam o filósofo, professor e palestrante Luciano de Jesus e a doutora e Mestre em Comunicação, Lidiane Amorim, que mediou o evento.
Ao abrir o encontro, Rosângela Florczak ressaltou que mesmo distante nunca as pessoas estiveram tão próximas. “A Aberje esteve muito presente conosco neste ano e estamos nos preparando para o que vem pela frente”, disse. “Este foi um ano absolutamente atípico e de muito aprendizado. Talvez a filosofia, com suas provocações, nos ajude a sair um pouco deste universo comunicacional tão cheio de preocupações com um olhar mais ampliado, para pensar no que está nos acontecendo”, complementou Daniela.
“Em busca de Sentido”
Em sua apresentação, o professor Luciano fez uma reflexão filosófica sobre ‘O sentido da vida’, a partir do livro “Em Busca de Sentido – Um psicólogo no campo de concentração”, escrito pelo neurologista e psiquiatra Viktor Emil Frankl, sobrevivente austríaco do Holocausto. “Na obra, traduzida para mais de 20 idiomas, Frankl enfatiza que a questão do sentido da vida é a grande questão ‘personalíssima, intransferível e indelegável’ do ser humano. Muita coisa da minha vida eu posso delegar para outros, mas a busca e a descoberta de sentido não”, acentuou.
Na Segunda Guerra Mundial, Frankl foi parar em quatro campos de concentração nazistas por ser judeu. Luciano conta que ele não atuou como médico nem como psiquiatra; foi um prisioneiro comum. Lá, pôde refletir, diante de uma existência desnuda, sobre o porquê de o ser humano resistir a tudo aquilo e continuar, teimosamente, dizendo sim à vida. “A ideia do livro é narrar a ‘pequena morte’ da grande massa e não a de mártires. Segundo Frankl, cada prisioneiro passa por três fases no campo de concentração: o choque de recepção, o cotidiano e o depois da libertação”, comentou Luciano, fazendo uma certa analogia entre a forma como as pessoas estão atravessando a pandemia. “Obviamente, são situações completamente diferentes, sem comparações. A analogia é sobre a forma psicológica como as pessoas reagem”, enfatizou. “Sairemos melhores dessa pandemia? Temos uma oportunidade ímpar. A forma como vamos aproveitá-la vai de pessoa para pessoa”, refletiu.
Fundador da logoterapia – uma escola de psicoterapia centrada no significado – Frankl defendia ser possível encontrar significado na vida sempre por meio da realização de valores. “Em seu livro, ele não fala em autorealização nem autoconhecimento, mas em autotranscendência, sobre a capacidade de ultrapassar-se. O que a gente faz para o mundo, enche a nossa vida de sentido”, comentou, acrescentando ser esta uma das formas de ver sentido na vida, descritas pelo autor austríaco. “O voluntariado, por exemplo, é um movimento interessante, em que as pessoas querem fazer mais pelos outros e pelo planeta porque acreditam nisso. Esta é uma segunda forma de encontrar sentido na vida é através daquilo que eu acolho do mundo como a experiência da amizade, do amor, da arte ou da música”, exemplificou o professor.
O pós-pandemia e as organizações
Na visão do professor e filósofo Luciano de Jesus, a pandemia do novo coronavírus veio ensinar às pessoas a valorizar a vida, a rotina, a correria do dia a dia. “A gente vive numa sociedade desatenta, não prestamos atenção no que está nos acontecendo. Sentimos falta até da rotina da qual a gente se queixava imensamente. Muitas vezes nos apegamos ao passado ou nos voltamos demais para o futuro e deixamos de viver o presente. O importante é viver cada momento com intensidade de sentido, prestando atenção naquilo que está nos acontecendo”, disse.
Viktor Frankl dizia que um dos grandes males do século XX era o vazio existencial, a sensação de perda do sentido da vida, o tédio, o vazio interior. “Do século XX para cá, nós voamos tecnologicamente e humanamente nós andamos a passos de formiga e sem vontade, como diz Lulu Santos. Nós vivemos numa sociedade consumista e hedonista, onde não há espaço para o sofrimento. As pessoas escondem o sofrimento”, lançou Luciano.
Com isso, o professor traz a terceira forma de encontrar sentido na vida, segundo Frankl: como a pessoa se coloca diante do sofrimento inevitável. “Muitas vezes vamos sentir esse vazio e diante de um sofrimento inevitável, está em nossas mãos mudar a nós mesmos, já que não podemos mudar a realidade que nos circunda. Frankl atribui a Nietzsche a seguinte frase: quando se tem um ‘porquê’ viver, pode-se suportar quase qualquer ‘como’ viver”.
A fala de Luciano pode ser correlacionada ao mundo do trabalho, já que essa discussão sobre sentido, sobre propósito se tornou muito comum nas empresas. “Lucro é pressuposto de qualquer organização se ela quiser resistir na sociedade atual, mas as organizações mais longevas são aquelas que efetivamente têm um propósito. Precisamos fomentar a questão do propósito, mas não de forma instrumentalizada porque é moda. Esta é uma questão que cada um de nós deve responder individualmente, pois varia de pessoa para pessoa, de época para época da vida e acredito que essa é uma tarefa também das organizações: se perguntar qual é o seu propósito, de forma efetiva”, concluiu.
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