22 de outubro de 2020

TV brasileira, 70 anos

Eu sou velho. Simples assim. O motor está novo, a lataria mais ou menos, mas o fato é que o carro é velho, pois o que vale é o ano de fabricação. Mas, ser um carro velho com o motor inteiro tem lá suas satisfações e prerrogativas. Por exemplo, eu sou testemunha da história com relação ao nascimento, apogeu e declínio da televisão brasileira. Claro que me refiro à TV aberta, não à TV por assinatura e muito menos ao streaming. Nas linhas abaixo, vou recordar com vocês alguns dos momentos que mais me emocionaram na história da televisão brasileira e, no papel de empresário do setor de comunicação, aproveitar para analisar a evolução dessa mídia.

Como todos sabem, a TV chegou ao Brasil com a primeira transmissão da TV Tupi, no dia 18 de setembro de 1950. A primeira transmissão foi ao vivo, enlouquecendo apresentadores, jornalistas, técnicos e, é claro, o telespectador. Nessa época, eu ainda era muito pequeno e também não tínhamos televisão em casa. Diz a história, que o ator Walter Forster, nesta data, declarou diante de três câmeras: “Está no ar a PRF 3, TV Tupi de São Paulo, a primeira estação de TV da América Latina”. Às 21 horas, iniciou-se o primeiro espetáculo da televisão brasileira, o “Show na Taba”, que tinha música, humorismo, danças e quadros apresentados por Homero Silva, o Luciano Huck da época. A atriz e cantora Lolita Rodrigues interpretou o Hino Nacional da TV, num arranjo especial para a ocasião. Estima-se que haviam 300 aparelhos de televisão ligados, espalhados em pontos estratégicos de São Paulo, já contando com aqueles que Chatô (dono dos Diários Associados e da Tupi) distribuiu pelas vitrines de lojas do centro de São Paulo.

Uma década depois, eu estava de férias na casa da minha avó, em São Paulo, e ela finalmente tinha comprado (à prestação no Mappin e escondido do meu avô) um trambolho, denominado televisor. Algo parecido com a imagem abaixo.

Alguns flashs que me recordo das minhas primeiras interações com a TV. Esperava-se horas pelo início das transmissões, que sempre atrasavam, ouvindo-se uma música e olhando para o indiozinho da Tupi.

A imagem era embaçada, os quadros caíam a todo o tempo, ou se enviesavam. A televisão tinha dois botões, um para estabilizar a imagem na horizontal e outro para a vertical. E a gente ficava em frente ao aparelho, a todo o tempo, tentando estabilizar a imagem.

Os momentos que mais me marcaram na história da TV brasileira

Depois do primeiro “Show na Taba”, ao longo das próximas décadas eu vi muita coisa que me marcou na TV brasileira. Dois programas me viciaram, logo de cara, mas, infelizmente, só podia assistí-los quando visitava meus avós em São Paulo, pois, nos anos 60, a TV ainda não chegava ao interior do Estado. O primeiro deles era o “Almoço com as Estrelas”, onde o casal Airton e Lolita Rodrigues, no horário de almoço, aos sábados, recepcionava celebridades (na maioria cantores e atores), que se apresentavam durante o programa. Se vocês prestarem atenção na foto abaixo, vão identificar o Nelson Ned, ainda garoto. Mais tarde, o Faustão, bem parecido com o “Almoço com as Estrelas”, teve o seu quadro “Pizza dos Famosos”.

Outro programa que eu adorava era o “Céu é o Limite”, um dos primeiros grandes sucessos da televisão brasileira. Foi ao ar, inicialmente, em 1955, na TV Tupi de São Paulo. O primeiro apresentador foi Aurélio Campos, também conhecido por sua atuação no setor esportivo de rádio e televisão. Aurélio sabatinava os participantes, esgotando todos os assuntos relacionados a um mesmo tema. Algo parecido com o que você viu no filme “Você Quer Ser um Milionário?”. O jargão “absolutamente certo!” do Aurélio ficou para história. Mais tarde, já nos anos 70, J. Silvestre (foto abaixo) consagrou o programa que virou o queridinho das famílias.

Assistir à Copa 70, com Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino, Clodoaldo e outros craques ganharem a melhor Copa da história, foi também incrível. Era a primeira transmissão a cores no Brasil e eu assisti a maior parte dos jogos no campus da universidade, onde eu concluía meu curso de Engenharia Mecânica. Um televisor pequeno, no meio do pátio, ligado a alguns alto-falantes, nos dava uma pálida ideia do que acontecia em campo. E, claro, em casa ninguém ainda tinha TV a cores na hora de ver o VT (quem não sabe o que é VT, dá um Google).

E as séries? Se você pensa que foi a Netflix que as inventou, ou se acha que a primeira série de impacto foi Friends, saiba que está redondamente enganado. A primeira série que bombou no Brasil, ainda em preto e branco, foi Bonanza, que passava aos sábados, às 21 horas, na TV Record, se não me engano. Tratava-se da saga da família Cartwright no faroeste, com o rancheiro viúvo Ben, um homem de propósitos, e seus três filhos (de mães diferentes), Adam, Hoss e Little Joe, na defesa de seu rancho Ponderosa em Nevada.

E ainda vi, ao vivo, a conquista da Lua, em julho de 1969. Me lembro de estar assistindo ao Programa Silvio Santos, que foi interrompido para que pudéssemos acompanhar o Neil Armstrong dando na Lua seu “pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”. A foto abaixo, do Buzz Aldrin descendo a escadinha da nave Eagle, foi feita pelo Neil Armstrong e só chegou até nós semanas depois que os dois astronautas retornaram à Terra. A imagem que vimos na TV era um borrão e o som inaudível. Mesmo assim, foi um momento emocionante.

Muitos anos depois, e põe muitos nisso, em 31 de maio de 2020 eu assisti, ao vivo, a nave Dragon Crew em sua “Demo 2” (a Demo 1 foi não tripulada), com os astronautas Douglas Hurley e Robert Behnken a bordo, chegando à Estação Espacial Internacional (ISS), após 19 horas de vôo.  Era a primeira viagem tripulada dos Estados Unidos, com equipamento próprio, em nove anos. E também, a primeira viagem espacial tripulada da história em uma nave produzida pelo setor privado, a SpaceX do Elon Musk.

Desta vez, o show foi transmitido, ao vivo, pelo YouTube (NASA Live). Um show impressionante, com o pessoal da Terra em background, conversando com os astronautas dentro a ISS. Eu, que sou fanático por astronáutica, vi tudo ao vivo, desde as luzinhas da Dragon Crew se aproximando, todo o acoplamento e depois a “welcome party”, organizada e conduzida pelo Chris Cassidy (comandante da ISS) e membros da Expedição 63 da ISS. O comandante Chris se comportou como a Lolita e o Airton, recebendo seus convidados, e o show foi espetacular. Só que foi absolutamente ignorado pelas TV’s abertas, que só à noite transmitiram pedacinhos do vídeo da chegada.

E o que mudou na TV, no Brasil e no mundo, desde 1950? 

Mudou tudo. Mudou o contexto, mudaram as empresas de mídia e mudou o comportamento do público. E de todas essas mudanças, a mais espetacular foi a de comportamento do público. O meio é a mensagem, profetizou Marshall McLuhan, em 1964. E foi exatamente isso que mudou o cenário das TVs e o comportamento do público. No momento em que cada um de nós vira mídia e tem poder de espalhar, de forma direta, suas mensagens nas redes sociais, acaba de vez o poder de monopólio dos grandes grupos de mídia.

A televisão aberta já tinha sido colocada em xeque com a chegada das TVs a cabo. O streaming, com suas dúzias de opções de apps, de conteúdo infinito por uns poucos reais ao mês, deu xeque mate na TV aberta e colocou em xeque a TV a cabo. E o próprio streaming vai ter que competir com as produções independentes. Hoje, a garotada e os blogueiros se divertem postando conteúdos engraçados no TikTok, YouTube e Instagram.

Os diretores e atores, que hoje viram a casaca e se mudam dos grandes estúdios de Hollywood para o Netflix, ou para o Prime, amanhã estarão produzindo seus próprios conteúdos (produção independente) e postando diretamente nos canais. Será a vez então do xeque mate do streaming. O mesmo já acontece a mais tempo com o fenômeno dos streamings de áudio (Spotify e companhia). O que virá a seguir? Não faço ideia!

Prognóstico

Fechar o artigo com um monte de interrogações seria, no mínimo, uma frustração para os leitores. Então, vou me arriscar em fazer alguns prognósticos:

  1. As marcas tenderão a se comunicar, diretamente, com seus públicos, sem intermediários (que hoje são as mídias profissionais), usando tecnologias cada vez mais easy to use.

  2. O público vai preferir buscar as informações desejadas QUANDO, ONDE E COMO quiser. Na verdade, já é assim…

  3. E esse público cada vez mais se expressará, tendo sua voz (infelizmente) misturada com as fake news.

  4. O público será cada vez mais superficial e impaciente (já é), escolhendo em quais conteúdos quer fazer o drill down. Observe que quando estamos vendo um filme no Netflix, já desenvolvemos o comportamento estranho de pular cenas, até chegar naquelas que mais nos interessam. Ou seja, esse comportamento, também, vai mudar o ritmo do storytelling dos filmes.

  5. A realidade virtual (VR) se misturará cada vez mais às imagens reais, tornando os conteúdos em vídeo cada vez mais artificiais. Com auxílio de deepfakes, o rosto jovem do ator Harrisson Ford foi colocado no lugar do Alden Ehreinreich, o Han Solo da última franquia de Star Wars. Ford foi o primeiro Han Solo da franquia.

  6. Vídeos e áudios se confundirão, como já está acontecendo. Lives viram podcasts, que viram videocasts e que podem ser sintetizadas em textos para todos os tipos de mídia.

  7. Todos nós teremos softwares acessíveis para produzirmos nossos próprios programas de TV, para depois postá-los quando e onde quisermos.

E os aparelhos de TV? Bem, já não dá mais para acompanhar as novidades em 4K, 8K, UltraHD, misturados com 1001 tecnologias, para receber imagens, cada vez mais perfeitas. Ora, amigo, a TV vai estar em tudo. Já está no seu computador, no seu iPad e no display do seu carro. Brevemente, estará na janela do metrô ou do carro, na porta da geladeira, do forno de micro-ondas e eu arrisco dizer que atrás de cada cadeira, poltrona, etc, haverá um monitor de TV. E aí você se conecta com o que quiser, até mesmo transformando a televisão em computador para preencher uma planilha de Excel, por exemplo. Parece muito Jetsons? Então aguardem cenas dos próximos capítulos.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Augusto Pinto

Engenheiro de formação, Augusto tem mais de 30 anos atuando no mercado de TI. Iniciou a carreira na IBM, de onde saiu para se tornar um executivo bem sucedido na indústria de software. Foi o 1º presidente da SAP Brasil, onde atuou por sete anos, e também VP América Latina da Siebel Systems. Atua há mais de 15 anos em Comunicação Corporativa, como sócio fundador da RMA Comunicação. Em fevereiro de 2019, a RMA e RP1 uniram suas operações, criando uma nova empresa, a RPMA, empresa de comunicação integrada e projetos digitais. Hoje o Augusto faz co-gestão da RPMA, junto com a Claudia Rondon e Marcio Cavalieri, cuidando das áreas de Marketing Digital, Criação & Vídeo, RH estratégico e desenvolvimento da empresa a longo prazo.

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