Transformação da comunicação na pandemia foi tema de debate no Fórum da Aberje e Valor Econômico
Primeira sessão de debate sobre a reinvenção da Comunicação Corporativa promovida pela Aberje e jornal Valor Econômico reuniu comunicadores que atuam em diferentes setores da sociedade
A Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e o jornal Valor Econômico, parceiros de 12 anos na publicação do caderno especial Valor Setorial Comunicação Corporativa, promoveram no dia 17 de setembro a primeira sessão do Fórum de Comunicação Corporativa, série de quatro encontros digitais que tem como objetivo discutir o papel da comunicação e as novas estratégias de negócios em um mundo transformado pela pandemia.
Para discutir questões ligadas ao tema “Comunicação da Empresa com a Sociedade”, o primeiro encontro teve a curadoria de Tânia Nogueira, editora de revistas do Valor Econômico, e a participação especial de Paulo Nassar, diretor-presidente da Aberje e professor titular da ECA/USP; o fórum contou com a participação de Hélio Muniz, diretor de Relações Institucionais, Comunicação, Diversidade e Sustentabilidade da Via Varejo; Cristiane Santos Blanch, diretora de Comunicação e Assuntos Corporativos da Pfizer; Marcus de Barros, superintendente de Comunicação Externa da Neoenergia e Patrícia Audi, vice-presidente executiva de Comunicação, Marketing, Relações Institucionais e Sustentabilidade do Santander Brasil. A mediação foi feita por Cristiana Xavier de Brito, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Basf para América do Sul, patrocinadora oficial do evento.
Na ocasião, os participantes contaram como foi vivenciar, ao longo dos últimos seis meses, as experiências causadas pelo impacto da crise no setor de comunicação das empresas onde atuam.
2020: um ano exigente
Ao abrir o Fórum, a editora de revistas do Valor Econômico, Tânia Nogueira, frisou que não é de hoje que as empresas passaram a incorporar as demandas da sociedade na construção de sua imagem. No entanto, ninguém conseguiria prever a gigantesca quebra de paradigmas que o ano de 2020 traria: pandemia, protestos contra o racismo, ações para reduzir o impacto ambiental… “A igualdade de oportunidades e o capitalismo consciente exigem hoje respostas rápidas das marcas. Elas são cada vez mais pressionadas globalmente por uma comunicação transparente e autêntica em relação às causas sociais e ambientais. A reputação passa cada vez mais pelo crivo da opinião pública”, iniciou.
O diretor-presidente da Aberje e professor titular da ECA/USP, Paulo Nassar, comentou como a comunicação tem acompanhado essa transformação. “A comunicação foi e é fundamental neste momento. Somos uma espécie de refugiados da Covid-19. É como se tivéssemos perdido nosso território de um dia para outro e nos encontramos no território digital, até então em desenvolvimento, mas que se mostrou essencial para conectar as empresas dos diferentes setores da economia”, refletiu.
Por sua vez, o ambiente virtual promove uma alta velocidade de circulação das informações, fato que tem obrigado as empresas a ficarem cada vez mais atentas aos sérios danos que uma notícia falsa pode causar. Ao analisar o impacto dessa transformação na comunicação das empresas, Nassar comenta: “A sociedade teve que entender esses novos rituais de consumo, de produção e de circulação dessas informações, o que eu chamo de ‘antropologia do smartphone’. Hoje, vivemos o fenômeno da comunicação empresarial em tempo expandido, que vem mudando a forma do comunicador se posicionar. Quando a empresa decide algo de P a P (do porteiro ao presidente) há que se pensar nos impactos dessa decisão no âmbito de um território global”.
Sob um olhar mais antropológico, Nassar observa as empresas se adaptando às novas políticas de comunicação ao migrarem para o modelo remoto de trabalho. Um estilo de trabalhar diferente que atinge um território que até então era bem separado, a casa das pessoas. “Não temos respostas prontas, tudo é novo, mas sabemos que o impacto dessas mudanças atinge todas as formas relacionais da empresa, desde o colaborador até a comunidade onde atua, investidores, stakeholders, relações governamentais e sociedade como um todo”, ponderou.
A comunicação é vital
Ao abrir o debate, Cristiana Xavier de Brito, da Basf, acentuou que a comunicação tem um papel essencial não apenas para moldar o presente, mas também para olhar o futuro através da tecnologia que cria conexões e provoca novos desafios. “Entre eles as fake news, que desequilibram as informações e o desenvolvimento da nossa sociedade. Por isso a visão estratégica e holística do comunicador é muito importante”, ressaltou. “O desafio de ser assertivo, eficiente, construtivo e digital é para todas as empresas. Como elas atuam depende de cada setor. A comunicação é vital e a relação com a sociedade é fundamental”, completou.
A relação das empresas com a sociedade, que já vinha caminhando para um grande processo de mudança, na visão de Hélio Muniz, vem quebrando barreiras e paradigmas em todos os tipos de segmento, como no caso da grande rede de comércio varejista Via Varejo. “Tivemos que dar noticias muito difíceis aos nossos colaboradores. Imaginem decidir fechar cerca de mil lojas num sábado. E como explicar para 43 mil funcionários de escritórios que iriam ficar em casa a partir daquele momento? Tivemos que ser muito mais transparentes, tivemos que falar sobre protocolos de saúde, amplificar a digitalização, comunicar com mais gente, preparar as pessoas para se adaptarem no sentido de que as informações mudavam de uma hora para outra. E, para tudo isso, temos que ter coerência e verdade o tempo inteiro, além de dinâmica para isso”, contou.
No caso da Pfizer, empresa do ramo farmacêutico, as maiores demandas são por uma resposta terapêutica ao vírus, como uma vacina ou um tratamento médico. Cristiane Santos Blanch fez questão de frisar que pandemias já existiram na história da humanidade e que o grande diferencial desta é o acesso à informação. “As etapas de desenvolvimento de uma vacina para a Covid-19 têm sido muito questionadas pela população em geral e o momento é interessante para ampliarmos o conhecimento sobre esse processo. Temos visto este cenário como uma grande oportunidade para resgatar o papel da ciência e de nós, profissionais de comunicação, falarmos sobre temas que eram científicos e difíceis de comentar com as pessoas”, observou. “Temos que ser dinâmicos para responder de uma forma clara e transparente à população, governos e mídia…Todos pedem informações críveis de qualidade que ajudem no entendimento desse momento e de como ele pode ser enfrentado”.
Um dos segmentos mais impactados pela pandemia foi o de energia. Durante a live, Marcus de Barros, da Neoenergia, contou quais setores da sociedade demandaram mais da Comunicação da companhia no início e no desenrolar da crise. Em sua análise, a sociedade teve uma percepção mais clara da essencialidade do serviço da energia. “Estamos aqui numa videoconferência através de vários tipos de aparelhos e nos demos conta, ao longo desse período, que a carga da bateria deles é finita e que a gente precisa da energia para alimentá-los. Issosem falar de outros equipamentos. Isso fez com que o setor fosse demandado por sua qualidade, ou seja, a manutenção do fornecimento, acima de tudo, mas com agilidade, confiança, interatividade e compromisso”, enfatizou.
O executivo revelou que o setor de energia focou, inicialmente, nos serviços para unidades de saúde e hospitais. “Foi feita uma revisão, uma eficientização de todos os equipamentos elétricos desses lugares, porque, no primeiro momento, havia essa percepção da necessidade de ter tudo a pleno funcionamento”, contou, mencionado que o modelo home office também chegou ao setor. “Nós preparamos cinco mil pessoas para atuar em home office, além de oito mil profissionais nas ruas fazendo manutenção das redes, atendendo as residências, obras em parques eólicos, linhas de transmissão, usinas em funcionamento etc”.
Além da decisão do governo, que isentou as tarifas de baixo custo de quem consumia até 220 kw, uma das primeiras medidas tomadas pela companhia foi permitir o cadastramento via WhatsApp dessas famílias na tarifa social. “Esse cadastro era um serviço que já estava sendo gestado, uma solução indicada já na plataforma, que foi acelerada para permitir às pessoas o contato com a empresa sem sair de casa”, disse Barros.
Quanto ao setor financeiro, também representado nesta primeira sessão do fórum, Patrícia Audi, do Santander, comentou os desafios enfrentados em relação à comunicação com a sociedade no período da pandemia. “Inicialmente, houve uma grande preocupação com a saúde dos nossos colaboradores. Como muitas empresas aqui, somos um serviço essencial, as pessoas precisam de dinheiro para sobreviver e a comunicação se mostrou fundamental tanto para dentro da empresa quanto para fora”, acentuou.
Como não poderia deixar de ser, a velocidade das informações aos colaboradores era importante no início da crise, quando tudo se apresentava de forma incerta. “Com relação aos protocolos de segurança, medidas tomadas pelo governos sobre o funcionamento das agências, sobre distanciamento e ao mesmo tempo uma preocupação muito grande para oferecermos serviços e produtos que pudessem ajudar as pessoas”, comentou Patrícia. “Entendemos que um problema dessa dimensão não tem uma solução única e não pode ter protagonistas na solução dessas questões. Era hora de conversar com governos, sociedade, com nossos concorrentes para propor soluções que pudessem aliviar a vida das pessoas. Esse foi o grande aprendizado nesses seis meses. Partilhamos dos mesmos desafios e é muito bom dividir isso com vocês”, complementou.
A comunicação como responsabilidade social
De forma geral, os investimentos planejados anteriormente à crise e que vinham sendo feitos pelas empresas estão sendo substituídos por ações sociais diante do quadro instalado pela pandemia. Marcus Barros, da Neoenergia, comenta que a primeira percepção da área de comunicação da companhia foi que a demanda da sociedade havia mudado. “No início da crise, por meio do Instituto Neoenergia – braço social da empresa -, fomos obrigados a rever investimentos que seriam feitos e focar, num primeiro momento, em alimentação e doação de cestas básicas. As pessoas precisavam se alimentar. Eu diria que a proximidade que foi criada, via parcerias e voluntariado, passa agora a ser essencial e permanente”, projetou.
“O voluntariado realmente foi muito importante para conectar as pessoas que estavam trabalhando de casa. Nossa campanha do agasalho esse ano rendeu muito mais peças do que os outros anos. Fizemos parcerias com nossos fornecedores da área de logística para coletar peças nas residências. Parece que as pessoas estão mais solidárias”, afirmou a mediadora do evento, Cristina Xavier de Brito.
Na Pfizer, o movimento foi o mesmo. “Nós também revisamos todos os investimentos sociais planejados para o ano, para buscar ações de apoio à comunidade em relação à alimentação, materiais básicos de trabalho (EPIs) aos profissionais de saúde – que tiveram uma grande demanda -, além de apoio a projetos educacionais. É preciso rever as necessidades do país e como podemos contribuir enquanto companhia. Tivemos um grande volume de doações do início da pandemia, mas esse tipo de iniciativa deve ser mantido. Acho que isso vem para ficar, que as empresas terão um papel mais ativo na sociedade”, acredita Cristiane.
Hélio Muniz observa que a população está ávida por boa informação a todo momento e que houve uma descentralização em relação à produção e compartilhamento de informações. “Antes a nossa área de comunicação era acionada por profissionais da mídia. Agora somos procurados por corretoras de valores, influenciadores digitais de finanças e outros tipos de profissionais para participarmos de lives, concedermos entrevistas sobre como vamos nos comportar etc.Governos e sociedade produzem conteúdos sobre vários temas, ou seja, a produção de conteúdos se descentralizou”, analisou.
A Fundação Casas Bahia – que tem como propósito fortalecer periferias por meio de cursos de empreendedorismo e de formação e capacitação profissional de jovens – também se voltou ao atendimento de necessidades básicas da população. “Focamos em parcerias com ONGs para a distribuição de cestas básicas, colchões, produtos de higiene, entre outras coisas. Tivemos criar novos meios de comunicação para dizer para a sociedade o que estávamos fazendo. Como comunicadores, tivemos que nos adaptar a isso, virar produtor, checador e curador de notícias ao mesmo tempo. Isso foi muito interessante e é uma tendência que vai se consolidar no pós-pandemia. As empresas têm o seu papel na sociedade que não pode ser ignorado. Só o governo não vai conseguir resolver todos os problemas. Temos que participar da vida da sociedade, porque, com a comunicação cada vez menos hierarquizada, será mais fácil para a população nos cobrar esse papel. Temos que nos antecipar a isso”, concluiu Muniz.
Seis meses de transformação
Em meio ano muita coisa mudou e continua mudando no país nos aspectos sociais e pessoais. O hábito do consumidor é um deles. Por conta do distanciamento social, o e-commerce teve um crescimento significativo. A pandemia foi um acelerador nesse processo de digitalização das operações de diversos tipos de companhias. Mas como aproveitar o momento sem parecer oportunista? Essa questão também foi debatida pelos participantes do fórum.
O setor de energia foi um dos primeiros a sentir essa mudança de hábito do seus cliente. Marcus Barros conta que, com as pessoas mais tempo dentro de casa, houve uma redução drástica do consumo nas indústrias e no comércio e um aumento no consumo doméstico. “Para atendermos o nosso consumidor, em termos de comunicação, foi preciso duplicar a produção de posts, atuar em 25 redes sociais, quatro distribuidoras mais a holding, ou seja, um volume brutal”, disse.
O executivo revelou que houve aumento no volume de vídeos, 600% em crescimento de impressões, 200% nos cliques com link direto ao website da companhia, 150% no aumento de engajamento. “Isso em razão da essencialidade da informação que estava sendo passada, desde canais de acesso remoto à empresa, avisos sobre plataformas para negociações de pagamentos parcelados, serviços disponíveis no WhatsApp até orientações e dicas do que fazer dentro de casa, como links a visitas virtuais a museus, sites de jogos etc”.
Na Via Varejo, cerca de 20 mil vendedores foram pra casa e deixaram as lojas. Mas para que não deixassem de vender, a ideia foi incrementar o e-commerce e vender via aplicativo, no ‘Me chama no zap’, um projeto que em cinco dias entrou em funcionamento. “A pandemia mostrou que todos somos adaptáveis e conseguimos encontrar novas soluções. A comunicação foi importante para que, em uma semana, nossa força de vendas estivesse preparada para vender pelo app, assim como chamar a atenção dos consumidores, acostumados a comprar nas lojas. Tivemos que medir tudo o tempo todo, para avaliarmos nossa proatividade. Fizemos uma TV, live, concursos, criarmos um jeito natural de nos comunicarmos com nosso público. Voltamos ao básico da comunicação: dar ao receptor tudo o que ele quer, da forma como quer e quando quer. Isso foi um aprendizado muito legal para nós da área de comunicação”, contou Muniz.
A Ciência vencerá
O cenário de incertezas faz parte da área da Saúde. Cristiane, da Pfizer, faz uma analogia dizendo que, de cada dez moléculas estudadas só uma chega a ser lançada no mercado. “Isso faz parte do processo, temos várias vitórias, alguma frustrações, mas não podemos perder a fé na ciência. Até por isso lançamos uma campanha em maio cujo o mote era ‘A ciência vencerá’, resgatando várias batalhas que a ciência venceu ao longo dos anos, como o sarampo, que na década de 1960 era a doença que mais matava crianças”.
A mediadora Cristiana Brito lembrou que, além da Saúde, não se pode perder o foco de outras questões que também são tão importantes, como o sistema bancário e financeiro em um momento em que muita gente perde sua renda. Patrícia, do Santander, salientou que isso trouxe um senso de urgência muito grande a todos. “Internamente falando, tivemos um engajamento espetacular nas nossas agências, no entendimento da urgência do acolhimento às pessoas que estavam sem dinheiro, que perderam a renda e precisavam de serviços bancários”, ressaltou.
A executiva também falou sobre a necessidade de entendimento quanto à demanda da população em termos de produtos que pudessem ser oferecidos para ajudar o cliente, como o aumento do cartão de crédito, serviço de crédito a microempreendedores, linhas especiais de crédito oferecidas pelo governo. “Tínhamos que informar de forma ágil que esses serviços estavam disponíveis para que pudessem se dedicar a saúde de suas famílias e encontrar no sistema financeiro uma solução para aquele momento de sobrevivência”, complementou.
Próximas sessões do Fórum Aberje Valor Econômico de Comunicação Corporativa
Anote na Agenda:
30 de setembro, das 10h às 12h: Comunicação Corporativa e a pandemia: o que funcionou, o que mudou e o que precisa mudar
8 de outubro, das 10h às 12h: Comunicação Empresarial e Cultura Digital: adaptação, emoção e ciência
22 de outubro, das 10h às 12h: Comunicação da Solidariedade
Assista a sessão na íntegra:
Destaques
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