Como comunicar as tecnologias disruptivas no agro foi tema do Lab Aberje
Por Aurora Ayres
“É mais fácil alguém ser atacado por um tubarão do que contrair uma bactéria resistente através do consumo de carne”. Qualquer outra explicação mais técnica não poderia gerar uma mensagem com um entendimento tão fácil e de tão longo alcance. Através do contraste provocado pelo uso da comparação, foi possível comunicar algo complicado de forma simples, por meio de uma linguagem acessível a todos. Essa é apenas uma das inúmeras formas que o profissional de comunicação do setor de agronegócios pode se valer para atingir seus públicos.
Se o universo do Agronegócio já é difícil de ser comunicado, imagine explicar o funcionamento e a importância do uso das tecnologias próprias desse setor para uma população cada vez mais urbana. Com o intuito de fomentar o assunto, a Aberje promoveu mais um Lab de Comunicação para o Agronegócio no dia 13 de agosto, reunindo em um encontro online comunicadores de grandes empresas do mercado.
Para falar sobre as tecnologias disruptivas que vêm revolucionando esse setor e discutir as melhores formas de comunicar a importância dessas ferramentas para a sociedade, foram convidados: Ana Claudia Pais, head de Comunicação Corporativa da Yara Brasil; Breno Felix, sócio da Agrotools; Sheila Guebara, gerente de Assuntos Corporativos na Elanco; e Magnus Arantes, diretor da LM Ventures. O evento teve como mediador o jornalista Nicholas Vital, curador do Lab.
O papel da comunicação no setor e as principais dificuldades
Na contramão da crise, o agronegócio brasileiro continua apresentando resultados positivos, mostrando sua força e capacidade no cenário global, inclusive batendo recordes de exportação de alguns produtos, como soja, por exemplo. Grande aliada do setor, a tecnologia de ponta vem otimizando significativamente o sistema de produção, na maximização de ganhos, na diminuição de desperdícios.
Como tantas outras organizações, a Yara Brasil – atuante no segmento de nutrição de plantas, com presença mundial e atuação por aqui desde a década de 1970 – também se viu obrigada a substituir o modelo presencial pelo digital, da noite para o dia. Graças a um canal de diálogo sempre pautado no relacionamento e na disseminação de conhecimento, foi possível manter a produtividade. Quem conta é a head de Comunicação Corporativa da companhia Ana Claudia Pais. “Independente de onde esse relacionamento aconteça, nossa base nos ajudou a fazer essa mudança rapidamente. Esse relacionamento com os clientes permitiu o contato mais rápido com o produtor, da porteira para dentro”.
Voltada para uma agricultura de precisão, estratégia global da Yara procura levar o máximo de conhecimento de dados ao produtor. “O agro brasileiro de hoje conta com uma agricultura realmente avançada e robusta que não deixa nada a dever a nenhum grande produtor como os Estados Unidos, por exemplo”, argumenta a executiva observando que grande parte dos produtores já estão completamente informatizados, digitalizados, com acesso a altas tecnologias e maquinários autônomos.
Por outro lado, o pequeno produtor ainda se encontra distante dessa realidade, de agricultura de eficiência, que está pautada no acesso à digitalização e aos recursos tecnológicos. “É missão da Yara, com nossa estratégia Digital Farm – apps disponíveis a custo zero – encurtar essa distância levando uma agricultura mais eficiente aos pequenos produtores”, comenta Ana Cláudia. “Nossa comunicação ainda é voltada para o produtor. Temos uma ponte a ser construída entre o agricultor e os usuários, pois ainda se olha o produtor ‘da porteira para dentro’”, conclui.
A falta de comunicação abre espaço para ruídos e equívocos
Ao oferece um portfólio completo de produtos, medicamentos e aditivos que tratam, controlam e previnem doenças a Elanco promove a qualidade de vida de animais de produção e de companhia. Com quase 70 anos de tradição no setor de saúde e nutrição animal, só recentemente a empresa começou a se comunicar com seu público. A gerente de Assuntos Corporativos na companhia, Sheila Guebara, comenta a importância do setor, seja pela segurança dos alimentos – um animal saudável produz um alimento saudável para o ser humano – seja pela saúde dos animais, equilíbrio do planeta e do meio ambiente.
A falta de comunicação abre espaço para ruídos e equívocos. “As pessoas precisam ter acesso correto às informações. Nos últimos anos, essa indústria não falou sobre muitas coisas, deixando uma imagem errônea e vários mitos e histórias que perduraram por muito tempo”, comenta Sheila, acrescentando que a Elanco sempre teve uma comunicação forte com veterinários, porém absolutamente técnica e muito específica, não atingindo o consumidor final. “É preciso adaptar a linguagem do setor à realidade do consumidor e a comunicação é fundamental nesse processo de tradução do ‘veterianês’ para mostrar a real importância dessas tecnologias”.
A primeira frase desta reportagem foi um exemplo utilizado por Sheila durante o Lab da Aberje. E elucida muita coisa. “Temos que transformar essa linguagem extremamente técnica em uma mensagem mais palatável, através da comparação, da dimensão, de histórias, para atingir o maior número de pessoas. É todo um trabalho para educar o consumidor e o produtor”, ressalta. “Acreditamos que essa conexão com outros elos da cadeia seja uma estratégia superinteressante. Através de grupos de trabalho setoriais, para a proteção do agro, do setor de saúde animal e a viabilização de tecnologias”, completa.
A verdade do campo versus a percepção das pessoas
Há mais de uma década, a Agrotools vem oferecendo soluções digitais com tecnologia 100% nacional para grandes players do agronegócio, diminuindo as distâncias entre o produtor rural, no território, e as empresas, nas cidades. “Na verdade, é como fazer a melhor leitura do território rural e conseguir comunicar isso”, resume Breno Felix, sócio da empresa. “A Agrotools está fora da porteira tentando entender o que ocorre lá dentro. Ajudamos o produtor a comunicar o quanto o negócio dele é bem feito, é um lastro para questões financeiras extremamente forte e a diluir essa simetria de percepção de quem está na cidade sobre o que ocorre no campo”, comenta.
Mas como comunicar essa verdade do campo versus percepção das pessoas? É preciso contar histórias. “O produtor brasileiro protege as florestas do Brasil do próprio bolso, cuida de milhares de hectares de florestas. É um herói pois tem que administrar tudo o que acontece em volta dele, tem que entender de clima, de finanças, de gente, do campo, de veterinário, cumprir um código florestal robusto e pesado para pagar e ainda é visto como vilão no Brasil. Há vilões e está cada vez mais fácil de ver quem são. Temos que contar outra história”, argumenta Felix.
“Eu nao vejo discussões sobre segurança alimentar (produzir alimento para o mundo inteiro) e segurança do alimento (garantir que o alimento é saudável) e sobre o uso responsável do solos recursos naturais, ao mesmo tempo”, provoca o zootecnista. “Obviamente, tudo isso tem um vetor principal que é a mudança climática, tema que também deve ser mais esclarecido. Na mesma discussão do desmatamento, por exemplo, tem que entrar o tema regeneração porque, do ponto de vista de mudança climática, é isso que importa. Entendo que falta uma discussão mais ampla e não parcial, temos que compreender o todo pelas partes, mas trazer a discussão do todo com todas as partes”, argumenta.
Em sua visão, é preciso formar grupos organizados para que a comunicação flua mais rapidamente. “Temos que defender o que é legítimo no agro, senão vamos ficar à mercê de quem faz um bom advocacy e uma comunicação contrária a muitas verdades do setor. Nosso papel é ajudar empresas e produtores a comunicarem melhor suas práticas, projetos, atitudes e cuidados com a natureza, com a produção de alimentos em grande escala, de forma saudável e responsável”, conclui.
Inovação aberta para desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias
Por melhor e maior que sua empresa seja, sempre haverá gente inteligente criando mais coisas fora da sua empresa do que dentro, pois o número de pessoas lá fora é muito maior. A afirmação é de Magnus Arantes, diretor da LM Ventures – empresa de consultoria em inovação e de investimentos em startups early stage.
Na ocasião, Arantes apresentou o Agrihub Space, um hub de inovação aberta que conecta grandes empresas e startups a todo o seu ecossistema (produtores rurais, federações, universidades etc), a fim de produzir novas tecnologias e promover o uso e adoção dessas inovações. A iniciativa é da LM Ventures em parceria com a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). “Com o avanço das startups e a ligação entre elas, a inovação aberta ganhou muito mais velocidade e interesse”, comenta.
O foco inicial é no Mato Grosso, onde o hub tem até instalação física, mas por conta da pandemia está atuando de forma digital. “Estamos abertos à parcerias para o desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias. Temos projetos setoriais para impactar o setor como um todo a serem desenvolvidos ao longo dos próximos anos, como mapeamento climático, rede de sementeiros, grupo de tecnologia pecuária, entre outros”, conta.
Em relação à comunicação, Arantes entende que o importante é comunicar tudo de positivo que o setor tem: “No Mato Grosso, por exemplo, mais de 62% da área do Estado é preservada com florestas. O agro entrega entre 4% e 5% de aumento de produtividade ao ano nos últimos 20 anos, coisa que nenhum outro setor faz. Apesar de todos os gargalos e problemas temos safras recordes, o Brasil passou a ser o maior produtor de soja agora. Temos uma coisa que ninguém tem: área disponível e sem derrubar nenhuma árvore. É só converter uma parte de pastagem para a agricultura ou para integração lavoura-pecuária e vamos triplicar o que existe de área disponível para produzir, e isso falando apenas da realidade do mato grosso, não tem nenhum outro lugar no mundo com condições de triplicar a área, muito pelo contrário…Temos que mostrar as inúmeras coisas boas que temos”, recomenda.
Assista:
https://www.youtube.com/watch?v=ufK7X3vPveo&feature=youtu.be
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