17 de junho de 2020

Tempos complexos, mas velhas formas de tratar a comunicação das organizações

A experiência da interação com clientes e os constantes desafios destes novos tempos impõem uma nova forma de tratar a comunicação das organizações. Nova forma em tamanha escala que podemos afirmar, com toda certeza, que estamos diante de uma transformação da comunicação jamais vivida pelo mundo corporativo.

O artigo traz por meio de um estudo de caso uma reflexão sobre os três erros mais comuns no caminho desta transformação, sugestão de onde e como deve ser o ponto de partida para o avanço da comunicação nas organizações em tempos complexos.

Uma organização está passando por mudanças desorientadoras em relação à sua estratégia de comunicação interna e externa. Seus resultados têm sido consistentemente decepcionantes nas pesquisas de clima organizacional e nas pesquisas de satisfação dos clientes. O diretor da área de Comunicação conseguiu que seu CEO aprovasse um projeto abrangente para transformar a comunicação da organização.

O diretor sabe que tal transformação da comunicação vai requerer que muitos profissionais, de todos os setores, mudem a forma como se comunicam. Portanto, a diretoria da comunicação não poderá impor tais mudanças unilateralmente. Então, decide que esse projeto será desenvolvido de forma colaborativa.

A diretoria de Comunicação cria uma equipe de transformação que inclui os 20 principais gestores da empresa das mais variadas áreas. Ela organiza um seminário fora da empresa para construir um espirito de equipe e chegar a um acordo sobre um plano para a transformação da comunicação da empresa. Ela contrata consultores especialistas para diagnosticar os problemas comunicacionais, que prescrevem soluções e apresentam seu relatório durante o seminário. A diretoria direciona as discussões do evento buscando o melhor para os clientes e para a empresa como um todo, instituindo para que seus gestores deixem de lado os interesses de suas próprias áreas.

Ao final do seminário, a diretoria de Comunicação consegue chegar a um consenso sobre um plano para implementação da solução recomendada pelos consultores. Ele especifica o que cada área precisa fazer para que a transformação da comunicação aconteça e os incentivos e sanções que garantirão sua operacionalização conforme o calendário proposto e dentro do orçamento. A diretoria fica muito feliz de terem conseguido esse desafio tão importante e tão complicado.

Na sequencia, o CEO envia um e-mail para todos os funcionários da empresa anunciando o início do projeto de transformação da comunicação da organização. Entretanto, a maioria recebe a mensagem com cinismo e fica na defensiva. As pessoas têm dúvida de que o plano vai funcionar, ficam preocupadas com o possível comprometimento das suas atribuições e metas. O CEO, o diretor de Comunicação, os consultores e os 20 gestores são culpados por tudo o que está acontecendo. Além dos funcionários, os clientes também manifestam preocupação.

Quando os gestores iniciam a implementação de seus planos, começam a enfrentar complicações que não haviam sido previstas: atrasos, resistência e descumprimento dos combinados. Eles então colocam mais pressão nas equipes, mas os esforços emperram cada vez mais. A comunicação interna e externa da organização piora ainda mais. Finalmente, o CEO declara que o projeto de transformação da comunicação fracassou e o cancela totalmente. Acusações e ressentimentos são feitas por todas as áreas.

Ao implementar essa transformação da comunicação de forma colaborativa, a diretoria de comunicação da organização cometeu três equívocos:

1º erro: A diretoria focou todas as conversas sobre o projeto de transformação no bem e nos interesses da empresa como um todo. Ao fazer isso, ela ignorou o fato fundamental de que diferentes áreas e pessoas tinham visões radicalmente opostas acerca do que estava acontecendo e do que deveria ser feito, e de que a transformação produziria vencedores e perdedores. A diretoria negligenciou o inconveniente fato de que, nas conversas sobre “o bem do todo”, os únicos interesses pessoais que coincidiam com os interesses do todo eram o da diretoria de Comunicação. Todas as outras pessoas dependiam do que iria acontecer as suas áreas e aos seus empregos. Não havia apenas um todo a ser otimizado: havia muitos todos a serem administrados, e qualquer outra consideração seria simplista e manipuladora.

2º erro: A diretoria ao tentar promover o avanço da transformação da comunicação, ela e seus consultores pressionaram para articular uma visão única do problema, da solução e do plano. Contudo, a situação da empresa era complexa demais: diversas pessoas tinham suas próprias perspectivas e propostas, isso impedia que não conseguissem chegar a um acordo sobre o que funcionaria, e deste modo eles não teriam como saber o que funcionaria antes de experimentar as possibilidades: muitas pessoas tinham opiniões sobre diversos assuntos, entretanto, ninguém sabia ao certo o que iria acontecer. O verdadeiro desafio da transformação da comunicação não era escolher entre as opções prefixadas, mas cocriar novas opções à medida que o trabalho avançasse.

3º erro: A diretoria, os consultores e os gestores viram o que era necessário para realizar a transformação da comunicação. Eles acharam que a gestão da mudança era sinônima de fazer com que outras pessoas (subordinados, fornecedores e clientes) mudassem seus valores, opiniões e comportamentos. Essa premissa fundamentalmente hierárquica, de que pessoas em posições mais altas podem mudar pessoas em posições mais baixas, coloca todos na defensiva. Não é que as pessoas não gostam da mudança: elas não gostam de ser mudadas. Todos precisariam estar abertos ao aprendizado e à mudança para ocorrer a transformação.

Sugestão de um ponto de partida

Uma sugestão de onde e como deve ser o ponto de partida para o avanço da transformação na comunicação das organizações em situações complexas é que os envolvidos não concordem sobre qual é a solução, ou até mesmo sobre o problema em si. Cada um tem sua própria verdade sobre o que está acontecendo, sobre os porquês e o que cada um precisa fazer.

Uma forma de abordar essa situação é imaginando os envolvidos como os cegos diante do elefante. Nessa fábula, o cego que tateia a pata do animal diz que o elefante é como uma coluna. O cego que tateia a cauda do elefante diz que o animal é como uma corda. Aquele que tateia o corpo do animal diz que ele é como uma parede. E assim por diante. Essa metáfora sugere que cada um dos envolvidos em uma colaboração tem uma perspectiva diversa sobre a situação da qual todo fazem parte e com a qual se importam.

Se cada um deles apresentar sua perspectiva, então, juntos, eles poderão construir uma imagem mais completa. Porém, a construção de um modelo único acordado de toda a situação frequentemente é impossível.

Portanto, precisamos fazer algo mais que apenas agrupar as diferentes verdades para formar uma verdade única e maior.

A transformação da comunicação em tempos complexos não pode (e não deve) requerer a aceitação de uma verdade, resposta ou solução única. Em vez disso, ela deve envolver uma forma de avançar conjuntamente na ausência ou indo além de tais acordos.

A forma utilizada pela organização no estudo de caso funciona apenas nas situações simples, controladas. Mas, para lidar com a comunicação nas nossas organizações em tempos tão complexos como os que estamos vivendo atualmente, exigirão de nós, outras formas de resolução.

Referências:

Como resolver problemas complexos: uma forma aberta de falar, escutar e criar novas realidades. Adam Kahane. Editora Senac. 2008.

Trabalhando com o inimigo: como colaborar com pessoas das quais você discorda, não gosta ou desconfia. Adam Kahane. Editora Senac. 2018.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Fábio Risério

Palestrante, consultor, pesquisador e professor dedicado à cultura de integridade e sustentabilidade nas organizações. Formado em Relações Públicas pela UNESP, com especializações em Comunicação Empresarial pela ECA/USP e Inteligência de Mercado pela FIA/USP e MBA em Gestão de Sustentabilidade pela FIA/USP. Profissional com 20 anos de experiência, em projetos em organizações como o Instituto Ethos, Grupo Promon, Organização das Nações Unidas/ONU; Câmara Brasileira da Indústria da Construção/CBIC; Fundação Alphaville, entre outras. Sócio-Fundador da Além das Palavras: Negócios Éticos e Sustentáveis e professor da Fundação de Direito de Vitória/FDV, da Fundação de Dom Cabral/FDC, da Fundação e Instituto de Administração/FIA e da PUC-Campinas. É facilitador de cursos na Aberje, Instituto ARC e no Instituto Ethos.

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