Hamilton dos Santos fala sobre a comunicação das marcas na crise em live da Época
“As marcas e suas lideranças finalmente vieram para praça pública, mas ela nunca esteve tão degradada. E agora?”
Por Aurora Ayres
O jornalista e filósofo Hamilton dos Santos, diretor geral da Aberje, foi o convidado especial no dia 4 de junho do colunista da Época, Edward Pimenta, para falar de um assunto relevante atualmente: “A comunicação das marcas na crise”. Na ocasião, foram abordados assuntos como o posicionamento das marcas diante do ressurgimento do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), sobre a entrada das marcas no debate político e questões sobre construção e manutenção da reputação de uma empresa.
Para Pimenta, a conversa ocorre em um contexto interessante para se discutir estratégia de comunicação das marcas, diante do movimento ativista que ressurge nos EUA e que traz inúmeras manifestações de empresas aderindo ao movimento e se expressando publicamente. A respeito disso, Hamilton dos Santos conta que a relação entre marca e ativismo tem sido acompanhada pela Aberje. “Essa questão não vem de hoje, mas agora chegamos no apogeu: as marcas finalmente vieram para praça pública e suas lideranças assumiram definitivamente o palanque digital, que são as redes sociais”, argumenta.
O executivo da Aberje ressaltou que isso ocorre em um momento em que praça pública e redes sociais nunca estiveram tão degradados, com tantos sinais de que o jogo que se pratica não tem regras muito claras. “Essa adesão das marcas ao Black Lives Matter é significativa e emblemática e penso que seu saldo será positivo. Nós podemos pensar que existe muito de ‘marketing’ e oportunismo nisso”, comenta, comparando o movimento das ruas americanas aotermo greenwashing que surgiu no final dos anos 1960, prática de marketing sobre responsabilidade ecológica sem real engajamento de uma empresa/governo com o meio ambiente. “Foi quando a ecologia entrou na pauta global. Mas depois perceberam que apenas o discurso não bastava, mas sim atos concretos sobre a questão ecológica. Então, vejo com positividade a entrada das marcas a esse movimento”, completa.
Durante a live, Hamilton teve a oportunidade de expor sua visão em relação às marcas enquanto atores políticos, em um fase em que grandes marcas têm feito suas escolhas políticas e seus cálculos de reconstrução de reputação. Em sua análise, existe uma óbvia dissociação entre o mundo dos negócios e o mundo da política há cerca de 15 anos. “Por um lado, vemos a política adotando um caminho mais conservador e, na oposição, o mundo dos negócios indo a uma direção diferente rumo à diversidade, à sustentabilidade e a uma estética mais plural e compatível com os principais valores humanos. Nesse sentido eu diria que o mundo dos negócios estão um passo à frente do universo político e isso tem o seu preço, pois estão num ambiente dependente de governos”, explica.
Mas quando grandes marcas se posicionam, não é algo que fazem de modo intempestivo, prossegue o diretor da Aberje. “As grandes empresas estão formando seus comitês de posicionamento, para que essas posições estejam 100% vinculados aos seus valores. A novidade é que esses valores, por sua vez, devem estar vinculados aos anseios das expectativas da sociedade”, analisa, explicando que as marcas, ao se posicionarem, estão precificando esse posicionamento. “Os mercados sabem o que estão perdendo e o que estão ganhando”, complementa.
Outro ponto ressaltado por Hamilton refere-se à construção e manutenção da reputação de uma organização. Segundo ele, a forma mais segura de resguardar a reputação de uma marca diante desse ambiente ‘tão degradado’ é ouvir o público-alvo, o consumidor. “Ao se atribuírem grandes virtudes, as empresas constroem discursos vazios, resultando numa reputação bastante abstrata. As empresas passaram a ouvir seus públicos para fazer a gestão dessa reputação de uma forma mais colaborativa. O que ouvem passam a influenciar a cultura, os valores e os princípios, construindo uma reputação pragmática e não abstrata”, ensina.
Com relação a todos os problemas trazidos pela crise da Covid-19, quais os principais desafios das empresas quando se pensa em comunicação? Para Hamilton, não há mais espaço para ‘usar’ a comunicação para ludibriar o público diante de situações complexas dentro do mundo corporativo no atual cenário. “Penso que as organizações entenderam essa questão e o comunicador, ao invés de se esconder e ficar apenas informando, assumiu a linha de frente integrando os diversos departamentos e de forma externa, com seus públicos. Todos temos visto o papel importante das empresas no combate ao coronavírus, com iniciativas que normalmente surgiriam por parte do CEO. Temos visto na imprensa que essas iniciativas têm sido fruto do comunicador, de sua articulação, se colocando também como um porta-voz da empresa”, conclui.
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