O agronegócio brasileiro sairá fortalecido dessa crise?
Especialistas do setor, reunidos em webinar promovido pela Aberje, entendem que o agronegócio brasileiro precisa se reinventar
Com o tema A Comunicação do Agronegócio em tempos de coronavírus, a Aberje abriu a segunda temporada do Lab de Comunicação para o Agronegócio. O webinar foi realizado no dia 26 de maio, transmitido ao vivo no canal da Aberje no Youtube, e reuniu personalidades importantes do setor para discutir sobre as lições que este período de pandemia vai deixar tanto para os produtores rurais quanto para o consumidor de qualquer parte do mundo.
De acordo com o diretor geral da Aberje, Hamilton dos Santos, este fórum é específico para tratar da comunicação deste que é um setor extremamente importante para o Brasil. “Temos visto, nos últimos tempos, que o próprio setor anda bastante preocupado com essa questão. Na Escola Aberje de Comunicação, notamos uma aproximação cada vez maior dos comunicadores de várias partes do Brasil realizando cursos e solicitando treinamentos in company, que é uma de nossas especialidades como braço educativo, que nunca esteve tão ativo no âmbito do agronegócio brasileiro. Isso é muito sintomático pois é um setor que mostra sua força e capacidade em plena pandemia”, acentuou o executivo.
Ao conduzir os trabalhos da videoconferência, o jornalista Nicholas Vital, curador do Lab, enfatizou a necessidade de se refletir quanto às lições que o agronegócio está deixando para a sociedade e que tal postura seja um marco de mudança para o setor. “O mundo não será mais o mesmo após essa pandemia. Se existe algo positivo em tudo isso, é que o agro tem mostrado sua força para a sociedade urbana. Não faltou comida, pois os produtores rurais não pararam durante esse período, se arriscando, muitos tendo prejuízos por problemas logísticos. Temos que aprender com tudo isso e olhar para a frente” complementou.
O que vamos aprender com tudo isso?
Levar informação consistente às pessoas em um período difícil como este é resultado de um trabalho de Comunicação feito de maneira transparente. Milena Miotto Siqueira, gerente de Comunicação Corporativa da Mosaic Fertilizantes, contou como tem sido a gestão nesse momento de pandemia. Ela explica que o primeiro e principal ponto que faz com que as empresas tomem ações mais rápidas e, muitas vezes, mais efetivas, é o bom gerenciamento de crise. “As reuniões periódicas do nosso comitê de crise e a formação de comitês de pandemia, nacional e outro global – que se comunicam de forma frequente – garantem o fluxo e a agilidade de informações, assim como a consistência e transparência de ações”, explica.
Para exemplificar, Milena elencou quatro grandes frentes de atuação que o comitê de pandemia da Mosaic Brasil lidera. Em primeiro lugar, a Saúde e Segurança, ou seja, adaptar o negócio à realidade atual para garantir segurança e saúde dos colaboradores e da comunidade do entorno das 23 unidades industriais espalhadas pelo Brasil e uma no Paraguai. “O futuro mudou e temos que olhar de forma antecipada para esse novo normal”.
Outra frente de atuação são as Pessoas. Trata-se de adaptações para que os colaboradores continuem operando e num modelo completamente diferente e novo. Comunidades é outro ponto: “somos responsáveis por melhorar a realidade dos territórios onde atuamos e isso inclui momentos como esse de crise” disse, revelando que a Mosaic doou R$ 4,5 milhões para ações realizadas no entorno, como a compra de kits de higiene e limpeza, equipamentos de proteção para profissionais de saúde, respiradores, testes para Covid-19, alimentos e outros itens.
Outro fator é a Comunicação. “Identificamos a necessidade de explicar de forma muito clara para as pessoas porque continuamos a trabalhar, então criamos uma campanha intitulada ‘Não podemos cruzar os braços quando o mundo mais precisa da gente’. Tivemos aumento significativo nas redes sociais, além de contatos com a imprensa sobre a posição institucional da Mosaic em cada região, além de contato remoto com clientes e produtores”, completou.
Da lavoura para a mídia
Famosa por rebater informações equivocadas sobre o agronegócio brasileiro, a produtora rural Camila Telles atua como influenciadora digital e é CEO da AGB Comunicação. Defensora do agro e com mais de 100 mil seguidores no Instagram, a jovem comenta que a maior praga do agro é a desinformação. “As pessoas devem combater as fake news e comunicar o agro de uma maneira mais efetiva. A geração mais nova acaba escutando muito mais influenciadores digitais do que técnicos e especialistas de algum setor. Então temos que atingir esse público com a informação correta, neste que está sendo um período extremamente desafiador”, afirma.
De família de produtores rurais do interior do Rio Grande do Sul, Camila cresceu nesse universo, tendo como exemplo o pai, que, ao se especializar em agricultura de precisão, elevou a propriedade a exemplo de tecnologia e inovação na região, inclusive firmando parcerias com universidades próximas. Formada em Relações Públicas, Camila queria unir o Agro à Comunicação. “Está na veia, meu pai sempre me incentivou a olhar fora da caixa. Há um gargalo nessa área e eu defendo o setor no dia a dia desde muito antes dos meus vídeos da internet. O agro está presente na vida das pessoas muito mais do que elas imaginam”, ressaltou.
Ela contou que ansiava ocupar seu espaço na mídia para defender o setor. Foi quando começou a fazer alguns ‘desabafos’ na internet. “Quando a Anitta falou que o agronegócio era o câncer do Brasil eu pensei: se a Anitta, que canta e dança, pode falar do agro, eu, que não canto e nem danço, posso cantar no meu Instagram. Então escrevi uma paródia com bastante informação e gravei. O vídeo repercutiu e acabou viralizando”. Depois desse, muitos vídeos continuam a ser publicados por ela. “Esse formato funcionou e me aproximou desse público que precisa ser representado de alguma forma. Temos que valorizar o que tem de bom no Brasil, que é o celeiro do mundo”, completou.
Os ‘agro mitos’ e a deficiência na comunicação
Ex-secretário de agricultura do Estado de São Paulo, o engenheiro agrônomo e professor de MBA da FGV, Xico Graziano, foi outro convidado do webinar da Aberje. Prestes a lançar seu novo livro “Agricultura, fatos e mitos”, o autor acredita que o grande problema da comunicação do agro hoje está na troca de ideias com os mais jovens.
No seu ponto de vista, a pandemia mostra que o setor está cumprindo com o seu papel e que este pode ser um bom momento para discutir e superar essa deficiência de comunicação que o agro tem tido historicamente. “Independentemente da crise do coronavírus, a verdade é que nós não temos tido capacidade de mostrar para a sociedade brasileira e para o mundo, as grandes virtudes da agricultura brasileira”, enfatizou.
Na ocasião, Xico elencou alguns fatores que influenciam ou influenciaram negativamente a imagem da agricultura nacional, como, por exemplo, o estereótipo do caipira. Imagem esta que vem do filme do Mazzaropi, de 1959, e que permanece até hoje representado nas festas juninas, onde o caipira se veste com roupas rasgadas, chapéu desfiado e dentes pintados de pretos é chamado pelo professor de “efeito Jeca-Tatu”. “Pode ser folclore mas traz uma imagem negativa”, argumentou.
Outro fator na visão do professor seria o ruralismo atrasado no país que não foi capaz de acompanhar a evolução da sociedade brasileira. “Existem federações em que o presidente está no cargo há mais de 50 anos. É preciso que haja uma renovação das lideranças políticas do agro para melhorar a sua própria imagem”, comentou.
“Nunca tivemos coragem de enfrentar o mundo da comunicação. Agora estamos correndo atrás do prejuízo. As empresas começaram a investir em comunicação. É preciso combater a desinformação com a verdade. Este é o mundo da narrativa e a crise pode ser uma virada de página, uma oportunidade de nos firmarmos como setor virtuoso que precisa enfrentar seu problemas, mas que sem o qual o Brasil não vai para frente, completou Xico.
Fornecedor mundial sustentável de alimentos e bioenergia
Um dos maiores conhecedores dos canais de distribuição no agro, o engenheiro agrônomo e professor da USP e da FGV, Marcos Fava Neves, contou no webinar que esta tem sido uma época muito criativa com grandes mudanças de posturas. “Em 15 dias vi um transatlântico como a USP ir para o digital, metas de 10 anos foram cumpridas em dias. Isso foi sensacional. Uma mudança de postura muito grande”, comentou o professor que mantém seus projetos, apesar de ter deixado de fazer cerca de 80 palestras e 100 voos por mês.
Neves – criador da plataforma doutoragro.com – focou em três questões que considera relevantes para o agronegócio brasileiro. Segundo ele, o posicionamento do agronegócio brasileiro deve ser o de fornecedor mundial sustentável de alimentos e bioenergia. “Este deve ser o nosso slogan. Ninguém tem os indicadores que o Brasil tem para performar nesse posicionamento”, justificou. Para ele, o aspecto positivo refere-se ao abastecimento do Brasil e do mundo em termos de pandemia. “As exportações apresentam números sensacionais. A soja, por exemplo, exporta R$ 10 mil por segundo. O agro conquistou um respeito muito grande aqui dentro por conta dessa performance. Parece que a sociedade finalmente aceitou que o alimento é o produto do Brasil perante o mundo”, disse o professor ressaltando como pontos negativos do momento as três crises atuais do país: a sanitária, a econômica e a política.
Mas como o setor deve se comunicar? Neves frisa que a comunicação não é um tema simples, é uma ciência e que não existe um plano de comunicação para o agro, mas para jornadas específicas. Primeiro é preciso identificar o público-alvo que se deseja atingir.
“O agro lida com governos, compradores industriais, canais de distribuição, consumidor final, ONGs, sistema financeiro mundial, investidores mundiais, agências internacionais, imprensa, fornecedores, técnicos, nutricionistas, médicos, universitários etc. Discordo que a comunicação do agro num todo é ruim. Muitos públicos-alvo que eu citei estão abastecidos de boas comunicações”, alegou. Depois de bem identificado, é preciso ter claro o objetivo, depois o composto (qual o meio utilizado), o orçamento disponível e, por último, a medição dos resultados dessa comunicação.
Outra questão levantada pelo professor foi quanto ao tipo de mensagem que se pode usar como ferramenta estruturada de comunicação. “Hoje, para o posicionamento global da produção de alimentos no Brasil, temos alguns temas fortes e outros mais sensíveis a serem trabalhados”, ressaltou Neves.
Entre os fortes estão: produção, exportação, geração de renda, uso de área, código florestal, eficiência da agricultura, biocombustíveis, cientistas do agro, cooperativismo e associativismo, certificação, conservação, integração entre lavoura, pecuária e floresta e empresas brasileiras. Quanto aos temas que requerem mais cuidados para se trabalhar, segundo Neves, estão: “em primeiro lugar a Amazônia, em segundo lugar a Amazônia, em terceiro lugar a Amazônia. Depois vem os brasileiros de origem indígena, brasileiros de outras minorias, os extremos, os excluídos, questão dos defensivos e a concentração de mercado”, finalizou.
Assista na íntegra:
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