11 de outubro de 2019

Confiança: o maior desafio das organizações em um mundo hiperconectado

Dario Menezes e Jéssica Reis*

Atualmente, são incontáveis os desafios e transformações vividos no ambiente empresarial. Grande parte deles deriva do novo contexto social que surge com o advento da internet, e consequentemente, da necessidade de atuação das marcas no ambiente digital.

O chamado ‘mundo hiperconectado’, tem a sigla V.U.C.A. como uma de suas faces mais visíveis, que carrega as características da volatilidade, incerteza complexidade e ambiguidade como pilares centrais. Para efeito deste artigo, tomamos a liberdade de acrescentar a letra H de hiperconexão e podemos pensar em um ambiente V.U.C.A.H. que é ainda mais complexo e desafiador para as organizações. Esse ambiente hostil, traz à tona um novo posicionamento do público frente às marcas e à produção de informação. É também dessa forma que ascende a figura do chamado eu-cidadão ou eu-repórter – incorporada, em um segundo momento, pela mídia tradicional.

A onda migratória que moveu o perfil do consumidor de informação para um agente ativo dentro do ecossistema digital refletiu provocando rupturas e reposicionamentos não apenas dentro do segmento de jornalismo propriamente dito, como também no ponto de vista dos processos de comunicação e nos modelos de negócio em geral.

O reposicionamento do consumidor acontece saindo da passividade e da obsolescência do uso de canais de SAC protetivos, que não expunham a marca publicamente, para a posição empoderada de dissipador de informação, amplificador de vozes; um multiplicador de opiniões entre os stakeholders. Ou seja, o consumidor na era digital possui combustível suficiente para impactar negativa ou positivamente na reputação de uma marca. E, dessa forma, as mesmas foram automaticamente pressionadas a repensar suas lógicas de relacionamento com o cliente, além de, é claro, serem mais estratégicas nessa atuação tanto em momentos de crise, quanto na construção da reputação no longo prazo.

A inversão da dinâmica de influência levou os cidadãos para o topo da pirâmide decisória. Se o cidadão passa a ser um agente relevante nesse processo, ele naturalmente recupera a posição empoderada de consumidor vigilante e espera das empresas a contrapartida em posicionamentos promotores de cidadania.

Por isso mesmo, não há marca que se projete nesse novo ambiente sem um “propósito”, sem atitudes e convicções próprias. Esse propósito pode ter interseção com o contexto social, cultural, ambiental ou econômico, mas precisa fazer sentido quando olhamos para o DNA da organização, ter sinergia e gerar identificação genuína com seu público alvo.

Esse novo cenário de gerenciamento trouxe consigo problemáticas, mas também novas oportunidades. O resultado da performance das marcas a partir desse novo momento depende da gestão estratégica, atualizada e consciente das organizações.

Apesar disso, ainda há muita resistência ou talvez desconhecimento entre as lideranças corporativas em relação ao tema. Isso se dá seja pelo caráter incipiente do tema tratado na mídia em geral, seja pela dificuldade de reconhecer o novo papel de relações públicas em um mundo V.U.C.A.H ou, em última escala, pelo dilema da horizontalidade de produção de conteúdo nas mídias digitais. Se todos somos potentes produtores de informação, por que colocar todas as fichas em um único profissional especializado nessas plataformas? Não vivemos a era da multiplicidade e da diversidade?

A exemplo da década de 60, podemos considerar que a era digital ou V.U.C.A.H também não escapou à miopia, do ponto de vista das organizações. Isso significa dizer, basicamente, que ainda que vivendo na chamada “Indústria 4.0”, onde evidencia-se a fusão do mundo real e do virtual, muitas empresas permanecem subestimando a relevância da atuação nas redes sociais e no universo digital, como um todo. Pensam que estar no ambiente digital ainda é uma opção deles e não uma necessidade real e imediata. Sendo assim, abrem mão de investir seus ativos em um planejamento prévio, para atuar apenas em momentos de crise, quando a imagem da organização já encontra-se suficientemente desgastada, em detrimento de um planejamento a longo prazo.

A consciência empresarial em relação ao assunto deveria ser construída a partir de uma teoria analítica que promovesse a constante troca entre o departamento de marketing e os demais setores cruciais de uma empresa. Entender e potencializar as capacidades trazidas pelos artefatos digitais podem ajudar as marcas a se relacionarem mais assertivamente com seus públicos.

As novas ferramentas nos permitem coletar e interpretar informações através da inteligência e base de dados, em tempo real, com frequência e eficácia. Sendo assim, somos capazes de implementar monitoramentos assertivos, sem que isso demande dedicação exclusiva de um profissional. Esse profissional não precisa gerar os dados de forma rústica, e sim evoluir sua capacidade avaliativa para analisá-los, de tal forma que seja útil a serviço da empresa. Analisar esses dados e cruzá-los regularmente com outras informações internas relevantes da organização ajuda a envolver efetivamente o público alvo.

Cuidar da imagem e reputação com estratégia e o devido conhecimento sobre seu negócio interfere diretamente no chamado “Brand Valuation”. Esse é um conceito que recentemente teve seu lugar na vida prática, visto que antes era tido como um “valor intangível”, e hoje já consegue ser quantificado, por exemplo, através do impacto negativo após a ocorrência de crises reputacionais e incluído como um ativo nos balanços financeiros das marcas.

Essa avaliação leva em conta a análise do desempenho financeiro dos produtos ou serviços, o papel da marca nas decisões de compra e fatores de força dessa mesma marca. Sendo os últimos, clareza, compromisso, governança, capacidade de resposta em tempo hábil, relevância, consistência, engajamento, presença e autenticidade. A construção desta métrica foi possível, vários anos atrás através da consultoria de marcas Interbrand, que com isso modificou definitivamente o cenário dos negócios globais. Para a gestão da reputação, outros modelos surgiram com destaque para a gestão de indicadores relacionados com marca e reputação em tempo real da Caliber.

À medida em que o mundo se torna mais centrado no cliente e para os anseios dele, as marcas precisam se manter acessíveis, flexíveis e atentas para o monitoramento de tendências de mercado, ameaça de concorrentes e investimentos em tecnologia. Sendo assim, o que no fundo realmente importa é gerar a experiência de marca positiva e manter os canais de relacionamento sempre ativos e consistentes. A satisfação e identificação do cliente com o produto ou serviço impacta diretamente na performance financeira, seja no aspecto de conclusão de vendas propriamente ditas, como de valor de mercado e imponência frente à concorrência. O caminho de sucesso requer a superação das expectativas; ir além, ser ‘overdelivery’.

O mundo hiperconectado apresentou o fenômeno da manifestação digital em massa; o que significa dizer que em questão de horas, uma onda de indignação exposta nas redes sociais pode derrubar uma marca no mercado. Antes, o que poderia ser apenas um caso isolado com o cliente, hoje pode se tornar um grande problema não só com esse agente, como também com os demais stakeholders (investidores, fornecedores, formadores de opinião, parceiros, funcionários etc).

São inúmeros os casos recentes de grandes marcas e pessoas públicas que enfrentaram situações de crise e não souberam lidar, de tal forma que reduziram sua credibilidade, confiança e reputação no mercado. Por isso mesmo, teria sido crucial que, no momento de gestão de crise e no atual contexto competitivo, as supracitadas marcas tivessem pleno domínio do chamado “Brand Equity”, valores agregados que orbitam ao redor das marcas gerando diferenciação e relevância no mercado.

Este nosso novo contexto social prevê que a atuação das mídias inflama a maneira através da qual os mercados interpretam os eventos e que o comportamento reativo desse depende diretamente dessas percepções. O desempenho positivo de uma marca é, dessa forma, resultado do apoio de todo o grupo de stakeholders e o seu valor é construído a partir desses recursos intangíveis como fidelização, admiração e engajamento, entre outros. No contexto do marketing 3.0, as marcas hoje, mais do que nunca, precisam ser sustentáveis e produzir memórias afetivas em seus consumidores.

Este artigo é uma iniciativa do Projeto Constelação, que tem o objetivo de descobrir novos olhares, formatos e linguagens sobre temas relacionados com marca, reputação e engajamento de stakeholders.

Jéssica Reis é jornalista pós-graduanda em Comunicação Organizacional Integrada, gerente de Comunicação e Marketing e partner na Agência Bizzu – Soluções em Comunicação (www.bizzucomunicacao.com.br)

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Dario Menezes

Criatividade e resultados se destacam na jornada de Dario. Trabalhou na VARIG e na Vale como principal executivo de marketing e em seguida trabalhou em uma consultoria tendo liderado projetos para Tetra Pak, Roche, Eletrobras e MSD entre outros. Responsável pela estratégia de treinamento dos voluntários Rio 2016. Hoje é o Diretor Executivo da Caliber, empresa (startup) de consultoria da Dinamarca com clientes como Airbus, PWC, Herbalife e British Airways entre outros. Professor da FGV e da ESPM, tem Mestrado, Pós em Marketing, MBA em Varejo e curso na Harvard Business School. Possui um networking expressivo e seu perfil é seguido por alunos de MBA de todo o Brasil e executivos do setor de comunicação, marketing e publicidade.

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