11 de janeiro de 2018

Criatividade: toque de gênio, ou mais referências?

O que é ser criativo? Será que é algo que construímos ou já nascemos predestinados? Na verdade todos nós podemos trabalhar nossa criatividade e ir além, mas é preciso muito trabalho e esforço sem limites de tempo, cansaço, ou aplauso fácil. Afinal, o verdadeiro gênio é, acima de tudo, um incansável.

Profissional vestido com camisa e calça social está voltado à frente de uma parede. Ele desenha formas e cores

Você se considera criativo? Não precisa me responder, até porque já adivinhei a sua resposta. Na realidade, todos nós nos achamos criativos e, na verdade, o somos, respeitadas as nossas limitações. A questão que coloco aqui é: quais são os fatores que despertam a criatividade, e quais inibem? Existe realmente o chamado gênio criativo? Será que Picasso, Michelangelo, Proust, Verne, Woody Allen, Spielberg, etc são realmente gênios criativos, ou apenas “ex-medíocres”?

Quem sou eu para negar o brilho criativo de todos os nomes acima, dos quais sou fã incondicional. Por outro lado, vale a pena, apenas como exercício, negar a criatividade inata, para perguntarmos se um reles mortal poderia se tornar um gênio criativo. Na verdade, este é um assunto que me fascina há muitos anos e que, recentemente, me foi relembrado quando um amigo da imprensa, editor famoso e respeitado, afirmou, sem a menor sombra de cinismo: “ser criativo é acumular mais referências”. Confesso que “parei” na afirmação de meu amigo. Seria essa afirmação um verdadeiro “ovo de Colombo”? Será que bastaria apenas aumentar a exposição dos medíocres para torná-los gênios criativos?

Durante certo tempo, essa afirmação ousada ocupou meus devaneios nos momentos que antecedem ao sono. Eu tenho um defeito particular (ou talvez uma qualidade): quando um assunto não está resolvido em minha cabeça ele começa a crescer, e a crescer, até que não sobra espaço para mais nada e aí tenho que enfrentar meu dilema e resolvê-lo. Por isso, há algum tempo, sempre que posso, leio sobre os hábitos dos famosos e (supostos) criativos. A constatação não foi surpreendente. Woody Allen sempre foi “fanático por trabalho”, como a maioria dos gênios conhecidos. Um cineasta como Spielberg chega a filmar 50 vezes a mesma cena, até chegar à perfeição. Quando você for a Paris não deixe de visitar o museu Rodin. Uma das coisas mais interessantes para observar é a quantidade de modelos que o artista preparava, até que se sentisse confortável para produzir a obra de arte definitiva. Um resultado surpreendente, como a estátua do “O Pensador”, é trabalho de anos.

Os críticos diriam que toda essa minha argumentação não tem a ver com referências (que remetem à experiência), mas sim com esforço. Isso é verdade, porém considerem que ninguém acumula experiência com preguiça. É preciso que o criador experimente, trabalhe muito, tente muitas vezes, até que, finalmente, a obra definitiva seja produzida. Por favor, não me entendam mal, pois longe de mim querer apagar a chama dos grandes gênios da humanidade e fazer apologia aos medíocres. Eu apenas defendo a ideia de que TODOS nós podemos ser gênios, em um ou em outro sentido, se nos esforçarmos sem limites de tempo, cansaço, ou aplauso fácil. O verdadeiro gênio é, acima de tudo, um incansável e nada pode frustrá-lo, pois sabe que o sucesso pode estar escondido na próxima curva do caminho, e às vezes o caminho pode ser longo e áspero.

Simplificando, podemos afirmar que todo medíocre é um preguiçoso, ou, pelo menos, não tem autoconfiança, pois acaba desistindo a um passo do sucesso. Isto aceito, temos aí a fórmula mágica para criação gênios: fazê-los trabalhar duro, sem tréguas, até que “a fagulha de genialidade acenda a palha sem graça do trabalho duro”. Porém, é preciso respeitar as limitações de cada um e aproveitar seus talentos inatos. Alguém que não tenha ouvido para música nunca será um grande compositor, mas poderá ser um grande matemático (o que chega bem próximo, pois música e matemática são ramos dissidentes da mesma arte).

Toda essa “vã filosofia” não existia em minha cabeça de executivo, quando desde o princípio, e de forma intuitiva, sempre busquei forjar talentos a partir de meu grupo de colaboradores, que nem sempre primou pelo brilhantismo à primeira tentativa (aliás, nem eles, nem ninguém). Em nossa empresa, nos acostumamos a usar uma fórmula simples, que tem nos dado grandes resultados e revelado talentos à altura de um Felipão (um gênio na transformação de “cabeças de bagre” em craques – vide o time da Copa, com as louváveis exceções dos ‘3 R’s” que já eram craques natos). Nossa fórmula se compõe de três fatores:

TREINAMENTO + EXPERIMENTAÇÃO + AVALIAÇÃO CONTÍNUA DE RESULTADOS = SUCESSO

Como o Felipão bem sabe, não se pode exigir muito de um pobre “cabeça de bagre” sem antes treinar muito, mas muito mesmo. Eu me lembro do Felipão, em plena Copa, exigindo que o Roberto Carlos, o Cafu e o Ronaldinho treinassem bater escanteios à exaustão, debaixo de uma chuva de críticas (“mas que perda de tempo ensinar craques a bater escanteio”). Também me lembro do Oscar em um Pan-Americano (ou foi em um Mundial) treinando arremessos durante horas, com o dedo indicador quebrado! Por isso, em nossa empresa, nós treinamos as pessoas em coisa óbvias, como bater escanteio, apenas para ter a certeza de que elas não precisarão pensar quando a situação real acontecer. O treinamento abundante tem dois méritos: desperta a autoconfiança e estimula o surgimento da criatividade.

A segunda componente da fórmula, a experimentação, é a parte mais divertida. Nos permitimos, mais que isso, estimulamos, o chamado “erro criativo”, que é o único tipo de erro louvável, pois pode resultar da experimentação de caminhos inéditos na solução de problemas antigos. O que não admitimos é a insistência no erro “não original”, pois além de estúpido isto seria um indicativo de preguiça mental (observem a insistência de um trabalhador preguiçoso, tentando soltar um parafuso enferrujado, até espanar a fenda, quando seria muito mais fácil pensar um pouco e lubrificar a rosca).

Em nossa empresa também somos viciados em medir resultados, em discuti-los de forma aberta e em corrigir a rota constantemente. Fazemos isso por meio de reuniões funcionais, reuniões trimestrais com toda a empresa, pesquisas de satisfação e até mesmo mediante o bom e saudável “corpo a corpo” com funcionários, clientes e fornecedores.

Também exigimos que o “try harder” (nada original) seja levado muito a sério. Procuramos não aceitar de nossos colaboradores nada menos do que a perfeição. A princípio isso é dolorido, pois todos terão que atuar como autocríticos, mas é gratificante perceber que após alguma insistência, é possível se implantar uma “cultura de excelência”. Esta cultura só estará implantada quando a qualidade nos procedimentos de trabalho for replicável, não importando quem seja o encarregado da tarefa.

Mas o mais emocionante mesmo é ver a vibração de cada um dos nossos Ronaldinhos, Luizões e Roques Jr, quando finalmente conseguem fazer um gol de placa. E viva o Felipão que nos despertou para o brilho possível dos medíocres, ou gênios, ambos potenciais, que somos todos nós.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Augusto Pinto

Engenheiro de formação, Augusto tem mais de 30 anos atuando no mercado de TI. Iniciou a carreira na IBM, de onde saiu para se tornar um executivo bem sucedido na indústria de software. Foi o 1º presidente da SAP Brasil, onde atuou por sete anos, e também VP América Latina da Siebel Systems. Atua há mais de 15 anos em Comunicação Corporativa, como sócio fundador da RMA Comunicação. Em fevereiro de 2019, a RMA e RP1 uniram suas operações, criando uma nova empresa, a RPMA, empresa de comunicação integrada e projetos digitais. Hoje o Augusto faz co-gestão da RPMA, junto com a Claudia Rondon e Marcio Cavalieri, cuidando das áreas de Marketing Digital, Criação & Vídeo, RH estratégico e desenvolvimento da empresa a longo prazo.

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