“A comunicação precisa de métricas”
Maria Tereza Gomes
Encontrei Mario Laffitte numa manhã de segunda-feira ensolarada, na sala de reuniões do 21o andar de um moderno edifício na região da Marginal Pinheiros, em São Paulo. Era começo de abril e a temperatura ainda permitia que ele usasse uma camisa social branca sem blazer nem gravata, um visual despojado para alguém que carrega o título de vice-presidente de Marketing e Assuntos Corporativos da Samsung para a América Latina. Alegando o dia bonito, me convidou para descermos ao café instalado no térreo, onde ele e a gerente de Relações Públicas, Ana Carolina Silvestre, que nos acompanhou durante a conversa (você lerá intervenções dela ao longo do texto), dividiram uma tapioca.
Aos 49 anos, casado, pai de dois jovens de 15 e 18, curitibano, Mario está na Samsung desde 2013. A multinacional coreana é sua sexta empresa, de nacionalidades tão diversas quanto a americana Texaco, a sueca Volvo, a italiana Fiat e a alemã Mercedes Benz. Diz que, claro, além da envergadura do cargo, aceitou o convite dos coreanos porque nunca havia trabalhado numa empresa asiática. Engenheiro mecânico, trouxe dos bancos da Universidade Federal do Paraná o gosto pelas métricas. Acha que é inevitável a comunicação adotar meios e modos de saber como (e quanto) contribui para o resultado final do negócio. Na Samsung, ele quer saber o quanto uma reportagem impacta na decisão de compra do consumidor. O projeto piloto realizado no ano passado trouxe bons insights, ele diz, e contou pontos com a matriz: outras regiões querem copiar o modelo. Mesmo assim ressalta que tem plena consciência de que a comunicação ainda é e sempre será um produto elaborado. “Você não chega na loja da esquina e pede dois metros de comunicação ou cinco quilos de release”, diz.
Na conversa a seguir, Mario fala de métricas, de crises e da sua carreira. Desconversa apenas quando perguntei se, diante da escassez de CEOs oriundos da Comunicação, acha possível sonhar com o mais alto cargo das empresas. “Ainda tenho muito que aprender onde estou”.
Como foi seu início de carreira e por que Engenharia Mecânica?
Mario Laffitte: Eu passei em dois vestibulares: Engenharia Mecânica na Federal (UFPR) e Ciências da Computação na PUCPR. No primeiro ano, ficou claro que não dava para conciliar e tranquei a PUC. Na Engenharia, descobri logo que não gostaria de trabalhar com projeto, com coisas muito técnicas. Durante a faculdade, fiz estágio na Volvo e, quando me formei, fui trabalhar na área comercial da Texaco. O trabalho era de vendedor mesmo: visitar cliente, tirar pedido, dar assistência técnica. E gostei. Gostei da diversidade, de conhecer gente nova. Tinha que viajar, visitar os clientes. A Texaco foi uma grande escola. Depois, com a abertura do mercado brasileiro às importações, a Volvo criou sua divisão de automóveis e me chamou de volta. Era quase uma startup, não havia processos, tudo foi sendo construído. Passei por vendas, desenvolvimento de negócios e marketing.
Você de fato nunca foi engenheiro?
ML: Nunca.
O que da engenharia você trouxe para sua carreira?
ML: O pensamento concreto, lógico; a habilidade de estruturar a análise de uma situação; a capacidade de implantar um projeto.
E alguma vez usou o que aprende nas aulas de cálculo 1, 2, 3 e 4?
ML: Nunca usei. (risos)
Ana Carolina: Mas ele leva a sério a gestão do budget. Ele não abre mão dessa parte de engenheiro.
ML: A base da matemática sempre me ajudou. Quando você trabalha em vendas, precisa ter um bom embasamento de finanças. E também o pensamento por processos me ajudou no período da VolvoCar pois era uma operação sendo montada.
Em que momento você concluiu que comunicação era uma área sua?
ML: Quando a VolvoCar foi vendida para a Ford, ao final do período de transição, eu recebi um convite para ir para a área administrativa com os americanos. E a decisão de recusar envolveu o que eu queria para a minha vida e acabei assumindo a gerência sênior de marketing de veículos comerciais da Volvo, uma função 100% de comunicação de marketing. Fiquei lá até 2004. Depois tive uma breve experiência no projeto Siga Bem Caminhoneiro, até assumir a gerência de produto, comunicação e assessoria de imprensa da Iveco, a empresa de veículos comerciais da Fiat. Estava morando em Belo Horizonte quando recebi uma proposta absolutamente irrecusável para vir trabalhar na Mercedes Benz, em São Paulo. Vim como gestor de marcas, mas tempos depois assumi a Diretoria de Comunicação Corporativa. Aí sim foi a primeira vez que eu trabalhei única e exclusivamente com comunicação, sem o marketing. Acabei ficando nove anos na Mercedes, até surgir a Samsung.
Você passou por empresas globais de diversas nacionalidades. O que essa diversidade cultural ensinou?
ML: Duas coisas: que elas são muito parecidas e que elas são muito diferentes. São parecidas porque todas exigem controle de budget, entendimento do negócio, que você conheça o mapa político da organização, como as coisas são decididas. Se você não apresenta resultado, não consegue navegar em nenhuma organização. Aprendi que é preciso nutrir o empreendedorismo corporativo. Todo projeto que você desenvolve é o seu negócio. Seja o lançamento de um produto, seja uma nova área de negócios, uma nova marca, uma nova estratégia de distribuição. Para fazer isso acontecer você precisa ter espírito empreendedor, porque vai encontrar no mundo corporativo os mesmos desafios que o empreendedor encontra lá fora: achar investidor, vencer as questões burocráticas, ter um posicionamento no mercado. Mas as empresas são muito diferentes também. Os suecos são rigorosos e focados, mas superamáveis, não tem quem não seja feliz numa organização sueca. Italianos ensinam a capacidade de realização. Na Mercedes, imperam o planejamento muito forte e o comprometimento com as decisões tomadas.
Como foi o convite para trabalhar na Samsung?
ML: Eu fiquei mais de um ano conversando. No primeiro contato, a proposta era para uma movimentação lateral, não agregava mais desafios. Seis meses depois a empresa voltou com uma proposta de criar uma vaga nova, mais adequada ao meu perfil. Somos organizados em um escritório regional, em São Paulo, e sete subsidiárias, que efetivamente executam os negócios nos países. O escritório regional, no qual eu estou, tem o papel mais estratégico, de olhar a longo prazo, prover o apoio consultivo e guidelines para as subsidiárias. Temos um CEO, coreano, que fica neste prédio e é meu chefe direto.
Você tem algum reporte matricial?
ML: Nas subsidiárias, nós temos as equipes de comunicação, marketing e relações governamentais que reportam para o presidente local, porém reportam matricialmente para nós, aqui na regional. A empresa é organizada em duas grandes áreas de negócios: internet mobile e consumer electronic. Elas são independentes na Coréia, mas na nossa função existe uma estrutura matricial quando se trata de produtos.
Como a Samsung faz alinhamento global na sua área? Existe uma rotina?
ML: Na área de Relações Públicas, a Carol tem um call com a Coreia toda quarta-feira e ela cascateia com as subsidiárias toda sexta; e fazemos duas vezes por ano um workshop de dois dias com todos os comunicadores regionais e nossos colegas da Coreia. No marketing, temos reuniões mensais. Em relações governamentais, também são dois workshops por ano e calls regulares. É um processo ritualizado de alinhamento.
Qual é hoje seu grande desafio na Samsung? Por que trouxeram você para cá?
ML: A marca Samsung cresceu muito nos últimos anos num mercado de competição acirradíssima, de marcas fortíssimas. Em algum momento, ela se tornou a maior fabricante mundial de equipamentos móveis e aí percebeu que isso lhe dava uma exposição tremenda no mercado, para o bem e para o mal. Foi quando a empresa decidiu reforçar sua comunicação corporativa para trabalhar na percepção, na reputação da empresa e da marca. E estamos trabalhando na América Latina para mostrar que a Samsung não é apenas a marca de celulares mais vendidos, mas é uma indústria comprometida com o desenvolvimento social, com o investimento local. No Brasil, temos mais de 10 mil funcionários em duas plantas, em Manaus e em Campinas. E somos o maior investidor local em pesquisa e desenvolvimento do nosso segmento.
Como você entrega esse desafio?
ML: Na área de comunicação corporativa nossa estratégia é estarmos mais próximos do jornalista formador de opinião; não apenas ter uma comunicação corporativa que escreve releases ou que faz lançamento de produto. Queremos estar mais próximos, entender a necessidade do jornalista que cobre o setor, tanto do especialista em produto, quanto daquele que cobre negócios, pesquisa, ciência e tecnologia. Uma coisa muito básica, muito simples que trouxemos para a Samsung foi elencar os jornalistas formadores de opinião de cada mercado. Uma vez definidos, mapeamos qual é o relacionamento que queremos ter com eles. Eu não estou falando de relacionamento para tomar café, mas de relacionamento técnico, de alto nível, que possa nos dar condições de preencher o espaço que ele tem para escrever sobre a nossa empresa.
AC: Isso vai desde antecipar produtos para testes a negociar mais vagas para jornalistas latinos nos eventos globais. Coisas que a Samsung na América Latina não fazia e a região ficava num segundo plano. O Mario defende a América Latina, fala: “Oi, nós estamos aqui”.
ML: Aí entra a história do empreendedorismo dentro da organização, de se fazer ouvir. Numa empresa global, é muito comum a filial apenas reproduzir a estratégia enviada pela matriz, mas a gente tem que ter a energia e o conhecimento de causa para dizer: “Queridos, aqui é um pouco diferente”.
Até onde vai a sua autonomia em relação à matriz?
ML: Há um posicionamento estratégico de marca e de produtos, mas a execução será da forma mais apropriada a cada mercado. A estratégia de relacionamento com a imprensa que implantamos na América Latina, a maneira como a gente faz e mapeia esse relacionamento, foi considerada exemplo para ser aplicado em outras regiões.
AC: Não só isso, mas também a parte de mensuração.
ML: Uma coisa que já me inquietava nos tempos de Mercedes era como mostrar a eficiência da comunicação corporativa. A questão de centimetragem e do número de matérias me incomoda muito, porque raríssimas vezes eu vi um relatório em que o concorrente teve mais matérias ou mais centímetros que a gente. E sabemos que o clipping é mais eficiente para capturar as notícias sobre nós do que sobre o concorrente. Isso leva a conclusões em cima de dados incorretos. Na Mercedes implantamos outras formas de medir. A primeira delas foi definir o universo a ser mensurado: que veículos vamos medir? Ao delimitarmos o campo de pesquisa, enxergamos realmente como está a nossa performance e a do concorrente. O caminho número dois foi analisar a qualidade do que era publicado, seja do texto, da informação sobre empresa e produtos, o seu alcance. É melhor ter uma matéria de cinco páginas num veículo que ninguém lê ou uma notinha na revista que mais circula no seu país?
É aí que entra a mensuração?
ML: Nós precisamos ter um modelo matemático que leve em consideração cobertura e exposição. Aqui na Samsung, acabamos indo para um caminho até mais sofisticado: queremos entender o quanto o editorial colabora e compõe o processo de decisão de consumidor final. Quanto da sua decisão veio do impacto de matérias editoriais que ele leu ou assistiu? É um processo que envolve percepção, não é só um modelo matemático. O primeiro teste, feito no ano passado, nos deu um volume de insights muito grande. Por exemplo: o consumidor gosta que o jornalista faça comparativo entre os produtos; também descobrimos que ele é impactado primeiro nas redes sociais e de lá clica para a página do jornal ou da revista. A gente está percebendo e documentando estatisticamente essa mudança do consumidor. Apresentamos o projeto num fórum global de comunicação e já tem gente na Europa querendo fazer igual.
Por que você acha que a área de comunicação resiste a mensurar?
ML: A natureza do nosso resultado é conceitual. De percepção. É subjetiva e muda conforme o tempo, não é constante, estática. Como se mede a emoção? É possível criar modelos que indiquem a intensidade, não exatamente uma régua de quanto a pessoa gosta da marca A ou B, mas modelos que indiquem a sua preferência. Isso é possível, sem dúvida é possível.
Isso é uma tendência? A comunicação tende a ingressar nesse mundo da mensuração?
ML: Sim, vai mensurar cada vez mais e mensurar coisas integradas ao negócio. Quanto mais alinhada à comunicação estiver aos objetivos empresariais, melhor é para a própria comunicação.
Como você avalia a forma como a Samsung lidou com a crise global gerada pelo Galaxy Note 7?
ML: Essa crise foi um grande aprendizado para a organização. A decisão de tirar o produto rapidamente do mercado foi muito complexa, muito dura, mas mostrou na prática a preocupação que a empresa tem com seu consumidor. O tema era tão grande e tão complexo que, em vez de encaminhá-lo ao Comitê de Risco aqui da América Latina, criamos um outro focado apenas nele. Enfrentamos uma grande crítica da opinião pública, mas viemos a público dar satisfação sobre o que aconteceu; duas auditorias externas ficaram semanas dentro da empresa para descobrir o que levava a bateria a pegar fogo. E a Samsung apresentou esse resultado de forma aberta, dando acesso também a outros produtores de equipamentos e baterias para que aprendessem conosco. Comprovamos que o problema era restrito à bateria e de uma maneira muito humilde e emocional o nosso presidente global pediu desculpas. Adotamos uma série de melhorias em processos para assegurar a qualidade do produto. Viramos a página e aprendemos. Eu fiquei feliz com a forma como a empresa lidou com isso.
O seu telefone tocou bastante?
ML: Tocou bastante. Eu costumo dizer que quem escolheu trabalhar em comunicação não tem horário. A gente captura notícia no fim de semana, manda para a equipe; tem grupos de discussão com os países, sem os países… Não tem horário.
Como vocês lidaram com essa crise nas mídias sociais?
ML: No México, onde o produto já estava à venda, precisávamos que os clientes trocassem o aparelho. Então, adotamos publicidade, mídia social, tudo que estava disponível. Nos países onde o produto não havia chegado, como o Brasil, a gente foi mais reativo. Se o consumidor se manifestava com alguma dúvida ou se tinha comprado o aparelho no exterior, a gente atuava imediatamente. Também foi preciso recolher alguns aparelhos que estavam em testes com jornalistas brasileiros.
Como você se atualiza?
ML: Eu gostaria de ter um dia de 30 horas, uma semana de oito dias e um mês de cinco semanas para me dedicar mais à educação formal. Atualmente, estou aprendendo muito com a equipe de comunicação digital e negócios online da empresa.
AC: O Mário não apenas se atualiza, mas ele atualiza o nosso presidente.
ML: A gente toma um café todo dia às 8:30 e discute os temas da região por 15 a 30 minutos. Levo os jornais. Damos uma olhada geral nas capas, fazemos exercícios de cenários em temas que impactam o nosso negócio. Falamos de macroeconomia, política. Tudo em inglês.
O que vem por aí na comunicação da Samsung?
ML: Na Samsung, a gente tem um movimento muito claro e correto: olhar para nossas raízes e para onde queremos ir. Viemos de uma organização que sempre buscou a excelência e rompeu as barreiras do possível em tecnologia. Desde a sua origem, sempre acreditou que a tecnologia é um meio para proporcionar à sociedade um ambiente mais eficiente, com mais entretenimento, para tornar a vida das pessoas mais fácil. Dito isso, nosso objetivo é efetivamente transformar a marca Samsung numa marca que seja reconhecida por desafiar barreiras. Uma marca que seja não apenas reconhecida por hardware, mas por estar presente no dia a dia da sociedade.
Você fala diretamente com o CEO, isso não é a realidade na maioria das empresas. Esse canal direto com o CEO ajuda em quê?
ML: No processo de decisão. Fica muito mais fácil e me dá uma envergadura de autoridade interessante dentro da organização. Além dos papéis bem definidos da minha vice-presidência, eu atuo em outras frentes. Eu faço parte do comitê de risco, de ambiente de trabalho, de consumidores, atuo muito próximo de temas jurídicos. Essa proximidade com o CEO me ajuda tanto para levar temas da minha área para ele, como para levar o desejo dele para esses outros fóruns.
AC: Esse sistema de gestão por colegiados é uma coisa que o Mario trouxe para cá também. Os comitês de Risco, de Ambiente de Trabalho, e agora o de Consumidores, vêm dessa gestão do Mario.
A área de comunicação não gera muitos CEOs, mas você acha que dá para pensar nisso?
ML: Eu gosto de trabalhar na América Latina, um continente apaixonante, diverso, complexo. Soluções de comunicação que dão certo num país podem ser um desastre em outro. O meu nível de entendimento da região nos últimos cinco anos aumentou muito, mas tenho muita coisa para fazer ainda.
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