15 de outubro de 2024

Um furacão de desinformação

Publicado originalmente no LinkedIn, em 15 de outubro de 2024

Em meio a desastres naturais e emergências, o que se espera é ver de um lado especialistas no assunto disseminando informações precisas para salvar vidas, e do outro pessoas atentas anotando tudo para se ver livre do problema. No entanto, um penetra tem entrado na festa sem ser chamado. Ele não espera nem a poeira aparecer e já começa a propagar desenfreadamente notícias falsas e teorias conspiratórias. O problema dificulta o trabalho de profissionais dedicados, como também coloca em risco a segurança de comunidades inteiras. Na semana passada, nos Estados Unidos, esse fenômeno deu as caras mais uma vez com a passagem do Furacão Milton pelo norte da Flórida, quando atravessou o Golfo do México em uma categoria 5 até se dissipar nas águas do Atlântico Norte como uma tormenta tropical.

Meteorologistas e especialistas em desastres enfrentaram a proliferação de desinformação nas redes sociais, que a cada dia se transformam em um mundo à parte e perigoso. Dados científicos e alertas oficiais foram frequentemente ofuscados por rumores infundados e especulações de toda a sorte. Alguns profissionais relataram ter recebido ameaças de morte por simplesmente cumprirem seu dever de informar o público sobre os perigos iminentes. Essas ameaças não apenas representaram um risco pessoal, mas também tiveram um efeito inibidor na comunicação de informações precisas, ou seja, da verdade.

Matéria da Rolling Stone americana fez um levantamento dessas ameaças e boa parte dos profissionais entrevistados preferiu o anonimato. Não foi o caso do meteorologista Matthew Cappucci, que trabalha em Washington DC. “As pessoas estão tão perdidas que, honestamente, isso está me fazendo perder toda a fé na humanidade. Há tanta informação ruim circulando por aí que a informação boa fica obscurecida.”. Um colega de Cappucci jamais imaginou que a previsão do tempo pudesse se tornar uma atividade perigosa. “É assustador pensar que alguém possa querer nos prejudicar por tentarmos manter as pessoas seguras.”

Infelizmente a desinformação aumenta quanto maior o evento. É justamente quando a informação correta deve ser mais relevante. O que se viu nos Estados Unidos e em outros países que acompanharam a passagem do furacão Milton foram teorias conspiratórias sobre manipulação do clima ou negação da gravidade da situação. Elas foram ganhando tração rapidamente, como costuma ser com a ajuda dos algoritmos, complicando os esforços de evacuação e preparação. Tão difícil quanto parar a sanha do manipulador da informação, é fazer as pessoas identificarem o que é e o que não é uma fake news.

O meteorologista porto-riquenho John Morales viralizou ao chorar enquanto alertava os moradores da Flórida sobre a força do furacão Milton. Ele tem recebido mensagens de apoio nas redes sociais de pessoas que compartilharam sua angústia e ansiedade sobre a crise climática. E tem usado a atenção crescente para espalhar a conscientização sobre o aquecimento global, a ação climática, bem como os perigos da desinformação. “Gostemos ou não, esta é a era da pós-verdade e as crenças malucas não se resumem mais àquele seu amigo doido que ninguém dava bola”, afirmou.

As plataformas de mídia social, embora tenham a sua serventia na disseminação rápida de informações, também se tornaram terreno fértil para a propagação de conteúdo enganoso. A velocidade com que essas informações falsas se espalham muitas vezes supera a capacidade de verificação e correção por parte das autoridades e fact-checkers. Autoridades e especialistas em comunicação norte-americanos estão buscando maneiras de combater esse fenômeno.

Algumas estratégias têm incluído parcerias com plataformas de mídia social para destacar informações oficiais, campanhas de educação pública sobre a importância de fontes confiáveis e esforços para tornar os dados científicos mais acessíveis e compreensíveis para o público em geral. Nós, profissionais da Comunicação no Brasil, temos uma missão gigantesca, de seguir esse caminho, estudar o assunto e atacar o problema, pois aqui não é diferente e tende a piorar.

Entretanto, a responsabilidade não pode recair apenas sobre os profissionais e as autoridades. Indivíduos não podem ficar de braço cruzados. Eles têm um papel importante a desempenhar na luta contra a desinformação. Verificar fontes, pensar criticamente sobre as informações recebidas e evitar compartilhar conteúdo não verificado são etapas importantes que todos podem seguir. Conter a ansiedade é o primeiro passo, porque existe um correspondente de guerra em cada um de nós ávido por ser o primeiro a espalhar a notícia.

A luta contra a desinformação em tempos de crise é contínua e requer esforços coordenados de toda a sociedade. Somente por meio de um compromisso coletivo com a verdade e a responsabilidade podemos garantir que, em momentos de perigo, as informações que salvam vidas cheguem àqueles que mais precisam delas. Certamente você e eu estamos incluídos.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luis Alcubierre

Luis Alcubierre é executivo de Comunicação Corporativa, Relações Institucionais e Governamentais há mais de 25 anos e hoje atua como conselheiro para a América Latina da Atrevia, agência espanhola de PR e Corporate Affairs, além de liderar o escritório Advisor Comm. É também palestrante, mediador e mentor. Formado em Comunicação Social pela FIAM, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e MBA pela FIA-USP, com diversos cursos de gestão de liderança e negociação realizados em instituições como IESE, Berlin School of Creative Leadership, Columbia Business School, Universidad Adolfo Ibañez, Escuela Europea de Coaching, Fundação Dom Cabral, IBMEC e FGV. Foi diretor de Comunicação e Assuntos Corporativos de empresas como Kellogg, Pernambucanas e Samsung, onde teve responsabilidades adicionais pela Comunicação na América Latina. No Grupo Telefônica, assumiu a Direção Global de Marca e Comunicação da Atento em Madrid, na Espanha, sendo responsável pela gestão da área em 17 países. Passou ainda por Dow Química, TNT (adquirida posteriormente pela Fedex) e Rede (antiga Redecard), tendo iniciado sua carreira no rádio, nos sistemas Jornal do Brasil e Grupo Estado. Também foi membro do Conselho de associações ligadas às indústrias de alimentos, varejo, vestuário e mercado financeiro, onde teve importante papel negociador em distintas esferas de governo.

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