28 de março de 2024

Escola Base 30 anos. A lição continua

Publicado originalmente no LinkedIn, em 28 de março de 2024

Há exatos 30 anos, o caso Escola Base, que envolveu a denúncia de um possível abuso sexual a alunos da instituição, arruinou duas famílias e deu início a uma das maiores barrigadas do jornalismo profissional. Se configurou ali o cenário perfeito para que a mentira virasse verdade e inocentes se transformassem em culpados. Os proprietários da escola, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, além da professora Paula Milhim e seu marido, o motorista Maurício Alvarenga, foram acusados e julgados de maneira apressada e impiedosa, em um dos episódios mais emblemáticos de erro jornalístico e injustiça do Brasil.

A vida dos acusados foi devastada, com perda de reputação e clientes, mesmo após a total comprovação da inocência deles e a retratação da mídia. A escola fechou e seus donos jamais voltaram a trabalhar com educação. Maria Aparecida morreu de câncer em 2007 e Icushiro, de infarto, sete anos depois. Se foram sem ver todas as indenizações pagas. Paula nunca mais conseguiu um emprego de professora e teve problemas psicológicos graves. O casamento com Mauricio não resistiu.

Em 2022, o jornalista Valmir Salaro decidiu enfrentar o seu passado e revisitou o caso em um documentário produzido por ele no qual pede desculpas à família Shimada. Foi dos primeiros a divulgar o quadro e o que tinha o microfone mais relevante daquele momento, o do Jornal Nacional. “O que aprendi com esse caso é que devemos sempre desconfiar, mesmo que seja uma informação oficial. É fundamental sempre vê-lo com distanciamento e ouvir incansavelmente todos os envolvidos em uma história. O que chamamos de ‘outro lado’ no jornalismo não é só um protocolo, faz parte da apuração”.

O caso da Escola Base evidencia até hoje os perigos da falta de rigor jornalístico e da disseminação irresponsável de informações não verificadas. A pressa em divulgar uma notícia sensacionalista causa danos irreparáveis à vida pessoal e profissional de envolvidos. Além disso, revela a fragilidade do sistema de justiça e a predisposição da sociedade em condenar rapidamente sem uma análise crítica dos fatos.

Após a exposição do erro, o caso da Escola Base serviu como um alerta para a importância da ética e da responsabilidade na prática jornalística, ressaltando a necessidade de verificação cuidadosa dos fatos antes da publicação. Também gerou debates sobre a influência da mídia na formação da opinião pública e na presunção da inocência, destacando a importância de um jornalismo comprometido com a verdade e a imparcialidade. Até hoje é peça de debates nas faculdades de jornalismo. O problema é que o caso Escola Base não conseguiu ser uma lição definitiva para o jornalismo e para todos aqueles que hoje contribuem com seus perfis opinativos no mundo digital. Ao contrário do que reza a lógica, encontrar a verdade passou a ser um caminho muito mais longo e acidentado.

Por isso, é essencial que continuemos a questionar, a investigar e a buscar a verdade com diligência e discernimento, especialmente em uma era em que a disseminação de informações é rápida, global e muitas vezes propositadamente fictícia. Devemos lembrar que a verdade não é apenas uma narrativa conveniente, mas sim um ideal a ser perseguido com integridade e responsabilidade. Somente assim podemos evitar que tragédias como a da Escola Base se repitam, e garantir que a justiça e a dignidade prevaleçam sobre a pressa e a desinformação.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luis Alcubierre

Luis Alcubierre é executivo de Comunicação Corporativa, Relações Institucionais e Governamentais há mais de 25 anos e hoje atua como conselheiro para a América Latina da Atrevia, agência espanhola de PR e Corporate Affairs, além de liderar o escritório Advisor Comm. É também palestrante, mediador e mentor. Formado em Comunicação Social pela FIAM, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e MBA pela FIA-USP, com diversos cursos de gestão de liderança e negociação realizados em instituições como IESE, Berlin School of Creative Leadership, Columbia Business School, Universidad Adolfo Ibañez, Escuela Europea de Coaching, Fundação Dom Cabral, IBMEC e FGV. Foi diretor de Comunicação e Assuntos Corporativos de empresas como Kellogg, Pernambucanas e Samsung, onde teve responsabilidades adicionais pela Comunicação na América Latina. No Grupo Telefônica, assumiu a Direção Global de Marca e Comunicação da Atento em Madrid, na Espanha, sendo responsável pela gestão da área em 17 países. Passou ainda por Dow Química, TNT (adquirida posteriormente pela Fedex) e Rede (antiga Redecard), tendo iniciado sua carreira no rádio, nos sistemas Jornal do Brasil e Grupo Estado. Também foi membro do Conselho de associações ligadas às indústrias de alimentos, varejo, vestuário e mercado financeiro, onde teve importante papel negociador em distintas esferas de governo.

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