Confiança Corporativa na Era da Policrise: Desafios e Oportunidades para Empresas
Na última quinta-feira (31), o evento “Sustentabilidade e Reputação na era da Policrise: o que a opinião pública revela sobre a confiança nas empresas?”, realizado na sede da Aberje, em São Paulo, discutiu os resultados da pesquisa “ESG 360” da Ipsos. O estudo revela as percepções dos brasileiros sobre sustentabilidade e serviu de base para um debate sobre as expectativas e os desafios do setor empresarial na conquista de confiança.
O encontro reuniu Helio Gastaldi, diretor de Public Affairs e Reputação Corporativa da Ipsos; Priscilla Branco, gerente sênior de Public Affairs da Ipsos Brasil; Nêmora Reche, diretora de Comunicação Corporativa da Syngenta; Maria Teresa Orlandi, gerente sênior de Comunicação da PepsiCo Brasil; e o mediador Nelson Silveira, sócio-fundador da PRHub Comunicação e Reputação 360° e membro do Conselho Consultivo da Aberje.
“A Aberje é a casa da comunicação, e nosso foco passou do tático para a discussão do processo de comunicação como um todo”, afirmou Paulo Nassar, diretor-presidente da Aberje e professor titular da ECA-USP, destacando a evolução dos debates na entidade, que completou 57 anos no início de outubro. Nassar contextualizou o cenário atual de ESG e enfatizou o valor da pesquisa “ESG 360” na análise dessas questões.
Desafios para a construção de confiança
Nelson Silveira destacou a relevância de narrativas consistentes, enfatizando que as empresas precisam ir além do “storytelling” e adotar uma postura de “storydoing”, onde os valores das marcas são evidenciados por ações concretas. “Empresas sem metas claras de ESG correm o risco de falhar”, afirmou. Em um cenário marcado pela disrupção dos modelos de negócio, o comunicador deve entender que estamos na “Era da Economia da Reputação”, conforme explicou Silveira.
Priscilla Branco, da Ipsos, abordou o conceito de policrise, formulado nos anos 1970 por Edgar Morin, e como ele se aplica ao Brasil atual, onde múltiplas crises coexistem e afetam a confiança nas instituições. Ela observou que a baixa confiança dos brasileiros em empresas e governos exige que as organizações cultivem uma relação mais sólida com o público. “Benefício da dúvida não é dado automaticamente para ninguém”, explicou Branco. “As pesquisas ajudam a ler o humor e as expectativas das pessoas” continuou, detalhando o papel do estudo para entender as demandas sociais e implementar práticas reais de ESG – cruciais para gerar confiança. “60% das pessoas acreditam que ações verdadeiras de ESG podem alavancar a confiança nas empresas”, concluiu.
“O agro sempre ‘pregou para convertidos’, mas o setor agora busca transformar essa comunicação”, explicou Reche, da Syngenta, ao falar sobre a percepção negativa em torno do agronegócio e como essa imagem precisa ser transformada. Ela afirmou que o setor historicamente se comunicou mais com um público interno, enquanto o interesse em expandir o diálogo com a sociedade é recente.
Para Maria Teresa Orlandi, da PepsiCo Brasil, o estigma que cerca as multinacionais também é um obstáculo. Ela ressaltou que há um ceticismo em relação ao comprometimento dessas empresas com as comunidades locais, mas acredita que a Comunicação pode desmistificar essa imagem. “As marcas de consumo devem ter uma atuação positiva em torno de temas relevantes para a sociedade: autenticidade, consistência e relevância são fundamentais”, observou.
Indicadores e o papel das empresas na sociedade
Para Priscilla Branco, a importância do desenvolvimento sustentável já é consenso, mas a percepção de que as empresas não estão fazendo o suficiente ainda persiste. “Há um sentimento anti-establishment e uma sensação de que o sistema está falido”, destacou. Branco apontou ainda que a polarização social interfere na forma como o público avalia o setor empresarial, gerando uma nova camada de complexidade. Por isso, a construção da confiança depende da capacidade das empresas de promover o diálogo em áreas estratégicas e relevantes.
Silveira ressaltou a importância de que as ações de ESG sejam genuínas e enraizadas na cultura organizacional, como forma de conquistar a licença social para operar. Os palestrantes também destacaram o valor de uma comunicação estratégica e autêntica, que funcione como um “radar interno e externo”, conforme descreveu Maria Teresa Orlandi. Ela reforçou que a Comunicação deve ganhar cada vez mais relevância na estratégia organizacional, ao identificar tendências e sensibilidades locais, ajustando as mensagens para refletir a diversidade de realidades no Brasil. “Em um país como o Brasil, temos muitas realidades; o olhar regional ou local é extremamente importante para que a Comunicação seja crível”, pontuou.
Gastaldi, da Ipsos, declarou que o excesso de indicadores pode ser um desafio, e que o papel da Comunicação é saber selecionar e interpretar esses dados com precisão. “Esses indicadores devem ser analisados com base em referências”, explicou. De acordo com Gastaldi, a análise cuidadosa dessas informações é essencial para que as empresas alinhem suas ações de ESG às expectativas sociais.
“O que gera mais repercussão é o ódio, a destruição, porque essas coisas geram mais tráfego e engajamento”, afirmou Gastaldi. “Por isso, as empresas devem focar em transparência, para evitar que sejam ‘desconstruídas’ em uma crise reputacional”, continuou. Para ele, a sociedade vê as empresas como agentes de transformação e elas precisam assumir um papel cidadão – inclusive reduzindo seu distanciamento em relação à política.
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