06 de agosto de 2015

Expatriação. Dores e prazeres

Publicado originalmente no LinkedIn em 06 de agosto de 2015

Raros são os profissionais hoje em dia que não sonham ser expatriados. Passou a fazer parte da ambição de carreira de muita gente. Também pudera: uma experiência internacional, além de aumentar as perspectivas de vida e cultura, recheia e valoriza qualquer currículo. Mas há nessa história algo de romântico e de auto sugestão de sucesso. Primeiro, porque a expatriação te eleva a uma condição privilegiada, já que nem todos têm a oportunidade. Segundo, porque hoje, no mundo dos negócios, se valoriza mais quem tem relações multiculturais e um pensamento globalizado. Essa é a parte, digamos, boa da parada, uma vez que ela traz um crescimento inestimável como ser humano e profissional a qualquer indivíduo.

Mas é preciso estar preparado, muito preparado. O processo de expatriação passa, obrigatoriamente, por uma série de etapas. A primeira delas tem origem no convite feito pela empresa ou em alguma oportunidade que ela abriu e você se candidatou. Mais no primeiro do que no segundo modelo, vem a parte delicada, que é a negociação das condições do international assignment. Ir sozinho ou com a família também muda bastante essa perspectiva. Em geral, as organizações que estão mais acostumadas com essa rotação, possuem um programa de expatriação bastante avançado, com todo o apoio de consultorias fiscais, tributárias e sociais, o que permite aos profissionais uma chegada menos traumática. Sim, são raros os casos nos quais elas não são.

As duas faces Lembro-me da história de um bom amigo que teve todas as condições facilitadas para chegar ao seu destino e desempenhar o papel com muito talento. As condições financeiras eram diferenciadas. Ele pode escolher a escola dos filhos com antecedência, conhecer previamente o lugar que moraria, ser apresentado aos locais de comércio e serviços, hospitais e tudo o que nós precisamos saber, principalmente quando estamos longe. A grande surpresa foi na chegada. Foram recebê-lo no aeroporto e, ao entrar em casa, o carro novo já estava na garagem, os cartões de visita pessoais sobre a bancada com um folheto de boas-vindas e, acredite, a geladeira cheia de alimentos que eram comumente consumidos pela família. Segundo ele, apesar de ter enviado uma lista, jamais esperava tamanho cuidado. Não preciso dizer sobre a dedicação que todos empenharam para fazer da experiência algo gratificante. Apesar disso tudo, os seis primeiros meses foram bastante difíceis, com muita burocracia, saudades de casa e dos amigos, da fruta barata, além de ter de gerenciar a complexa adaptação da molecada na escola. Mas todos, sem exceção, apresentavam uma legítima intenção de romper com mitos, crenças e costumes, e vencer aquilo.

Já há casos nos quais vários profissionais, tendo a ideia de que em mãos possuem “a maior de suas oportunidades”, topam deixar o país sem pensar muito nas consequências de seu aceite. Em geral, a situação acontece com aqueles que trabalham em empresas que não estão muito acostumadas a expatriar ou que começam a fazê-lo em função de uma fusão ou aquisição, por exemplo. Estudos revelam que mais de 30% das expatriações acabam em frustração.

Sair de seu conforto e do convívio com familiares e amigos têm um preço e esse precisa fazer parte do pacote, como também precisa fazer parte do pacote o entendimento de que o período de expatriação, em geral entre 1 a 3 anos, é de fato uma oportunidade única que, se bem conduzida, pode levar o profissional a lançar âncora e ficar definitivamente no exterior, se assim for o seu desejo e o da família.

Se pudesse resumir dicas em poucas linhas, diria:

  1. Tenha ciência do tamanho da responsabilidade.
  2. Negocie todas as condições antes. Lembre-se de que sua vida vai mudar bastante, ainda que não faça a menor ideia de como ela será.
  3. Peça todo o apoio fiscal, tributário e social para sua saída e chegada.
  4. Informe-se sobre o seu destino. Pesquise aspectos históricos e culturais, hábitos e costumes, maneiras de se expressar e de se comportar.
  5. Não basta tudo o que já terá de realizar em relação a esta oportunidade. Sua família precisará muito do seu apoio, segurança e autoestima.
  6. Caso não tenha filhos, mas vai acompanhado, faça uma agenda diária para sua esposa ou marido. Isso envolve visitas a locais históricos, aulas de idioma, culinária local, etc. Quanto antes o acompanhante estiver adaptado, menos problemas relacionados ao choque cultural existirão. E se houver também a possibilidade de um visto de trabalho para ela ou ele, invista nisso.
  7. Entenda que esta, além de uma magnífica oportunidade de carreira e de desenvolvimento, é também uma chance para programar aspectos de suas finanças pessoais com vistas ao futuro.
  8. Desfrute de tudo o que o seu destino oferece. Viaje o máximo que puder, entre em algumas frias (em geral elas nos dão mais força), mas certifique-se de enfrentá-las com margem de segurança, principalmente com as crianças.
  9. Dependendo da idade, elas são as primeiras a se adaptar ao idioma e aos costumes. Aproveite o pequeno mestre em casa e estimule-o a ajudá-los.
  10. Também dependendo do lugar, as pessoas não vão te dar muita conversa. Para conquistar os locais é preciso entender primeiro o jeito e a maneira que eles atuam, assumir essas características e vivenciá-las. De certa forma, isso não quer dizer que não deve levar algumas coisas boas de sua cultura para eles, afinal, muitos gostam de alguns de nossos traços. O processo leva um tempo e precisa de cuidados, que naturalmente serão apresentados.
  11. Prove sabores.
  12. Aproveite para trocar experiências e conhecimentos com profissionais de todo o mundo. Aprofunde esses contatos (não precisa ser com todos) e ganhe amigos de vários cantos do planeta para o resto da vida.
  13. Agora que já entrou para o “clube dos expatriados”, procure saber o que os outros já passaram e evite contratempos.
  14. Quando em uma noite (essa noite sempre aparece) algum de vocês sucumbir e cair em prantos com a pergunta: “o que é que estamos fazendo aqui?”, saiba que estão lá para uma missão profissional e de vida a qual será sempre enriquecedora em seu destino., qualquer que seja ele.
Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luis Alcubierre

Luis Alcubierre é executivo de Comunicação Corporativa, Relações Institucionais e Governamentais há mais de 25 anos e hoje atua como conselheiro para a América Latina da Atrevia, agência espanhola de PR e Corporate Affairs, além de liderar o escritório Advisor Comm. É também palestrante, mediador e mentor. Formado em Comunicação Social pela FIAM, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e MBA pela FIA-USP, com diversos cursos de gestão de liderança e negociação realizados em instituições como IESE, Berlin School of Creative Leadership, Columbia Business School, Universidad Adolfo Ibañez, Escuela Europea de Coaching, Fundação Dom Cabral, IBMEC e FGV. Foi diretor de Comunicação e Assuntos Corporativos de empresas como Kellogg, Pernambucanas e Samsung, onde teve responsabilidades adicionais pela Comunicação na América Latina. No Grupo Telefônica, assumiu a Direção Global de Marca e Comunicação da Atento em Madrid, na Espanha, sendo responsável pela gestão da área em 17 países. Passou ainda por Dow Química, TNT (adquirida posteriormente pela Fedex) e Rede (antiga Redecard), tendo iniciado sua carreira no rádio, nos sistemas Jornal do Brasil e Grupo Estado. Também foi membro do Conselho de associações ligadas às indústrias de alimentos, varejo, vestuário e mercado financeiro, onde teve importante papel negociador em distintas esferas de governo.

  • COMPARTILHAR: