O 5º Poder – as organizações por trás das notícias
Na comemoração dos dois anos da Operação Lava Jato, estava eu no auditório de um hotel em Curitiba, recepcionando jornalistas credenciados para cobrirem palestra do juiz Sérgio Moro no Seminário sobre Lavagem de Dinheiro patrocinado pela Unafisco – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal e coordenado pela Rapport. À espera do magistrado, trocava ideias com os repórteres, alguns com vasta experiência em jornalismo investigativo, como Graciliano Rocha, então correspondente do jornal “Folha de S. Paulo”.
– A imprensa vive a era do ouro com a Lava Jato. Não me lembro de ter visto uma profusão de escândalos revelados pelo jornalismo, com desdobramentos inéditos no país, prisões de megaempresários e políticos… – opinei.
– Ao contrário, era do ouro foi à época do governo Fernando Collor de Mello, quando dávamos furo jornalístico atrás de outro. Hoje, tudo que nos chega é resultado de vazamentos seletivos – interrompeu-me.
Não apenas ele pensa assim. O jornalista Mário Sérgio Conti traçou bem a diferença da exposição da corrupção no Brasil nos últimos 25 anos. Em artigo, também na “Folha de S. Paulo”, o colunista fez um paralelo entre essas duas épocas, dizendo que os protagonistas mudaram de mãos. Saíram da imprensa para a Justiça. “Em 1992, repórteres apuraram os fatos. A CPI sobre Collor partiu deles para estender a investigação e a Câmara afastou o presidente. […] Enquanto a imprensa tinha sua hora alta, a Justiça ficou de lado. […] No affaire Dilma, a imprensa pouco investigou. Fruto do espraiamento da internet e da míngua de assinantes e verbas, redações sucateadas de jornais, emissoras e revistas vivem dificuldades. […] A apuração dos delitos foi feita pela Justiça.” Uma das poucas exceções de jornalismo investigativo na Lava Jato foi o sítio do ex-presidente Lula, em Atibaia.
As considerações de Mário Sérgio encerram alguns sinais que expandidas formam uma exuberante mandala que expõe como as fontes de informação e seus comunicadores subiram na hierarquia da cadeia midiática. Segundo estudo publicado, em 2015, pelo Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, da Universidade de Oxford, ao contrário do que acontecia até 20 anos atrás, quem hoje dá as cartas na mesa são as organizações. Não por acaso, anúncio recente da Agência Reuters de vaga aberta para repórter procurava profissional cuja tarefa era a de “buscar matérias exclusivas sobre empresas”. Uma das qualidades era que tivesse “fontes nas empresas e bom trânsito com assessorias de imprensa”.
O impulso que jogou o pêndulo para o lado dos comunicadores foi a internet e os subprodutos derivados dela com suas irreversíveis implicações nas formas de se produzir e de se consumir notícia. O primeiro aspecto é que com a infinitude de fontes geradoras de informação disponível, o público passou a devorar conteúdo seja ele verídico ou mero rumor, seja do jornalismo profissional, seja de blogs ou redes sociais. A sociedade imergiu no excesso, no consumo desmesurado, sobretudo de informação que trafega na web, causando catatonia nas pessoas – como bem alerta o professor Paulo Nassar, da ECA-USP -, tirando delas a capacidade em dar sentido às imagens e mensagens que consomem.
O jornalista das redações da grande imprensa não está imune a esse fenômeno. Mais exigido cabe a ele encontrar significado e relevância na avalancha de informações que lhe chegam diariamente de inúmeros mananciais. O tempo escasseado pela concorrência da internet e das redes sociais com sua instantaneidade e mobilidade – agravado pelo ritmo industrial imposto pelas empresas de notícia na produção de material para divulgação -, ganhou feições de garrote que sufoca até o limite o jornalista. As reportagens passaram a ser cada vez mais transitórias e suas repercussões, breves. Como comentou em seu perfil no Facebook a editora executiva do “El Pais”, no Brasil, Carla Jimenez, o “jornalismo está vivendo a inflação da notícia. A informação de manhã já não vale ao meio-dia, e a do meio-dia tem prazo de validade até às três da tarde, digo, duas, digo… xapralá”.
Transformações essas impactaram o modelo de negócios das empresas de notícia. Vendo-se diante do desafio de travar uma disputa desleal pela audiência com as redes sociais, em produzir conteúdo qualificado pago na internet, em oferecer novidades a todo momento, em motivar engajamento, em segurar seus leitores no online e não perder os do impresso para continuar atrativo aos anunciantes -responsáveis por 80% do financiamento da produção de notícia, segundo Ken Doctor, em seu livro “Newsonomics: Twelve New Trends That Will Shape the News You Get”.
Com menos dinheiro e tendo como missão o lucro, as empresas de notícias foram pragmáticas: reduziram custos, cortando na carne. As redações dispensaram profissionais premiados e os substituiu por profissionais mais baratos: freelancers, recém-formados e estagiários. Salários menos atrativos também provocaram o êxodo de jornalistas experientes para grandes agências de comunicação. A fim de atender a audiência, faminta por conteúdo instantâneo, parcerias com agências de notícia foram firmadas, precipitando o fechamento de sucursais. Há pouco, a “Folha” baixou as portas da sucursal do Rio de Janeiro.
Ensanduichados de um lado pela pressa do mundo digital e de outro pela concorrência, sob constante pressão para obter notícias exclusivas que surpreendam o público, e sobrecarregados de assuntos para apurar, os repórteres perderam a condição e o tempo para escrever reportagens densas e reflexivas. Nesse cenário de fast food da notícia, a grande imprensa fez a escolha por abandonar o jornalismo investigativo. Não há mais lugar para spotlights. Não no Brasil.
Não é preciso ser da área para entender aonde isso foi parar: a apuração jornalística ficou mais deficiente e as redações tornaram-se como que dependentes químicos das boas histórias geradas nas organizações, que as disponibilizam quando lhes forem estrategicamente convenientes. Em situação de vantagem, os comunicadores têm diante de si um horizonte promissor. Basta aplicar às narrativas os mesmos padrões da notícia para amplificar a voz de seus porta-vozes na mídia.
Se até a era da internet, era a imprensa que detinha o poder de determinar quais assuntos fariam parte das conversas das pessoas, teoria essa conhecida como agenda-setting, na atualidade são as fontes relevantes de informação quem constroem a agenda noticiosa. Isso é exercitar o poder, criar percepções sociais e de mercado favoráveis.
Já dizia Michel Foucault que as relações do poder reproduzem-se, justamente, nos textos e nos discursos cujos fluxos de comunicação abrem e fecham redes de conhecimento. Para o filósofo francês, o poder está ligado à produção de discursos, absorvidos pelas pessoas como seu próprio pensamento sem que elas percebam. É uma atividade sutil, camuflada nos meandros dos discursos cotidianos. “As relações de poder estão talvez entre as coisas mais escondidas no corpo social.” O poder é invisível, mas se manifesta nas narrativas que recebemos a todo momento na imprensa.
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