Nas entrelinhas da notícia, a chave do sucesso
Na obra “O mistério de Marie Rogêt” de Edgar Alan Poe, o detetive Auguste Dupin, precursor de Sherlock Homes, desvenda o intrigado assassinato de uma linda jovem em Paris tendo como base os jornais locais da cidade, sem nunca ter tido acesso ao corpo da vítima[1]. Em sua investigação, ele explora as afirmações e as contradições das reportagens sobre o crime. Separa as informações relevantes das de pouca importância. Percebe inconsistências e relaciona elementos aparentemente desconectados à procura do elo que leva ao assassino. Sua principal ferramenta é o raciocínio lógico e a capacidade de descrever os acontecimentos passo a passo, elucidando cada detalhe a partir do noticiário.
Tanto para o perspicaz personagem de Alan Poe como para o comunicador, não existem segredos, nada está oculto. A chave que abre a porta da imprensa para a corporação ou instituição à qual presta serviço, embora nem sempre óbvia, muitas vezes está diante de seus olhos, nas linhas, ou melhor, nas entrelinhas dos textos e das declarações dos entrevistados. Assim como o repórter atento e experiente consegue fazer a leitura subliminar dos acontecimentos, o comunicador precisa desenvolver talento e técnica para tornar visível o subtexto, detectar, no que não foi dito, oportunidades camufladas no corpo das reportagens para promover a imagem ou o ponto de vista de sua organização. Basta uma expressão, uma ideia inserida na notícia para que possamos extrair e lapidar uma narrativa atraente.
O que seria construir uma sugestão de pauta com grande potencial de notícia? Primeiro, como aconselha o especialista em comunicação, Jorge Duarte, no livro “Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia”, evitar o fundamentalismo corporativista, que em outras palavras é a informação sem qualquer diferencial com fortes traços de autopromoção. Os veículos de comunicação, que vivem o desafio de satisfazer uma audiência altamente volátil num ambiente digital de muita concorrência e distração, estão abertos a conteúdo que provoque repercussão, comentários e curiosidade. Além de aumentar a venda em banca de suas edições, a intenção é atrair a atenção e segurar as pessoas por mais tempo possível em suas páginas on-line. Num mundo cada vez mais complexo e transitório, as redações não têm pernas para acompanhar tantos eventos simultâneos sem a contribuição dos comunicadores.
Essa relação de interdependência nos abre uma grande janela para construir uma agenda positiva, desde que façamos nossa lição de casa, que em outras palavras significa pensar fora da caixa, surpreender, provocar epifanias no jornalista. Tal façanha só é possível se tivermos o entendimento do que é notícia nos dias atuais. Os fundamentos basais não mudaram: notícia precisa ter relevância social, política ou econômica, ser verdadeira, atual e inédita. Mas a esse conjunto de elementos, foram adicionados outros trazidos pela maré digital. A notícia hoje é muito mais efêmera do que era antes da internet. Em questão de minutos, outro tema pode captar o interesse do leitor e esse por outro numa espiral que só se esgota quando se esgotam os assuntos, o que até agora não aconteceu. Não por acaso, os órgãos de imprensa optam por histórias que contenham alta carga para viralizar.
Quem não se lembra dos órgãos de imprensa estampando em suas páginas matérias sobre a ameaça do ex-diretor da Área Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, preso havia poucas semanas na Operação Lava Jato, em processar quem fabricasse máscaras de Carnaval com seu rosto? Qual a relevância desse fato para estar na editoria de política do “O Globo” em vez de em algum caderno de entretenimento ou de assuntos gerais? Absolutamente nenhuma. É típica matéria que não muda a vida de ninguém, mas que provoca ti-ti-ti por seu aspecto jocoso que magnetiza o público. Nos dias seguintes à divulgação do fato, era um dos acontecimentos mais comentados, segundo o Trending Topics do Brasil, nas redes sociais e claro nas rodas de amigos e com colegas de trabalho. A reação online de quem leu a matéria de “O Globo” contabilizou mais de 12,5 mil likes e mais de 5,6 mil compartilhamentos.
Gosto também de ilustrar, nos cursos que ministro, a preferência do público por assuntos interessantes como o episódio da nave Rosseta, cujo módulo espacial Philae tocou o solo do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. A importância para a ciência daquele momento histórico era enorme, porque a nave estava ali para investigar a origem do Universo, ou seja, a origem da própria humanidade. Mas naquele dia 12 de novembro de 2014, o pouso inédito rivalizava espaço nas redes sociais e nos portais de notícia com o ensaio fotográfico de Kim Kardashian nua.
Considerando que muitas das repercussões nas redes sociais são produto do que saiu na mídia e nos noticiários, o burburinho nas plataformas digitais são, ou deveriam ser, tomadas como referência pela imprensa e pelas organizações para parametrizar suas ações de comunicação.
Renato Dolci, que trabalha com monitoramento de redes e big data, confirma essa tendência do público. Ao jornal “Zero Hora”, ele afirmou que o monitoramento realizado para o governo federal, por exemplo, comprova que, à exceção dos dias pré-impeachment e da condução coercitiva do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, “…show do Luan Santana, qualquer coisa que a Anitta ou algum desses funkeiros faça, sempre movimenta mais que a discussão política”.
Eis o desafio do comunicador: dar um tratamento ao conteúdo capaz de seduzir o público. Como aplicar esse conceito na prática? O profissional deve antes de tudo ser constantemente atualizado sobre o que sai na imprensa. Não adianta se fiar nos clippings que recebe nas primeiras horas da manhã. Não é raro uma oportunidade de mídia estar numa editoria ou coluna não cobertas pelo serviço de clipagem. É atividade obrigatória estar por dentro do que sai na grande imprensa, nas publicações setoriais e nos jornais regionais. Dispor de uma equipe de comunicadores, que monitore com esse mesmo olhar a internet e o noticiário eletrônico de rádio e TV, dará maior amplitude e efetividade às ações de comunicação.
Como exemplo, trago um “case” da Rapport. A imprensa publicara uma notícia sobre a produção de passaportes sem alguns itens de segurança, a fim de agilizar a emissão, por conta do acúmulo de pedidos em atraso. A matéria limitara-se unicamente ao fato e aos motivos. A oportunidade de mídia encontrava-se justamente no que não fora abordado pelo repórter: as implicações para a segurança do país às vésperas dos jogos olímpicos, em tempos de radicalismo do Exército Islâmico.
Havia muitos elementos de relevância, de atualidade, de magnitude e de interesse popular no episódio: Olimpíadas e ameaça terrorista em solo ainda virgem nessa modalidade de violência. A Fenapef, federação que representa os policiais federais, encaixava-se perfeitamente no cenário descrito. Uma história bem contada, com todos esses ingredientes, explicando os efeitos colaterais da medida (facilitação na falsificação do passaporte, de um mercado negro que tem como interessados criminosos procurados que queiram fugir do país e para terroristas que queiram entrar no Brasil), é o que chamo de uma narrativa inescapável para as redações.
Para se chegar a esse refinamento, é preciso estar sintonizado ao que se passa no mundo refletido pela mídia e em certas situações, erudição. Num mundo essencialmente algorítmico, em que as atividades econômicas utilizam a tecnologia da informação para serem assertivos nos seus negócios, arrisco a dizer que a próxima fronteira será o uso de algoritmos e do big data para nortear as ações das agências de comunicação.
As agências de notícia já fazem isso. A Associated Press, uma das maiores do mundo, usa softwares para gerar automaticamente mais de três mil histórias por trimestre para seu website (dados de dezembro de 2015). Nos portais de notícia, “robôs” dão destaque às matérias na medida em que são mais acessadas. Como lamenta o proeminente jornalista britânico, Peter Oborne: “(na imprensa)Foi introduzida a cultura do clique no qual o mérito da reportagem está na quantidade de visitas online e não na importância do assunto”.
Gerar conteúdo de valor jornalístico, que seja tanto importante como interessante, é também endógeno. Dia desse, a editoria de Mercado da “Folha de S. Paulo” trouxe uma matéria sobre grandes bancos dos Estados Unidos que passaram a contratar militares que atuaram nas guerras do Iraque e do Afeganistão para liderar e trabalhar em equipe. O caráter inusitado da informação (atividade financeira exercida por militares) já por si só era notícia. Só que as instituições citadas na matéria colheram muito mais do que simples promoção da ideia. Essas organizações transmitiram de maneira sutil uma mensagem positiva para a opinião pública de responsabilidade social ao empregar veteranos com dificuldade para se reinserirem no mercado de trabalho. Pegaram carona na credibilidade de que as Forças Armadas gozam, num país que cultiva o patriotismo. Além de se projetarem como inovadoras também na área de Recursos Humanos.
Outra condicionante para o sucesso no relacionamento com a imprensa é a legitimação do comunicador pela organização, como estrategista, como integrante do core corporativo, ter acesso e ser um tomador de decisões no board of directors. Esse atalho para que o comunicador tenha sucesso na promoção de suas organizações é aberto ao longo de tempo e exige dedicação, conhecimento, intuição, interpretação subjetiva e criatividade, atributos de que os algoritmos conseguirão dispor, somente quando puderem entender como ironia a frase “Muito honesto esse político, hein!” .
[1] “Enquanto você analisa a veracidade dos testemunhos, examinarei os jornais genericamente do que você os examinou até agora. Até o momento, fizemos o reconhecimento do campo da investigação. E será estranho que um levantamento abrangente dos periódicos, tal como proponho, não nos forneça os indícios pontuais que estabelecerão a direção do inquérito”.
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