30 de abril de 2014

A ditadura ideológica

Nestes tempos de histórias requentadas, lembrei-me de um assunto que me atormenta há muito tempo e que está relacionado a algo tão antidemocrático quanto autoritário: a ditadura ideológica.

Ela está impregnada nos lares, nas escolas, nas redes sociais, na rua, nas discussões do boteco, em qualquer lugar. A ditadura ideológica é como um vírus que insistentemente tenta invadir um grupo, uma comunidade e até mesmo toda uma sociedade, mas apenas encontra ambiente para sua proliferação quando o sistema imunológico está debilitado. Esse complexo defensivo é formado basicamente por uma infraestrutura educacional de qualidade e alto rendimento dentro da qual a diversidade é vista como um elemento agregador e o “pensar” cria uma imunidade contra o engano. Não à toa que em países nos quais a educação é o núcleo por onde orbita a sociedade, as diferenças são tratadas através do diálogo, de uma avaliação em perspectiva e dentro de uma conduta no mais alto nível e respeito, objetivando, claro, o bem comum. As coisas funcionam porque são baseadas em uma Constituição, em leis, em acordos explícitos e até tácitos, mas, sobretudo, porque são seguidos de comum acordo por questões morais e éticas. Evidentemente não existe uma sociedade perfeita porque somos imperfeitos por natureza, mas ao estabelecermos mais claramente o que parece ser certo e errado à luz das regras de convivência, fica mais complicado influenciar pessoas sem que estas ao menos reflitam sobre se uma determinada ideia é válida ou não para elas, mas principalmente para a coletividade.

Ninguém cresce da mesma maneira. Em geral aprendemos do que vemos de nossos pais, da escola, do que vivenciamos com nossos colegas e amigos, do que lemos, do que presenciamos, ouvimos e sentimos. E isso parece não ser suficiente porque é apenas parte das experiências antropológicas que jogam um papel importante em nosso desenvolvimento. O problema é que vivemos em uma era pouco iluminada. O acesso à educação, por exemplo, ainda é um privilégio no mundo. De acordo com a Organização das Nações Unidas, cerca de 90 milhões de crianças não têm a oportunidade de estudar e em muitos países, quando elas têm, o ensino é precário. Pior que isso, só os 2,5 bilhões de pessoas no planeta que não têm acesso a saneamento básico. Nesse cenário fica muito fácil driblar mentes, criar verdades através de mentiras e construir teias e labirintos que atuam a serviço do poder ideológico, muitas vezes encapsulado por sistemas partidários alimentados por um círculo de lideranças que se apropriam e se alimentam dessa roda. Falta, obviamente, o foco no desenvolvimento humano e no bem estar das pessoas. Tão simples e caótico quanto isso.

Mas por incrível que possa parecer, muita gente privilegiada intelectualmente cai na rede igual a peixe e defende com unhas e dentes a sua crença, sem perceber que a ideia por trás dela está gerando um tremendo mal estar e resultados pouco profícuos para a sociedade como um todo. Se não, vejamos: somos diariamente submetidos a disputas ideológicas e a guerras de informação que mais nos confundem do que explicam, que mais estimulam a dúvida do que a esclarecem. Não existe mal maior, em minha opinião, que ficar com cara de paisagem, sem saber o que aconteceu e sem ao menos fazer ideia de quem ou o quê está por trás daquilo que nos empurra. Não me refiro apenas a correntes político-partidárias, mas também a outros tipos de ideias e ideais que apertam o parafuso além da conta. É a dieta bacana, o carro que faz isso, o celular que faz aquilo, a viagem diferente, o post inteligente ou engraçado. Acabamos quase todos, por mais preparados que estejamos, sendo vítimas de algum tipo de força que nos faz sentir aceitos, estarmos na onda e, portanto, “vivos”.

É preciso, entretanto, parar no acostamento, fazer um pit-stop e refletir sobre todos os lados, sobretudo aqueles que não coadunam com a nossa forma de pensar. Quanto maior o conhecimento sobre o sincretismo filosófico, mais rico será o repertório e nossa capacidade de dirimir e escolher, além de saber aceitar opiniões diferentes legitimadas por argumentos desenvolvidos individualmente. Enquanto um monte de gente seguir jogando pra torcida, a arquibancada continuará torcendo e se esquecendo de que o jogo que mais interessa é aquele no qual não há derrotados.  

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luis Alcubierre

Luis Alcubierre é executivo de Comunicação Corporativa, Relações Institucionais e Governamentais há mais de 25 anos e hoje atua como conselheiro para a América Latina da Atrevia, agência espanhola de PR e Corporate Affairs, além de liderar o escritório Advisor Comm. É também palestrante, mediador e mentor. Formado em Comunicação Social pela FIAM, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e MBA pela FIA-USP, com diversos cursos de gestão de liderança e negociação realizados em instituições como IESE, Berlin School of Creative Leadership, Columbia Business School, Universidad Adolfo Ibañez, Escuela Europea de Coaching, Fundação Dom Cabral, IBMEC e FGV. Foi diretor de Comunicação e Assuntos Corporativos de empresas como Kellogg, Pernambucanas e Samsung, onde teve responsabilidades adicionais pela Comunicação na América Latina. No Grupo Telefônica, assumiu a Direção Global de Marca e Comunicação da Atento em Madrid, na Espanha, sendo responsável pela gestão da área em 17 países. Passou ainda por Dow Química, TNT (adquirida posteriormente pela Fedex) e Rede (antiga Redecard), tendo iniciado sua carreira no rádio, nos sistemas Jornal do Brasil e Grupo Estado. Também foi membro do Conselho de associações ligadas às indústrias de alimentos, varejo, vestuário e mercado financeiro, onde teve importante papel negociador em distintas esferas de governo.

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