Você fala Internetês?
Imagine um desses dois textos no Whatsapp, ou no Facebook:
“O diabo existe e não existe
De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícil, peixe vivo no moquém: quem mói no asp’ro não fantasêia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei nesse gosto de especular idéia. O diabo existe e não existe. Dou o dito.”
“Somos uma empresa de representação de vendas e temos em nosso quadro funcional apenas vendedores altamente capacitados e profissionalizados. Conheça nosso portfólio e nos procure para representar sua empresa em municípios da região.”
O primeiro é um trecho famoso do “Grande Sertão”, do Guimarães Rosa, e o segundo encontrei no site de uma empresa de terceirização de vendas. Ambos são muito bem elaborados para seu propósito original (o do Guimarães Rosa é genial), só que nenhum dos dois fala a linguagem da Internet. Mas, o que seria essa linguagem?
A simplificação remete à imbecilidade, típica dos tweets em dia de jogo das grandes torcidas, como este: “Firmino entrou e a galera gritou vai Safadão, vai Safadão, kkkkk, o brasileiro é 100 limites”. Mas, apesar de imbecil, esse tweet é divertido, muitos leem e todos entendem. E esse é o objetivo de quem “fala Internetês”.
Esses dois objetivos são bastante distintos. Para que todos entendam é preciso falar uma linguagem que antigamente chamávamos de telegráfica (lembra do PT saudações?), expondo claramente o sentido do texto por meio de abreviações, hashtags e palavras-chave. Para que todos leiam (curtam e compartilhem) é preciso mais: é preciso “pegada”, originalidade, criatividade e um pouco de provocação.
Aprecie um texto escrito em Internetês, de baixo nível, mas bem sacado:
“Oi, td ok? Tô c sds D vc. Qdo vem pra K? A Mari kso e a festa foi 10, mas eu N csg ir. Vamofalá. Me add no whats e no FB. Bj/Dani”.
Para escrever o tipo de texto apreciado nos altos papos das redes sociais, além dos Emoticons, você precisa conhecer alguns termos cifrados, como, por exemplo, para risos (Rs / kkk / Huahua / Hihihi), ou bordões (só que não/ sua linda/ #chatiado/ #partiu…). E aí usar a originalidade para construir textos “catching”.
Textos curtos e originais, que engancham o público existem desde sempre. Adoro, por exemplo, este trechinho do saudoso Stanislaw Ponte Preta (que morreu muito antes da Internet aparecer): “Quem gosta de doce-de-coco sabe a importância de um circunflexo”. A internet é pródiga de textos maravilhosos, que certamente o velho Stanislaw assinaria. Em princípio, não deveríamos ter preconceito com as abreviações e outros recursos linguísticos da Internet. O problema não está na linguagem e sim no contexto. Tweets, posts no Facebook, textos de um blog ou hashtags do Instagram têm formatos diferentes. E a confusão começa quando postamos o conteúdo de uma plataforma em outra, sem a devida adequação.
A abreviação em textos da Internet, bem como as improvisações linguísticas, não deveriam ser vistas como algo necessariamente ruim. O problema não está na linguagem e sim nas pessoas, que não conseguem adequar os conteúdos ao contexto de cada interação, para cada plataforma. Se o conteúdo é para amigos, num e-mail, o informalismo é adequado. Mas, se você está falando para um público maior, num e-mail marketing, ou nos posts das redes sociais da empresa, a linguagem deveria ser outra (leve, mas formal). E mesmo com amigos, vale lembrar que o excesso também pode “emburrecer” quem usa (coisas como tirar o acento agudo e colocar um H no lugar, ou usar “naum” em vez de não, são exemplos de babaquice explícita).
Moral da história, a Internet é informal, a linguagem é telegráfica, você precisa expor rapidamente o coração de cada mensagem, mas isso não justifica a inadequação. Então, antes de um Emoji, ou de uma piadinha sem graça, se pergunte: se estivesse lendo o que estou escrevendo, o que acharia de mim?
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