08 de agosto de 2006

O jornalismo sanguessuga

Os políticos brasileiros, de uma maneira geral, nos últimos meses destruíram ainda mais a já combalida credibilidade da atividade. Incrível: trabalharam como nunca para isso. Sujaram tanto suas biografias, que é quase um milagre não ter surgido, ainda, um movimento para fechar o Congresso.

Ideias antidemocráticas habitam mentes que criticam ferozmente o Congresso das Sanguessugas, a imaginá-las como uma disfunção da democracia. Mas acredite: uma ditadura é pior, muito pior, do que isso que está em Brasília e em outras capitais brasileiras. Ainda carregamos nossas cicatrizes e feridas abertas, produzidas pela ditadura militar.

Estão desacreditadas as palavras políticas, por conta do emporcalhamento da atividade política. É difícil encontrar alguém que acredite na retórica política, em slogans de natureza social pronunciados por políticos. Os rápidos no gatilho, os astutos, têm deslocado suas falas para outros territórios, o do jornalismo online, cujo suporte é o blog, que, no primeiro momento, não lembram os palanques e os auditórios tradicionais da política tradicional.

A conversa jornalística tem uma aura de credibilidade que a propaganda e a publicidade não alcançam, mesmo quando movidas por muito dinheiro. Juntam-se a isso a velocidade e a conveniência das novas mídias digitais e temos o surgimento de uma malta de políticos profissionais, a produzir e distribuir suas próprias notícias, boatos, despistes e informações imprecisas.

O joio e o trigo

Pensadas pelos marqueteiros do poder, as novas salas de imprensa de políticos e partidos seguem a mesma lógica: produzir situações para serem gravadas, fotografadas e distribuídas, como os sites e correntes de e-mails de organizações não-governamentais credíveis, como o Greenpeace.

O ambiente dessa comunicação política brasileira lembra em parte a comunicação política inglesa dos anos 1990, quando emergiram lá os spin doctors, jornalistas e relações-públicas pagos para produzir informações que desqualificassem os opositores de políticos e de corporações. Entre esses seres da desinformação se destacava Peter Mandelson, assessor de Tony Blair nas eleições de 1997, especialista em sapecar com intrigas e factóides a imagem dos concorrentes do Partido Trabalhista inglês.

Assim como a publicidade se apossou dos discursos religiosos, das bandeiras da ética e das igualdades, com o objetivo de construir marcas maciçamente consumidas, com gosto de cidadania e sensação de se estar fazendo o bem; agora, os políticos escrevem suas manchetes.

A frase, muita citada, diz que o jornalismo é a arte de separar o joio do trigo, tomando cuidado de jogar o trigo fora, parece cada dia mais real.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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