Da vaga lembrança
Vivemos dentro de uma grande máquina de esquecimento. Nela, o hábito é produzir enlouquecida e velozmente informação, claro que nem sempre nova. Notícia efêmera, fugaz, que foge da interpretação e de uma possível geração de conhecimento, porque é informação que objetiva estimular e acelerar a produtividade e o consumo, sem se importar com uma grave conseqüência: o alto custo social e ambiental. Nem mesmo a destruição de instituições, empresas, sociedades e comunidades inteiras parece não nos tocar, alertar, ensinar.
Já não nos lembramos mais de nada que tenha acontecido há mais de 20 minutos, um atestado da nossa triste condição de prisioneiros do momento, do instante. Contra a memória é possível apostar – e ganhar. Ela, a cada dia é elevada à condição de mito administrado. A memória que quer se tornar viva é alvo de reação.
Nos últimos meses, na Espanha, estabeleceu-se uma grande discussão pública sobre responsabilidade histórica com o objetivo de identificar os milhares de mortos republicanos, assassinados pelos franquistas, durante a Guerra Civil Espanhola e, até então, jogados em valas coletivas. É um tema traumático. E nos lembra os debates sobre os presos políticos, torturados e desaparecidos, no Brasil, Argentina, Chile e outros países sul-americanos, nas respectivas ditaduras dos últimos 40 anos.
É possível esquecer os mortos, feridos, desaparecidos e seguir em frente?
Pesquisa recente do DataFolha revelou que a maioria dos brasileiros desconhece, depois de 40 anos, o famigerado Ato Institucional número 5 (AI-5). O contexto, as razões e as conseqüências de sua decretação são desconhecidos por uma multidão no país. Os brasileiros não conhecem a história do país, uma limitação educacional que não é apenas nossa, mas de outros povos, tidos como mais educados e cultos.
Em 2008, o cineasta alemão Dennis Gansel realizou o filme “Die Welle” (“A Onda”), que mostra os perigos do esquecimento histórico. O filme em síntese conta que no outono de 1967, Ron Jones, um professor de história, em Palo Alto, na Califórnia, não conseguiu responder a pergunta de um aluno: “como é possível que o povo alemão alegue desconhecer o massacre do povo judeu?”.
A partir daí, Jones decidiu realizar, durante cinco dias, uma experiência com seus alunos: decretou um regime de extrema disciplina em suas aulas, com a restrição das liberdades individuais e a fixação de um ideário único.
Para a surpresa de Jones, os alunos assumem, com os seus corações e mentes, as bandeiras da nova ordem, e começam a vigiar e espionar uns aos outros, além de ameaçar quem não se unisse ao grupo, que se autodenominou The Third Wave. No quinto dia, Jones foi obrigado a acabar com a experiência, que transformou seus alunos adolescentes em novos nazistas. O filme de Gansel alerta: viver apenas com a perspectiva de consumir novas informações, sem refletir sobre o que se experimenta individualmente ou em sociedade, pode trazer velhas novidades, entre elas, regimes totalitários e ditaduras.
Diante desse furor informacional que nos abarca, é muito provável que, mais para frente, nos esqueceremos das razões da crise financeira global, dos financeiros ladrões, das empresas e dos governos não-governados, da sapatada no Bush, da grande enchente em Santa Catarina, do desastre ambiental da Amazônia, do desaparecimento da Mata Atlântica, do degelo dos pólos terrestres, do aquecimento global, do desemprego e também do ano de 2008.”
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