04 de fevereiro de 2008

Controlar empresas

A confiança, como valor, deve ser uma percepção gerada em permanência, no âmbito da sociedade, por empresas e governos, sob o risco de provocar altos impactos negativos como, por exemplo, a crise financeira norte-americana anunciada em fins de 2007 e efetivada em 2008, que contamina os mercados no mundo todo. Milhões e milhões de pessoas, dependentes das atividades empreendedoras, acionistas de todos os portes e empregados temem que suas economias, em ações ou salários, podem ser devoradas pelo complexo mundo financeiro.

A desconfiança é um sentimento contemporâneo, refletido no sobe-e-desce das ações nas principais bolsas mundiais, reflexo de atitudes e opiniões dos dirigentes governamentais, de instituições financeiras. E, coincidentemente, a desconfiança em relação à gestão dos negócios reaparece no recente caso do sólido banco francês Société Generale. Diz a versão oficial que escolhas ruins de um operador de mesa, de terceiro escalão, resultaram em uma perda de 7,2 bilhões de dólares. Diante desta cifra, pergunta-se sobre os controles que as organizações têm sobre suas operações. A resposta não é convincente. Afinal, como a movimentação de um valor desta grandeza não é percebida a tempo de minimizar as perdas deste banco e em outros casos também na Europa e nos Estados Unidos?

Discussão delicada

Quem administra as grandes empresas e seus conselhos? A sociedade quer saber quem controla a governança corporativa de organizações, muitas, economicamente maiores do que muitos países. E, por isso mesmo com enormes impactos sobre o cotidiano da sociedade. A falta de confiança na governança das organizações tem também efeito sobre a reputação das empresas, instituições e seus dirigentes. E reputação é sentimento profundo de alguém a respeito de outro. É, no fundo, a memória boa ou ruim que temos dos outros.

Hoje, uma crise financeira mundial, amanhã, um acidente industrial, casos que configuram um chamado major accident. Por exemplo, o vazamento de gás letal de uma fábrica da Union Carbide, em Bhopal, na Índia, em 1984, em que aproximadamente 5.000 pessoas morreram. Ou a contaminação por radiação atômica de milhares de pessoas, animais e do meio ambiente europeu, no desastre de Chernobyl, na Ucrânia, em 1985.

As grandes empresas, principalmente, são, potencial e permanente, geradoras de riscos econômicos, sociais e ambientais para a sociedade global. Por isso, a questão do controle social sobre elas, além de uma comunicação empresarial ética e competente, entra na agenda das grandes discussões necessárias, para o bem de todos. O grande obstáculo a superar é o estabelecimento de parâmetros de controle que não cerceiem as liberdades. Uma discussão delicada, importante e de alto nível.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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