A inovação das plataformas de comunicação
– Mãe, posso almoçar arroz, feijão e bife?
– Não! Hoje é dia de fígado com brócolis. Se não quiser comer pode se levantar da mesa e ir para o seu quarto!
Ai, ai, ai! Quem não se lembra de um diálogo assim com a mamãe durona da nossa infância? E é dessa forma que, durante muito tempo, ao longo de todo o século XX, a mídia se comunicou com o seu público. A Globo tem o “padrão Globo”, inquestionavelmente da maior qualidade, o Estadão tem os melhores articulistas e analistas do país, mas é isso. Não gostou? Muda de canal, ou compra outro jornal. Os nomes aqui são apenas ilustrativos.
Felizmente, o público mudou. Millennials são impacientes e não aceitam conteúdo “goela abaixo”. Demandam duas coisas:
- Terem opinião na escolha do conteúdo que querem ver.
- Terem a opção da produção de seu próprio conteúdo para publicar na plataforma. Ou seja, o novo perfil do público é bidirecional, atuando nas duas pontas (consumo e produção de conteúdo).
Talvez, das velhas mídias tradicionais, a que mais rápido e melhor tenha se adequado a esse novo perfil seja o rádio. Desde os primórdios da Internet e dos smartphones que os ouvintes são estimulados a atuarem como “jornalistas cidadãos”, produzindo conteúdo para ser reproduzido no ar e raramente furando os jornalistas profissionais na identificação de situações de alto impacto. Quando o avião da TAM explodiu sobre um galpão ao lado de Congonhas, as primeiras imagens a irem para o ar foram produzidas por um taxista.
Fora o rádio, que se integrou às redes sociais, produz imagem e virou TV, todos os demais componentes da chamada grande mídia (TV aberta, TV a cabo, jornais, revistas e portais de notícias) continuam insistindo na dieta de “fígado com brócolis”. Não vai dar certo. Já não está dando certo, o que se pode constatar pela falência (ou pré-falência) dos grandes grupos de comunicação, de joelhos diante da nova dinâmica do público.
E aí? A grande mídia morreu, substituída inexoravelmente pelo conteúdo publicado pelos cidadãos? Não! Nada substituirá a credibilidade e o alcance da grande mídia, que constrói, dá visibilidade e reputação para as marcas que as utilizam, produzindo fatos relevantes e anunciando. Mas é inquestionável que a forma como a grande mídia chega ao público terá que mudar, e rapidinho antes que o público desapareça. Na verdade, essa mudança já começou na mídia impressa e online.
Hoje em dia, os grandes nomes que vendem jornal ou geram audiência para os portais são marcas próprias, com seus blogs e opiniões independentes. Para citar alguns nomes, William Wack, Gerson Camarotti, Celso Ming, Eliane Cantanhede, Vera Magalhães, Prof Villa, Hélio Gurowitz, entre outros, produzem o conteúdo e as opiniões, que eu leio e assisto diariamente. Sem esses nomes, as plataformas de mídia que os veiculam teriam valor zero para mim como leitor. Ou seja, a produção editorial meio que imperial das marcas de mídia (na linha do fígado com brócolis) já está mudando.
O professor da PUC do RJ, Carlos Nepomuceno, em seu livro “Gestão 3.0: a crise das organizações tradicionais”, utiliza algumas marcas famosas de mídia para qualificar a evolução que está ocorrendo, bem embaixo do nosso nariz. O Prof. Nepô, como ele mesmo se autodenomina, qualifica o nível de modernidade da grande mídia em três categorias, cada uma delas associada a nomes conhecidos:
- Padrão Globo (Estadão, Exame, Veja, etc): o melhor padrão, mas sem direito a escolha. Decadente…
- Padrão Netflix (Spotify, iTunes, TV a cabo): enorme variedade de conteúdos, variedade essa definida pela marca, mas com os playlists e preferências definidos pelo público. Bem mais atual.
- Padrão YouTube (Instagram, Facebook): enorme variedade de conteúdos, produzidos e publicados de forma independente (por pessoas e empresas, inclusive de mídia) e cuja curadoria é feita pela plataforma. Moderno, trend setter com relação ao futuro da mídia.
Na verdade, o professor advoga que esse modelo de curadoria se aplicará a todos os negócios, não apenas à mídia, onde o consumidor terá voz muito ativa no desenvolvimento dos produtos e serviços que consumirá. É o padrão Uber, onde a plataforma só faz a curadoria do serviço. É o cidadão que escolhe o veículo e o serviço, a serem usados ou oferecidos. O mesmo cara que dirige à noite, pode pedir um Uber durante o dia.
E, supondo que essa tendência seja mesmo inabalável com relação à mídia, como ficará o papel das agências de comunicação (PR, digital e publicidade)? E aí a opinião é minha, pessoal e intransferível. Eu acho que o destino das agências de comunicação é se tornarem consultores dos seus clientes, que estarão nas duas pontas (marcas e veículos), identificando as tendências e as vibes do público que consome mídia. Será de enorme relevância o relacionamento com stakeholders (jornalistas, influenciadores de todas as categorias – profissionais e amadores, micro-influenciadores, analistas de mercado, analistas financeiros, colaboradores, clientes, etc). E a criatividade? Será cada vez mais importante, mas sempre associada à inteligência de negócios (BI, data analytics), inteligência artificial (AI) e pesquisas de mercado.
Mas, e a produção de conteúdo, que hoje é o core business das agências? O conteúdo jamais perderá sua relevância, mas a forma como será produzido mudará drasticamente. A produção, será em rede, colaborativa e compartilhada, em linha com o modelo vigente de economia do compartilhamento. Ter na folha de pagamento as melhores cabeças para produzir qualquer tipo de conteúdo, trabalhando como empregados de agências e/ou empresas de mídia, se tornará cada vez mais antieconômico, na contramão da independência de opinião e, acima de tudo, muito arriscado. Aguardemos cenas dos próximos capítulos.
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