A demonização das relações públicas
Publicado originalmente no Observatório da Imprensa em 21 de setembro de 2004
Os maniqueus estão de novo munidos com réguas e compassos tentando delimitar a geografia do jornalismo. Tarefa inútil e preguiçosa diante da complexidade de um mundo em que qualquer pessoa escolarizada, com água, esgoto e internet pode (e deve) criar e operar um veículo de comunicação, emitindo coisas como entretenimento, conversa fiada, opiniões e, inclusive, conteúdos jornalísticos.
Sitíos como este Observatório, blogs, torpedos telefônicos, mídias empresariais, comunitárias, sindicais, governamentais, assessorias de imprensa – e muitos outras formas que minha imaginação não alcança – estão fazendo jornalismo. Estão, sim, fazendo jornalismo fora das redações e das gráficas que eram os espaços sagrados do jornalismo tradicional. Estão, muitas vezes, emitindo aquelas notícias consideradas desinteressantes ou que incomodam os grandes aparatos gráficos e eletrônicos. O jornalismo invadiu o cotidiano daquilo que antes se considerava apenas como fontes jornalísticas. Hoje está entre as duas orelhas dos seres que são observadores críticos da imprensa.
Por esse ponto de vista de entrada, recuso-me a palpitar se assessor de imprensa deve ou não deve estar em mesmo sindicato – no caso, o dos jornalistas. É uma questão menor, gremial, cujo resultado será no mínimo a criação de mais uma corporação de ofício, que pela simples existência não garantirá para a sociedade coisas como competência, legalidade e legitimidade das atividades de seus membros.
Atividade democrática
A forte reação à criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) mostrou que a sociedade brasileira não quer mais controles – que não sejam sociais e democráticos – sobre o direito de expressão dos indivíduos e das organizações. Os jornalistas, veículos de comunicação, assessores e assessorias de imprensa que se norteiam pela excelência, ética e estética, com certeza sabem distinguir o que é jornalismo, o que é editorial, o que é denuncismo e o que é notícia de informações que devem estar em outros espaços e tempos da imprensa.
Por outro lado, não devemos nos esquecer que vivemos a era dos relacionamentos públicos. Por meio da comunicação, empresas e instituições devem, o tempo todo, estar prontas para informar e dialogar com os seus trabalhadores, fornecedores, distribuidores, consumidores, concorrentes, imprensa, sindicatos, autoridades, comunidades e organizações não-governamentais, entre outros públicos, sobre os impactos de suas operações nas pessoas, meio ambiente, economia e cultura.
Esse conjunto de atividades, em que a comunicação excelente e ética é fundamental, é o que se chama de relações públicas. A atividade de assessoria de imprensa – que deveria se denominar cada vez mais de ‘relacionamento com a imprensa’ – está no universo das relações públicas éticas e excelentes. É uma atividade de relações públicas.
A atividade que nos seus primórdios (final do século 19) teve como protagonistas pessoas como o agente de imprensa Phineas T. Barnum e o jornalista Ivy Lee, destacava-se apenas por seu viés jornalístico – que, nos últimos cem anos, incorporou valores, crenças, tecnologias e profissionais de áreas como psicologia, direito, ciências sociais e administração. Ou seja, é uma atividade democrática que ganhou uma dimensão estratégica para qualquer tipo de organização.
Necessidade premente
Para que o relacionamento com a imprensa seja excelente é necessário que o relacionador (seja jornalista ou não) tenha em suas mãos fatos organizacionais (incluindo produtos e serviços) dotados de atributos jornalísticos – isto é, que sejam notícias de interesse público.
Uma inovação empresarial, por exemplo, é notícia. É legal e legítimo que as empresas e instituições divulguem suas notícias com objetivos que ultrapassem a publicidade, tais como o de conquistar maior credibilidade e reforço de suas imagens e de seus compromissos com a sociedade onde têm as suas operações e negócios.
Quando fatos das empresas e instituições, que não sejam notícias, conquistam os espaços editoriais, temos aqui uma disfunção causada por incompetência e/ou falta de ética de quem está no âmbito das redações.
Esta afirmação também é verdadeira quando notícias de interesse da sociedade não são veiculadas. O jornalismo, nesses casos, é literalmente trucidado por coisas que podem ter a forma de presentes, almoços e pressões de lobbies corporativos, sindicais ou políticos. Situações como essas revelam a necessidade premente dos jornalistas, inclusive os que estão nas redações e sindicatos, conhecerem, sem demonizações, as relações públicas modernas e, principalmente, o funcionamento das relações não-públicas.
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