As marcas vivas
Nos anos 1960, Marshall McLuhan cunhou a expressão ‘o meio é a mensagem’. De lá para cá, a idéia de meio de comunicação ganhou abrangência e, cada vez mais, afirmamos que tudo é mensagem. Mas é insustentável a ideia de que só veiculamos mensagens pelos canais tradicionais, de massa: os jornais e revistas, rádios e televisões. Hoje, somam-se a eles todos aqueles convenientemente ao alcance de nossos sentidos. Afinal também nos comunicamos por meio dos exemplos, rituais, lugares, roupas e um sem número de objetos, muitos dos quais lugares do desejo, desenhados, criados, marcados e direcionados para nossos cérebros e bolsos.
Volta ao medieval
Os objetos dificilmente são lugares descarnados e sem espírito. Apenas os puristas, ou iconoclastas, na mesma linha daqueles que conceberam as leis paulistas contra os outdoors e os cigarros, propõem uma sociedade sem marcas. O rigor da lei a forçar o retorno ao útero medieval. Centros comerciais contemporâneos, aparatos modernos de comércio reduzidos a feiras, nas quais os cereais são vendidos a granel e embrulhados em folha vegetal. Um mundo radicalmente sem shoppings e butiques, como queriam os radicais do Baader-Meinhof, nos 1970, que queimavam supermercados na Alemanha para, pretensamente, libertar o mundo do capitalismo consumista. Ou também nos anos 1970, no ‘Kampuchéa democrático’, atual Camboja, o Khmer Vermelho aboliu a moeda e obrigou a volta da população para o campo, que resultou no massacre de milhões de cambojanos que se recusaram a voltar ao paraíso sem trocas.
Do lado direito da política, o nazismo e o fascismo promoveram holocaustos. O mundo neoludista reserva, provavelmente, para o futuro o banimento do plástico e sua substituição por sacolinhas de pano, fabricadas por um exército de famintos de algum país pobre.
De tal forma que a frase de McLuhan poderia ser ‘o lugar é a mensagem’. O lugar habitado pelas marcas, feitas por nossas digitais; marcas de nossos pés, impressas por nossos corpos e embalagens, em nossas casas, na vizinhança, no ambiente de trabalho, expandidas pela cidade, região, país, mundo. Marcas que são a memória de nossas identidades individuais e comerciais. Marcas fugazes, espalhadas pelo ambiente público e privado, que somadas produzem o sentimento de pertencer ou de não reconhecer a ligação a uma comunidade, uma cultura, uma empresa ou país.
Olho, por exemplo, a cidade de São Paulo e não me reconheço em meio ao congestionamento, a multidão que se entope de comida rápida e produz barulho inútil, que nos afasta do silêncio reparador e bom. O que nos liga a uma cidade hostil como São Paulo são as marcas sobreviventes, que resgatam uma narrativa em que o lugar antropológico é ainda um elemento quase exótico.
Marcar para pertencer
Marcar é fazer parte da natureza, do mercado ou do que edificamos. Por isso, procuramos deixar marcas em superfícies, embalagens, objetos passageiros ou imperecíveis. O autor, o protagonista, o artista, o administrador imprime suas marcas em pedra e em outros materiais brutos com a intenção da permanência e da transcendência.
É quase paradoxal: nos cemitérios os mortos jazem embaixo de embalagens marcadas em pedra. Nos crematórios é triste ver se transformarem em cinzas, fumaça. Afinal, todos deveriam ter o direito de voltar ao barro, ao pó, à primeira embalagem e à essência. O desaparecimento e o esquecimento, como diriam os gregos, é a pior morte.
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