Um lugar de memória
Em 56 anos a Aberje consolidou-se como o think tank da Comunicação Organizacional e tornou-se um epicentro democrático de reflexão e inovação
A história tem lugares de memória. E, quando refletimos sobre a trajetória da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), surgem imagens e sons que evocam afetivamente as muitas facetas da comunicação corporativa em território brasileiro. Nestes 56 anos de existência, a Aberje se consolidou como um dos lugares de memória da comunicação no Brasil, em uma interpretação adaptada do conceito do historiador francês Pierre Nora.
Os lugares de memória, como pensado nos anos 1980 por Nora em seu artigo Entre Mémoire et Historie. La Problématique des Lieux, são tangíveis, funcionais e simbólicos. E em todos esses âmbitos a Aberje se faz presente.
Como Lugar Tangível, a Aberje é tangível na forma de suas ações e decisões, de seus eventos, publicações e cursos, sempre na vanguarda das discussões e práticas de comunicação corporativa. Sua presença física, no Brasil e no exterior, nos principais debates do setor é um lembrete do compromisso com a profissionalização e a valorização dos comunicadores.
Como Lugar Funcional, a Aberje, nascida da visão de Nilo Luchetti, tinha um propósito desde sua origem: dignificar a comunicação empresarial e o comunicador. Luchetti, ao lembrar sua vinda ao Brasil como comunicador da Pirelli, frequentemente evocava a expressão italiana “Traduttore, traditore”, enfatizando a complexidade e a responsabilidade da tarefa de comunicar, de “traduzir” ideias sem perder sua essência, sem trair. Esse ethos de tradução, adaptado e ampliado, permeia a missão e a visão da Aberje, que busca adequar a essência da comunicação corporativa às singularidades do Brasil. Hoje ela se mantém como referência internacional na promoção do diálogo, no fortalecimento da cultura da paz e da comunicação não violenta e em outros temas que se situam no campo das Interfaces da Comunicação.
Como Lugar Simbólico, a Aberje se adensa na memória brasileira como espaço em que o comunicador corporativo é reconhecido e valorizado, sendo fundamental para o sucesso de empresas e instituições em uma sociedade permeada por debates e controvérsias. Em um cenário no qual questões como as mudanças climáticas, as desigualdades, a governança e o etarismo estão em voga, a Aberje celebra a cultura do diálogo e valoriza principalmente o papel da mulher comunicadora.
Na visão de Marc Bloch, em seu livro Apologia da História – ou o ofício de historiador, o ser humano tem uma obsessão pelas origens. Bloch indaga em suas reflexões se as origens são importantes por significarem “simplesmente começo”, um ponto inicial, algo que contém um embrião. Ou ainda se a importância de uma origem está em apontar para os caminhos, para as possibilidades que se realizarão ou não. Memória que desenha uma história, em que as reminiscências, as ruínas, os documentos importam. E as origens da Aberje importam. As origens da Aberje têm sentido e significado. Estão profundamente entrelaçadas com um período singular e luminoso da história brasileira, encerrado pelos anos de ditadura. Os fins dos anos 1950 e o início dos anos 1960 testemunharam a Bossa Nova, a fundação de Brasília, a arquitetura inovadora de Oscar Niemeyer, a mística companhia aérea Panair, um futebol inovador, símbolos do soft power brasileiro. Era um Brasil que exalava modernidade e otimismo, ainda que cercado por desafios.
As origens da Aberje estão profundamente entrelaçadas com um período singular e luminoso da história brasileira, encerrado pelos anos de ditadura
E foi nesse contexto, em 8 de outubro de 1967, impregnado pela ousadia e pela criatividade brasileiras, que a Aberje nasceu em São Paulo, preenchendo um vácuo e definindo um caminho para a comunicação corporativa. As palavras da professora emérita da Universidade de São Paulo Margarida Maria Krohling Kunsch afirmando, em uma de suas obras, que “A Aberje é a semente da Comunicação Organizacional no Brasil” ressoam hoje como uma verdade indelével.
Ao mergulharmos no documento A Comunicação Organizacional frente ao seu tempo, publicado em 2007, percebemos um eco da Missão, da Visão e dos Valores da Associação e de seus associados. O documento ressalta a capacidade inigualável dos comunicadores de enfrentar desafios ambientais, sociais e de governança. Não são apenas mensageiros, mas agentes ativos, tradutores da realidade, contribuindo para uma sociedade mais consciente e responsável.
A Aberje, ao longo das décadas, consolidou-se como o think tank da Comunicação Organizacional brasileira. Além de promover debates e capacitações, tornou-se um epicentro democrático de reflexão e inovação. É um lugar de conhecimento produzido em rede, em que principalmente os profissionais da comunicação e pesquisadores trabalham para moldar o presente e o futuro da área, abrindo cotidianamente espaços para as discussões sobre as técnicas, éticas e estéticas do campo da comunicação de empresas e instituições.
Neste 56º aniversário, a Aberje comemora não apenas uma rica trajetória, mas também o futuro. E, enquanto a Comunicação Organizacional enfrentar novos desafios e se reinventar, a Aberje permanecerá como uma bússola, guiando, inspirando e “traduzindo” as nuances de nossa época com um olhar sempre atento à sua herança e missão. É, sem dúvida, um lugar de memória, mas também um farol para as gerações futuras de comunicadores.
Paulo Nassar
é diretor-presidente da Aberje, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN ECA-USP)