Reputação, risco e conversas
Como qualquer outro ativo, reputação precisa ser medida considerando os objetivos estratégicos do negócio e o contexto em que eles se inserem
Quanto vale a reputação de uma empresa? Em 2012, estudo do Fórum Econômico Mundial considerou a reputação responsável por 25% do valor de uma companhia. Em 2020, pesquisa divulgada pela Weber Shandwick, realizada em parceria com a KRC Research, avaliou a reputação corporativa como um ativo praticamente inestimável: em média, os 2 mil executivos atribuíam à reputação 63% do valor de mercado de suas organizações. Má reputação, em contrapartida, torna produtos e serviços questionáveis, eleva o custo de atração e retenção de talentos, desperta escrutínio do poder público e promove sacrifícios no altar da internet (não necessariamente nessa ordem). Por fim, as expectativas de valor futuro do negócio se esvaem.
A reputação corporativa ganhou ainda mais relevância com a crise de confiança aprofundada pela pandemia de Covid-19 e em meio ao persistente cenário de polarização. A pesquisa Edelman Trust Barometer deste ano aponta que empresas e ONGs são as únicas instituições vistas como competentes e éticas (governos e mídia ficam no registro oposto, segundo o levantamento). Essas grandes expectativas, porém, resultam em ainda mais riscos – e oportunidades – para os negócios, com crescente demanda sobre empresas para se posicionar a respeito de temas controversos. Isso faz com que elas tenham ainda mais necessidade de se envolver em conversas e construir relacionamentos.
Ativo intangível, reputação não é uma realidade objetiva. Trata-se de percepção. Diferentemente de marca, reputação não é como uma empresa se apresenta, mas
sim como ela é percebida. Reputação é construída por meio de diálogo e, quando bem-sucedida, se assenta em um relacionamento cuja base é a confiança. Mensuração é, assim, um desafio – e um mercado próspero. Inúmeras pesquisas e rankings variam em metodologia e foco, mas RepTrak e Merco, por exemplo, sobressaem como referência em monitores de reputação corporativa com seus relatórios anuais. O primeiro, com sede em Boston, ranqueia as 100 companhias com melhor reputação em todo o mundo; o segundo, sediado em Madri, tem se firmado como um importante balizador do valor reputacional de empresas e lideranças empresariais na América Latina (desde seu lançamento no Brasil, em 2014, a Natura lidera o ranking no país).
Em comum, esses estudos indicam que os fatores que influenciam a reputação corporativa hoje são mais complexos e variados do que nos últimos cinco anos. Consumidores querem mais transparência e prestação de contas, e suas resenhas nunca foram tão influentes; colaboradores ganham cada vez mais relevância, alçados à condição de influenciadores em plataformas sociais, sobretudo no pós-pandemia.
ESG é regra – discussões à parte sobre a reação ao capitalismo “woke”, fundos de pensão e bancos têm se desfeito de papéis de empresas que não se preocupam com a mudança climática, como indica levantamento realizado em cerca de 150 instituições financeiras em 16 países por uma coalizão de ONGs que inclui Friends of the Earth Netherlands, Fair Finance International e a consultoria holandesa Profundo. Some-se a isso a contínua fragmentação de mídias e a ascensão da inteligência artificial generativa, com possibilidade de uma enxurrada de conteúdo robotizado desaguar em resenhas falsas e campanhas coordenadas de desinformação, além de promover anúncios ao lado de fake news em grande escala. Ingressamos em uma nova fronteira para a mensuração da reputação. Mas a principal questão permanece: não é “como”, e sim “o que” medir.
Reputação, como qualquer outro ativo, precisa ser medida e compreendida considerando os objetivos estratégicos do negócio e o contexto em que eles se inserem. Reputação não se dá no vácuo. Monitores e rankings de reputação farão pouco mais do que afagar egos se não estiverem atrelados ao rumo da organização. Antes de medir sua reputação, a empresa deve fazer um exercício de introspecção e entender sua essência e seu propósito, conhecer seus interlocutores e suas expectativas, bem como seus concorrentes, para só então avaliar o lugar que ocupa e compreender os riscos de um ambiente instável. Risco é inerente à reputação – e o risco reputacional é um metarrisco. Seguradoras sabem bem.
Ingressamos em uma nova fronteira para a mensuração da reputação. Mas a principal questão permanece: não é “como”, e sim “o que” medir
As palavras de Doc Searls no Cluetrain Manifesto nunca foram tão atuais: “mercados são conversas”. Gestão de reputação é ato conversacional que abre possibilidades de vínculo com seus públicos de interesse e cria reserva de valor para momentos de crise. Não à toa a atribuição tem recaído sobre a área de Comunicação Corporativa. Para exercer o papel, o PR precisa estar estrategicamente posicionado dentro da organização e servir como janela para o mundo ao mostrar o que vem de fora e revelar o que há dentro.
No início dos anos 2000, a hiperconexão que transbordava em informação digital fez surgir uma nova atividade profissional para mediação de conversas, a curadoria de conteúdo. Na era da reputação, a função agora é outra: zeladoria.
Michel Blanco
Michel Blanco é head de Reputação e Comunicação Corporativa do grupo Natura &Co