Onde o presente encontra o futuro
Assim como hoje a ideia de conciliar desenvolvimento e conservação é aceita pela maioria, em breve será natural conciliarmos EBITDA e ESG
Dias atrás, em um grupo de empresários no WhatsApp, postaram um artigo de um dos integrantes. Em síntese, o autor questionava o que chamou de “os mitos do ESG”. A primeira questão levantada foi se o ESG não seria mais uma dessas modas que ocasionalmente surgem no universo corporativo para em pouco tempo desaparecerem sem deixar rastro ou saudade.
O segundo questionamento foi se o ESG de fato agrega valor à empresa ou se é mera benemerência com o dinheiro dos acionistas. Nesse caso, os gestores que aderissem ao conceito correriam o risco de ser responsabilizados judicialmente. Por outro lado, refletia o autor, se de fato agrega valor, o ESG seria apenas mais do mesmo, “business as usual”.
O post gerou debate. De um lado, os que acharam a reflexão oportuna. De outro, os que a acharam atrasada – incluindo um participante que observou: “ESG não tem nada a ver com benemerência. ESG não é fazer o bem. É fazer o certo. Até para evitar multas e outros prejuízos bem concretos”. Para mim, o mais interessante do debate foi sua ocorrência, demonstrando que o tema não é tão ponto pacífico quanto eu imaginava.
ESG de fato agrega valor? Vejo uma resposta breve e outra longa.
A breve: estudos em diversos países mostram que ações de empresas que consideram os fatores ambientais, sociais e de governança têm valorização superior à média. Considerável e continuamente superior.
A resposta mais longa para a questão tem a ver com o fato de valor ser algo que precisa ser percebido. A percepção é individual e também é coletiva. Varia no tempo e no espaço – e passa sempre pela comunicação. Um bom exemplo é o conceito de sustentabilidade. E, aqui, peço licença para ilustrar com uma experiência pessoal.
Em 2000, tive a oportunidade de criar a campanha de lançamento da linha Natura Ekos. Na apresentação ao cliente, comecei pelo texto do filme de 1 minuto, uma peça-manifesto. A certa altura o texto dizia: “ativos da natureza brasileira extraídos de forma responsável e renovável”. Nesse momento um dos executivos falou “sustentável”, sugerindo que eu substituísse as duas palavras por essa, que eu havia propositalmente evitado.
Parei a leitura e questionei se ele sabia que o público da TV não entenderia o termo. Resposta: “Sei, mas quero que sejamos a primeira empresa a usar esse termo na TV. Temos outras mídias para explicar melhor, e não temos pressa”. Entendi, concordei, alteramos. Em paralelo, mantivemos o “responsável e renovável” na versão de 30 segundos.
Depois de duas décadas, o conceito sustentabilidade está estabelecido e rende muitos frutos para a empresa, que apostou na semente. O cultivo foi longo. Exigiu firmeza de propósito e de estratégia de comunicação para levar ao consumidor a visão de uma nova forma de produzir na Amazônia. Algo que um dos anúncios da campanha resumia no título: “O capitalismo não precisa ser selvagem nem na selva”.
Hoje a ideia de conciliar desenvolvimento e conservação é aceita pela maioria. Creio que em breve também será natural conciliarmos EBITDA e ESG. Ficará cada vez mais evidente que um complementa o outro. EBITDA fala do presente, enquanto ESG remete ao futuro. Não apenas ao futuro do planeta, mas ao da própria empresa. Em duas palavras: rentabilidade e perenidade, cada vez mais juntas.
Cada profissional que hoje se aposenta considerando o ESG uma modinha abre espaço para um profissional que traz o ESG como um estilo
Minha crença no sucesso do ESG se baseia em um fato simples: noto um número absolutamente animador de empresas aderindo ao conceito, não só em sua prática, mas também em sua propagação. Veja, por exemplo, o vídeo Mother Nature, veiculado em setembro de 2023 pela Apple. A todo instante há summits e lives envolvendo os mais diferentes níveis hierárquicos e as mais diversas áreas das empresas.
Outro fator que me leva a apostar no ESG é a nova geração de gestores. Cada profissional que hoje se aposenta considerando o ESG uma modinha abre espaço para um profissional que traz o ESG como um estilo. Esse estilo de trabalho – e até de vida – será disseminado por todas as empresas, em todas as suas áreas, em todos os processos e projetos.
A nova geração nasceu digital e nasceu ESG. E mais: cresceu vendo mães e pais trabalharem em empresas nas quais o sucesso custava caro para o profissional, para sua família, para o país e para o planeta. É incrível como essa nova geração já conseguiu mudar até os processos seletivos. Hoje os candidatos a trainee perguntam mais que o entrevistador. Mais do que cargo e salário, estão atrás de um propósito. Algo que faça seus olhos brilharem, porque acreditam que assim conseguirão fazer brilhar os olhos dos consumidores, dos investidores e de todo o círculo de relações da marca.
Em relação à longevidade do ESG, estou certo de que não é uma onda. É, sim, um oceano. Vasto, profundo, riquíssimo. Um oceano que estamos começando a navegar e que nos levará a novas riquezas e novas formas de comércio. Algo parecido com o que ocorreu na Era dos Descobrimentos.
Bem-vindo a bordo. Estamos todos no mesmo barco.
Ricardo Lordes é CEO da Pátria Publicidade e já criou campanhas ESG para marcas como Natura, Ambipar, Bosch, Comgás e Instituto Ethos