A diversidade como compromisso empresarial
Em Diversos Somos Todos, Reinaldo Bulgarelli discorre sobre o valor da inclusão para as corporações
O educador e consultor Reinaldo Bulgarelli é um pioneiro no que diz respeito à diversidade no ambiente corporativo. Muito antes de a sigla ESG ser forjada ou de o tema inclusão sequer fazer parte das discussões em empresas, ele já orientava algumas poucas companhias com olhar social mais apurado a fomentar um ambiente mais equânime. Seu trabalho, que começou ainda nos anos 1990, ganhou corpo físico em 2008 com o livro Diversos Somos Todos: Valorização, promoção e gestão da diversidade nas organizações, espécie de guia e alentado ensaio reflexivo sobre como a diversidade pode trazer benefícios para as corporações. A obra ajudou a formar toda uma geração de profissionais que viriam a se dedicar anos depois ao tema. Esgotado pouco depois de seu lançamento, Diversos Somos Todos ganhou nova edição pela Aberje Editorial. Confira a seguir a conversa da CE com o autor.
Por que a diversidade nas empresas é importante?
Primeiro porque é um tema/movimento para combater a homogeneidade. Se construiu o mundo dos trabalhos e das relações todo desconsiderando a diversidade e baseado no que eu chamo no livro de padrão dominante. Ele pode ter alguma variação de um país para outro, mas é o tipo universal: homem, branco, sem deficiência… É importante falar desse tema para ajudar na reinvenção das organizações em outras bases. Não é só a composição de um grupo de trabalho dominante, mas também pensando produtos e serviços. Segundo porque diversidade é solução, não é problema; ela adiciona valor à empresa ao colocá-la em contato com talentos, atraí-los e mantê-los. E na base disso tudo estão os direitos humanos: quanto mais a empresa investe em diversidade, mais ela está investindo em valores universais de direitos humanos que fazem bem para o negócio e para uma sociedade mais sustentável.
Como a comunicação pode ajudar na diversidade?
Ela pode ajudar primeiro não atrapalhando, porque ela também fica refém de um padrão dominante, refém de se comunicar com um tipo humano só, como interlocutor ou seus personagens. A comunicação pode ainda trazer outras vozes e imagens de outras pessoas. Ela pode ter o cuidado com a linguagem e torná-la mais inclusiva. Falo da linguagem no sentido amplo. Por um lado, a gente precisa o tempo inteiro denunciar essa universalização de um tipo humano como se fosse único, e, por outro, eu vejo empresas que estão engajadas no tema falando em “solução” como se fosse uma coisa positiva. Insisto nisso porque a diversidade é vista como um problema. É inimiga do mérito, inimiga do resultado, inimiga da excelência; enfim, criaram umas inimizades pro tema que não procedem. A comunicação tem ajudado muito a trazer histórias de vida, a trazer os conceitos, ideias, sobretudo por meio de pessoas que no geral não participam, que não são ouvidas, que não têm imagem.
A primeira publicação de Diversos Somos Todos foi em 2008. O que mudou no cenário corporativo nesses 15 anos?
O tema ganhou um respeito maior. É um tema ainda tímido no Brasil, ele chegou junto com o Instituto Ethos. Antes disso você tinha experiências dispersas, uma ou outra empresa falando disso a seu modo. Mudou o cuidado maior com o conceito. Acho que a gente evoluiu muito. E mudaram os agentes, as pessoas que estão trabalhando esse tema. Temos muito mais pessoas produzindo conhecimento sobre esse tema, trabalhando esse tema nas empresas, na sociedade em geral, e isso foi muito bom. Modéstia à parte, esse livro ajudou muito naquela época. Foi o primeiro sobre o assunto. Falo isso com orgulho, mas também com uma certa vergonha do nosso país, do ambiente empresarial, porque Europa e sobretudo Estados Unidos produziam isso desde os anos 60.
As demandas por inclusão também têm mudado ao longo dos anos?
Celebro que hoje a gente fale muito mais sobre o tema. Daí a virar prática e impactar os indicadores todos, de você ter na base das empresas uma diversidade maior, de ter nas posições de liderança uma diversidade maior, estamos bem longe. A gente tem que trabalhar muito para fazer com que essa conversa boa se transforme em números bons também e em resultados positivos para essas organizações que investem em diversidade. Elas investem por crença de que isso é o certo a fazer, mas elas devem investir em diversidade também em busca de aprimoramento das práticas de gestão, de seus relacionamentos, de sua maneira de ser e estar no mundo, e isso para trazer resultado nessa ótica sustentável: caixa no final do dia, mas também um ambiente seguro e mais saudável, inclusivo e respeitoso, relacionamentos melhores com seus stakeholders, um patamar cultural na sociedade, que é o “S” do ESG.
Diversidade e equidade fazem parte do “S” do ESG, mas quanto efetivamente as empresas estão colocando em prática essa inclusão? Não há um risco de que tenhamos apenas um “social washing”?
Eu tenho o privilégio de não ver muito isso, tanto quanto consultor quanto alguém que está mobilizando, porque a turma não me chama para fazer isso. Acho que ainda há um problema conceitual, um problema estratégico. O que eu vejo são empresas em um nível ainda inicial. Por isso a criação dos fóruns empresariais que ajudei a criar em 2010 como estratégia junto às empresas. O problema conceitual que eu digo é que didaticamente a gente coloca o tema diversidade no “S”, mas ela também tem a ver com a questão ambiental e de governança. Então é uma divisão didática com risco de reduzi-lo a um lugar só.
Como você vê a interlocução entre gestão e diversidade?
Gestão não é só o conjunto de ferramentas. É o conjunto de escolhas que uma organização faz para atingir o seu propósito, a sua missão. Diversidade vai ter que se concretizar por meio da gestão, que transforma aquele discurso na prática. Para a diversidade é essencial dialogar com as práticas de gestão de uma empresa, que é tão desenvolvida em tantos aspectos, você tem aí tanto entendimento, tanto conhecimento sobre o mundo da gestão empresarial, mas ele sempre esteve de costas para o tema diversidade, nunca se aproveitou da riqueza desse tema. A gente vê lá: “formação de liderança”. Qual liderança? Liderança pra quem? A gestão é o que ajuda a tornar concreto esse apreço pela diversidade que eu defendo tanto no livro.
Diversos Somos Todos: Valorização, promoção e gestão da diversidade nas organizações Reinaldo Bulgarelli |