Daniel Tisch
“Grandes decisões nas empresas têm a participação do comunicador”
Daniel Tisch
“Grandes decisões nas empresas tem a participação do comunicador”
O ex-presidente da Global Alliance e CEO da Argyle, uma das maiores agências de comunicação da América do Norte, fala sobre a evolução do papel do CCO nos últimos anos, inteligência artificial e os principais desafios enfrentados por comunicadores atualmente
Nos 20 anos em que está à frente da Argyle, o canadense Daniel Tisch liderou a transformação de uma pequena agência boutique em uma das maiores e mais aclamadas agências de comunicação da América do Norte. É conhecido pela capacidade de conectar comunicação ao valor dos negócios, e foi com esse olhar que estruturou a curadoria da conferência anual da Arthur Page Society, ocorrida em outubro, em Toronto.
Membro da Canadian Public Relations Society e ex-presidente da Global Alliance for Public Relations & Communication Management, recebeu mais de 200 premiações profissionais ao longo de sua carreira, aconselhando CEOs, conselhos, líderes governamentais e profissionais de marketing de algumas das maiores marcas do mundo. Por conferência de vídeo, ele falou à Aberje sobre os principais desafios do profissional de comunicação.
Como evoluiu o papel do CCO nos últimos anos?
Atuo em comunicação há mais de 30 anos, e é interessante lembrar como antes o líder de comunicação corporativa não era um cargo C-level. A função de diretor de Comunicação era desempenhada por um profissional sênior da organização que basicamente comunicava a decisão tomada por outra pessoa – podia ser a decisão do conselho ou muitas vezes do CEO. Eles diziam: essa é a decisão, agora veja qual é a melhor forma de comunicá-la. Hoje é dramaticamente diferente. É quase inconcebível que uma organização bem-sucedida tome uma grande decisão sem a participação do diretor de Comunicação. As empresas agora entendem que têm de considerar os impactos operacionais, financeiros, legais e reputacionais. Hoje o CCO participa das decisões, seu mandato é mais amplo, ele analisa o que a organização deve fazer para construir relacionamentos com stakeholders a fim de melhorar a reputação ao longo do tempo. O papel do CCO está se tornando cada vez mais interdisciplinar porque as organizações entendem que a comunicação impacta tudo que fazem.
Poderia dar exemplos?
O diretor de Comunicação muitas vezes precisa estar envolvido em conversas sobre marca, recursos humanos e engajamento de funcionários, diversidade, inclusão, relações com investidores e sustentabilidade, assuntos públicos e a visão do CEO – há uma dimensão de comunicação em todas essas questões. O CCO tem um papel mais amplo, mas também mais pressão do que nunca.
“O papel do CCO está se tornando cada vez mais interdisciplinar porque as organizações entendem que a comunicação impacta tudo que fazem”
Quais foram os principais insights da conferência anual da Page Society?
Foi emocionante reunir comunicadores do mundo todo em Toronto. Falamos sobre como os CCOs devem romper fronteiras e criar valor sustentável, o que nos parece um dos maiores desafios para esses profissionais hoje. Quando falamos de liderança além-fronteiras, não estamos falando de fronteiras físicas, mas sobretudo das fronteiras que foram borradas pelos anos recentes da pandemia, seja entre acionistas e stakeholders, funcionários e clientes, negócios e política, casa e trabalho, experiências online e off-line. Todas essas fronteiras estão ruindo. Também estamos vendo barreiras sendo quebradas com relação à inclusão de mulheres e pessoas LGBTQ+ nas organizações em diversos países – no centro dessa revolução estão os comunicadores, que sempre lutaram para ter um lugar no board. Uma recente pesquisa da Arthur Page Society mostra que cada vez mais os CCOs garantem seu lugar à mesa dos líderes da empresa. A questão agora é como ter os recursos, o conjunto de habilidades e a mentalidade para garantir que sejam bem-sucedidos em seus desafios.
Que outros temas foram discutidos?
Inteligência artificial foi um tema explorado por especialistas do Google DeepMind, da UCLA em Berkeley e da FGS Global. Falamos também sobre polarização política e como as empresas podem navegar melhor nesse ambiente. CEOs falaram sobre reconciliação com comunidades indígenas, diversidade, inclusão, antirracismo, liderança e criatividade.
Qual será o impacto da IA no dia a dia dos comunicadores?
A inteligência artificial está transformando todos os negócios. Nos últimos seis anos, estive envolvido em pesquisas sobre como a IA pode impactar nossos negócios. Mas só agora em 2023 isso começou a ficar óbvio. Vejo grande potencial nas ferramentas, conheço muitos jovens profissionais que se tornaram mais eficientes, produtivos e criativos com elas. Ao mesmo tempo há sinais de alerta. Precisamos estabelecer regras para garantir que ela seja empregada com integridade, coibindo maus usos. Entender os limites éticos, buscando transparência: é preciso ficar claro quando uma ferramenta de inteligência artificial é usada.
A IA deverá substituir trabalhos técnicos com menor valor estratégico. Quando eu comecei minha carreira, nós fazíamos monitoramento de mídia física, tínhamos pessoas pagas para recortar jornais e revistas, fotocopiá-los e produzir um relatório para o cliente. Faz muito tempo que isso foi automatizado. Hoje a IA pode realizar muitas funções técnicas na criação de conteúdo. Temos a oportunidade de nos tornar mais produtivos usando as ferramentas de forma inteligente, usando o tempo extra para focar mais no nosso papel estratégico.
Como construir o orçamento ideal para fazer o que é preciso?
Costumamos comparar a comunicação corporativa ao marketing, que tem uma conexão muito clara com as vendas e com as receitas da empresa. O marketing é focado no cliente, enquanto nós na comunicação corporativa estamos focados em todos os públicos, todos os stakeholders. É um diálogo contínuo difícil de medir. Por exemplo, como medir o impacto financeiro de uma crise que nunca aconteceu? Por isso é importante que os CCOs construam seus orçamentos levando em conta fatores-chave de sucesso e metas tangíveis que possam quantificar. Qual é a reputação da empresa em todas as suas dimensões? Talvez a companhia tenha uma excelente reputação de produtos e serviços, mas uma reputação fraca de liderança ou cidadania corporativa. Entendendo isso, que mudança queremos alcançar e medir o impacto ao longo do tempo?
“É importante que os CCOs construam seus orçamentos levando em conta fatores-chave de sucesso e metas tangíveis que possam quantificar”
Comente a importância da colaboração do CCO com outras áreas da empresa.
Marketing, RH e Comunicação Corporativa muitas vezes são pares no board das empresas. Engajamento e interação entre as áreas são maiores quando há iniciativas-chave para a evolução do negócio. Não é apenas uma questão de estrutura, mas de cultura na organização. O tom deve ser definido a partir do topo, evitando trabalhar em silos e incentivando a construção de uma cultura de colaboração nas grandes decisões da companhia. É desejável montar equipes multidisciplinares, comitês de gestão de comunicação, forças-tarefa, grupos formados por colaboradores com diferentes conjuntos de habilidades, para poder refletir com a capacidade total da organização. Mas acho que, em última análise, o que provavelmente é mais crítico é a construção de cultura.
Entrevista concedida ao jornalista Edward Pimenta, diretor do InvestNews (Nubank) e professor do MBA de Marketing de Conteúdo da Universidade Mackenzie