Reportagem COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL · EDIÇÃO 111 · 2024

Liderança sem fronteiras

Ao assumir uma cadeira no comando das corporações, o CCO precisa lidar com novos desafios para além da comunicação e desenvolver a habilidade de administrar desde equipes plurais até grandes orçamentos

Por Françoise Terzian e Tiago Cordeiro

Recente pesquisa da Arthur Page Society mostra que cada vez mais os CCOs garantem seus lugares à mesa dos líderes das corporações. Mas, ao assumir um papel de chief communication officer (CCO) no C-Suite, o líder de comunicação precisa lidar com os novos desafios que surgiram no cenário pós-pandemia, quando foram praticamente apagadas as fronteiras que delimitavam stakeholders, funcionários e clientes. Da mesma forma, as barreiras entre negócios e política, casa e trabalho, experiências online e off-line tornaram-se mais permeáveis.

Entre os novos desafios estão desde a demanda da sociedade por diversidade e inclusão dentro do ambiente corporativo até a efetivação de uma comunicação transparente como parte essencial da cultura empresarial saudável. “Quando as pessoas sabem que podem contar com informações precisas e honestas, elas tendem a confiar mais nas empresas e, de forma direta, geram uma reputação mais positiva”, observa Paula Pedrão, diretora de Comunicação e Sustentabilidade da Simpar, que opera empresas como JSL, Movida e Vamos. Esse é o caminho para promover confiança e engajamento, acredita a executiva.

À medida que os limites das organizações se tornam permeáveis,
o trabalho e as atividades do comunicador se expandem e ganham
complexidade. “As marcas estão sob um escrutínio muito maior”, explica
Rodolfo Araújo, VP Latam da United Minds, uma consultoria da Weber
Shandwick dedicada à transformação organizacional. “Interlocutores e stakeholders prestam atenção não só ao que as marcas dizem e oferecem, mas a como se comportam. É preciso se expressar de forma consistente. Por isso, os líderes e as líderes de comunicação têm a oportunidade de trazer uma abordagem cada vez mais integrada sobre a organização. Só assim vai haver consistência entre discurso e prática.”

Araújo lembra que absolutamente todas as atividades de uma companhia comunicam – e a sociedade está mais atenta à falta de alinhamento entre diferentes ações. “Os profissionais mais admirados da atualidade na área já entenderam que a comunicação corporativa tem uma função articuladora, que estabelece coesão dentro e fora. Não se trata apenas de contar histórias ou transmitir mensagens objetivas, mas de criar as condições necessárias para que determinada empresa ou marca possa prosperar em seu ecossistema.”

A fim de avaliar o novo papel transversal do setor, a United Minds produziu o documento A Ressignificação das Áreas de Comunicação, levantamento baseado em entrevistas com líderes de grandes corporações de diferentes áreas de atuação, como saúde, tecnologia, automobilística, financeira e indústria. O estudo conclui que a pandemia serviu como agente catalisador e propulsor de mudanças corporativas. Propõe, portanto: “As empresas e líderes devem aproveitar esse movimento para refletir sobre aprendizados obtidos durante a pandemia, quais ritos culturais e símbolos foram modificados, quais foram reforçados e, redefinindo o futuro do negócio, quais devem ser mantidos, reformulados ou esquecidos”.

Estudo da United Minds concluiu que a pandemia serviu como agente catalisador e propulsor de mudanças corporativas

Os líderes ouvidos apontam que as áreas de Comunicação são convocadas a ressignificar canais de atuação, impulsionar ações integradas e atuar de forma muito mais próxima das altas lideranças, de forma a participar do processo de definição de estratégias. “A comunicação se manifesta em cada momento, se expressa na forma como uma organização contrata, demite, lida com uma crítica, celebra um resultado, trata seus clientes, desenvolve e lança uma campanha de comunicação”, aponta Araújo. “Os líderes precisam estar de ponta a ponta, no aconselhamento da organização, dos pares e da alta gestão, ao mesmo tempo em que zelam pela perfeita execução da estratégia vertical de comunicação.”

CONSTRUINDO O FUTURO DO TRABALHO

Outra barreira a ser quebrada é a da comunicação interna. De acordo com a pesquisa Tendências da Comunicação Interna 2023, realizada pela Aberje em parceria com a Ação Integrada, primeira agência de comunicação interna do país, seus principais desafios são: engajar as lideranças como comunicadores; fazer a comunicação chegar aos públicos operacionais; comunicar a estratégia e a cultura da empresa; e gerenciar o excesso de informações.

O estudo aponta que as áreas de comunicação interna têm buscado implementar um olhar cada vez mais focado na gestão além da execução: 79% dos entrevistados relatam que têm um planejamento estratégico que orienta as ações, e 86% têm os objetivos vinculados aos da organização. “Dada a visão
estratégica e o que se exige do profissional de comunicação no novo cenário, o líder de comunicação pode e deve atuar como um farol, dentro da companhia, colocando foco sobre o que acontece no contexto mais amplo do setor de negócios ao qual pertence e da atualidade de maneira geral”, analisa Renata Petrocelli, diretora de Comunicação da Eletrobras.

Nos últimos anos os meios foram usados mais sabiamente com o intuito de aproximar o colaborador e engajá-lo a distância. Outras áreas envolvidas na implantação de novas plataformas buscaram meios para que esse processo pudesse ser realizado sem onerar a empresa ou prejudicar a relação jurídica com a organização. Nesse sentido, a pandemia deixou um legado na direção da desburocratização, da simplificação e da priorização.

Essas tendências ficam claras na pesquisa Global Human Capital Trends 2023, promovida em 105 países pela consultoria Deloitte com mais de 10 mil profissionais – 234 deles do Brasil. Segundo o levantamento, 59% dos entrevistados pretendem focar no redesenho de seus modelos de operacionalização da força de trabalho. Por outro lado, metade dos respondentes afirma que os líderes de suas organizações têm dificuldades para identificar o que priorizar porque estão sobrecarregados pelo número, pela velocidade e pela frequência das mudanças em curso.

“Os líderes de comunicação precisam ser os facilitadores e catalisadores dessa transformação que estamos presenciando nas organizações e na sociedade”, avalia Malu Weber, vice-presidente de Comunicação Corporativa do Grupo Bayer no Brasil. “Eles devem ser protagonistas, começando essa transformação dentro do próprio time: estimular um ambiente com menos hierarquia, com mais autonomia e responsabilidade; um ambiente que fomente provocações, combatendo o medo de não serem aceitas; construir espaços seguros para todos terem vontade de compartilhar opiniões distintas, do estagiário ao diretor.”

Com a ressignificação do ambiente corporativo, uma nova rotina também colocou maior foco na assertividade, na produtividade e na qualidade, em
detrimento da atenção a rotinas baseadas em horários. O cuidado com a saúde mental e a garantia de tratamento justo de acordo com o desempenho também são diferenciais muito valiosos para os colaboradores.

“Estamos testemunhando uma transformação significativa no cenário contemporâneo”, avalia a especialista em carreira Patricia Y. Agopian, que trabalhou anos como diretora em grandes empresas e agora é CEO da Bússola Executiva. “As barreiras tradicionais e as formalidades rígidas estão gradualmente cedendo espaço. Cada vez mais empresas estão em busca da simplificação de suas estruturas hierárquicas.”

Essa busca visa à aproximação entre indivíduos e áreas, resultando em um fluxo de informações mais ágil e eficiente, argumenta Patrícia. “Em um mundo em que a velocidade é uma constante e em que novos concorrentes emergem, a aceleração das conexões interpessoais se torna crucial.” Nesse contexto, o líder desempenha um papel fundamental. “Ele não apenas cria espaço para a colaboração, mas também cultiva relacionamentos com os colegas de diversas áreas, sempre em busca de soluções holísticas que beneficiem a organização como um todo”, analisa Patrícia.

“Em um mundo em que a velocidade é uma constante, a aceleração das conexões interpessoais se torna crucial”

TRANSFORMAÇÕES DIGITAIS

A comunicação corporativa também pode contribuir para desenvolver disciplinas de gestão de negócios. “Estamos entrando na era dos superprofissionais, que se apoiam na tecnologia para gerar impacto, com padrões inéditos de produtividade”, aponta Matheus Lombardi, head de Relações Públicas da XP Inc. De fato, com o suporte das novas tecnologias, em especial a inteligência artificial (IA), a área de Comunicação consegue fazer mais com menos, de maneira assertiva e mensurável. “A IA permite acompanhar cenários complexos com agilidade e extrair insights mais detalhados e
atualizados, além de produzir conteúdos mais relevantes e personalizados. Nesse contexto, a Comunicação passa a trabalhar em prol da criatividade, colocando os próprios colaboradores para atuar como influenciadores da marca, de forma orientada, mas com a legitimidade da espontaneidade.”

É assim que a área de Relações Públicas da XP consegue se manter relevante tendo apenas quatro colaboradores – dois no Brasil, um em Barcelona, na Espanha, e um em Brighton, na Inglaterra. “Muitos concorrentes nossos têm mais de 40 pessoas no time. Com criatividade, conseguimos competir com eles, investindo em pessoas de perfis diferentes.” Essas práticas têm o potencial de influenciar a gestão das organizações, aponta Lombardi, que coordena uma ação de mentoria para diretores da companhia. “As métricas mudaram e nos levam a novas possibilidades, o que coloca a comunicação numa posição de prestar consultoria estratégica em novas práticas de gestão, com olhar voltado para a eficiência e a gestão de reputação.”

O contexto nacional ajuda a entender as forças e as fragilidades dos CCOs. Os líderes empresariais do país podem ser considerados persuasivos e dominantes, com foco em influenciar equipes e conduzir a tomada de decisões rápidas, constata a pesquisa Tendências Comportamentais de Líderes Brasileiros, realizada pela escola de negócios Febracis, que indicou que 35,93% dos ouvidos consideram ter um estilo “motivador” e outros 32,69%, de “executivos”. As competências mais mencionadas são “extroversão” e “entusiasmo”, seguidas de “comando”. Por outro lado, “planejamento” e “prudência” são qualidades pouco citadas, o que aponta para uma propensão a correr riscos muitas vezes desnecessários.

Na leitura de Rafael Oliveira, gerente de Comunicação e Marketing da Unimed-Rio, não basta mais dominar a técnica apenas. “É preciso entender do negócio e de várias áreas específicas para conseguir antecipar movimentos, propor caminhos e criar valor. Acho que chegou de verdade o momento em que a comunicação consegue mexer, de forma clara e tangível, nos ponteiros do negócio.” A preparação, analisa Oliveira, vem a partir da expansão do repertório de conhecimentos, com um entendimento profundo dos desafios do negócio e capacitação nas habilidades de gestão de pessoas. “Os novos desafios tornam a gestão de pessoas mais complexa, uma vez que essas pessoas tendem a se comportar de formas diferentes, com desejos, demandas e contribuições adaptadas à nova realidade. O gestor precisa saber lidar com tudo isso com um novo mindset, sob o risco de usar modelos mentais antigos para tempos atuais.”

“Chegou o momento em que a comunicação consegue mexer, de forma clara e tangível, nos ponteiros do negócio”

O caso da XP deixa claro que os novos CCOs têm diante de si a oportunidade de adotar tecnologias capazes de impulsionara transformação digital das organizações. Como lembram os professores e consultores Nathan Furr, Jur Gaarlandt e Andrew Shipilov em um artigo para a Harvard Business Review, “a transformação digital muitas vezes é menos sobre uma ressignificação radical do negócio e mais sobre aprender a usar ferramentas digitais para melhor servir aos consumidores”.

“Em um breve espaço de tempo a tecnologia transformou todos em comunicadores”, pondera Renata Petrocelli. “Isso fez com que caíssem também, nas empresas, as fronteiras entre comunicação interna e externa. A propagação da informação em tempo real mudou todos os paradigmas: da exclusividade para o compartilhamento, da surpresa para a transparência constante, do controle para o engajamento, da concorrência para a colaboração.”

“Em um breve espaço de tempo a tecnologia transformou todos em comunicadores”

Para Malu Weber, a transformação digital exige colaboração, e a área de Comunicação é uma facilitadora desse processo, tendo como um de seus objetivos engajar os colaboradores na adoção de novas mentalidades, ferramentas e tecnologias. “Em uma época de intensas e constantes mudanças, a comunicação é uma das frentes responsáveis por impulsionar e sustentar essas transformações, inclusive a digital. Temos que deixar a tecnologia fazer sua parte para termos mais tempo para fazer o que a máquina não tem competência: cuidar, ouvir, estar perto das pessoas e entender o que é importante para os públicos com os quais nos relacionamos.”

ESTRATÉGIAS PARA GARANTIR RECURSOS

Como a boa comunicação implica boa administração, ao ter uma cadeira decisória no C-level o líder de comunicação passa a ser responsável por decisões financeiras e gerir orçamentos cada vez maiores. A pesquisa The 2023 Chief Communications Officer Survey, feita com os executivos de comunicação mais seniores da Fortune 500, valida o papel cada vez mais crítico dos CCOs em meio aos desafios de operar no cenário pós-pandemia em um ambiente regulatório e comercial de crescente complexidade.

“No atual ambiente de negócios dinâmico e caótico, o CCO é o único executivo que está atento a todas as partes interessadas da organização, em um momento em que todos são vocais, disruptivos e exigem ação e maior transparência”, afirma Richard Marshall, diretor-geral da Korn Ferry global. “A necessidade de ter uma narrativa clara e e convincente nunca foi tão importante, e, como resultado, estamos vendo a função e os recursos alocados serem remodelados para atender às demandas do negócio.”

Pode acontecer de o CCO se deparar com resistência advinda de outras áreas, um obstáculo a ser superado com muita conversa e colaboração

Para Eduardo Vieira, sócio-líder de Marca, Comunicação e Assuntos Corporativos do SoftBank para a América Latina, o CCO deve parar de agir com a cabeça de comunicador e passar a agir com a mentalidade de um homem de negócios. Ele lembra que a comunicação sempre foi vista como algo baseado no relacionamento, porém a forma de fazer comunicação precisa mudar. “Tem muita ferramenta disponível, mas acho que os CCOs não são data driven como eles deveriam ser. É preciso fazer um esforço para mensurar o impacto no negócio e provar que sua área é core”, observa o executivo do principal fundo de investimentos em tecnologia do mundo, com 140 bilhões de dólares aplicados em empresas de tecnologia como Uber e WeWork.

Vieira diz ter o privilégio de contar em seu time com pessoas que entendem muito do negócio, gente da área de investimentos. Esses profissionais costumam trabalhar com Excel e análise de dados e, embora não sejam comunicadores, foram “catequizados” para entender como a comunicação contribui para os resultados. “Na maioria das empresas isso não está claro. Só em tempos de crise. Na época positiva, muita gente não consegue mostrar o valor da construção conduzida pela Comunicação.”

Se a Comunicação tem dificuldade em mostrar seu valor para o presidente e o C-Level, então há um problema. “O CMO (chief marketing officer) tem um monte de dados para mostrar a exemplo do crescimento e da performance. Que dado o CCO tem para mostrar? Ele precisa estar alinhado com o business”, explica. A lógica de captar mais dinheiro para as iniciativas de comunicação deveria ser a justificativa do resultado pretendido primeiro. “Não é fácil. É uma construção. E tem empresas com grau de maturidade maior que outras”, explica Vieira.

PARCEIROS INTERNOS

Por mais estratégica que seja a área de Comunicação, pode acontecer de o CCO se deparar com resistência advinda de outras áreas, um obstáculo a ser superado com muita conversa e colaboração. Quando Claudia David, diretora de Comunicação, Relações Institucionais e Sustentabilidade da Sodexo, desembarcou na empresa de benefícios, dois anos atrás, sua missão era reorganizar a área de Comunicação, desenhar um planejamento estratégico que inexistia, adotar um conceito progressista de comunicação com olhar de 360 graus e implementar KPIs (key performance indicators).

Em três meses, a executiva de comunicação, que atuou no agronegócio, conseguiu executar todas as tarefas acima. No meio desse processo, enfrentou ruídos e resistência à mudança. Os líderes, por exemplo, não eram percebidos como líderes comunicadores. Com 46 mil colaboradores espalhados pelo Brasil, ela treinou os 425 líderes da Sodexo de forma a transformá-los em líderes comunicadores de áreas diversas. Assim, foi amarrando as pontas de sua estratégia e formou uma liderança engajadora.

Claudia expandiu a área de Comunicação, composta atualmente por um time de 16 profissionais, promoveu pessoas e concretizou a maturidade da equipe, que conta com o apoio do CEO. Esse avanço a fez conseguir um incremento de 16% no budget da área para o ano fiscal que acaba de começar. “A gente tem KPI para tudo que fazemos aqui”, conta. Essa conquista está diretamente relacionada ao posicionamento da CCO, que trabalhou para se provar estratégica para a companhia. “É preciso ter conversas difíceis e transparentes e mostrar que joga no mesmo time”, recomenda Claudia. Para ela, a Comunicação não deve se sentir uma área apartada, uma vez que gera valor comprovado para as empresas.

No SAS, o exemplo vem do topo da pirâmide. Desde junho de 2021 a bacharel em Comunicação/Jornalismo Jennifer Chase ocupa a posição de CMO (chief marketing officer ) global da líder em analytics. Por ter esse modelo dentro de casa, Thais Cerioni, head de Marketing e Comunicação do SAS para o Cone Sul, não precisa lutar para mostrar o valor de sua área na empresa. Pelo menos não no Brasil. Já no Chile e na Argentina, outros dois países em que também comanda comunicação e marketing, ela lembra ter enfrentado inicialmente um cenário que privilegiava mais o marketing do que a comunicação. “Lá, senti da liderança e das áreas de vendas uma demanda e uma valorização muito maior das atividades de marketing, evento de relacionamento e geração de lead do que das atividades de comunicação”, recorda.

“A comunicação é o que deixa a empresa na cabeça das pessoas no longo prazo”

Para mudar esse cenário, Thais teve que se impor, ser firme e justificar sua decisão. “Tenho certeza de que só olhar resultado de curto prazo, que é a geração de lead, não é sustentável para a empresa. A comunicação é o que deixa a empresa na cabeça das pessoas no longo prazo”, explica. O caminho foi convencer o time de que a comunicação é tão importante quanto o marketing. “A partir do momento em que consegui convencer meu time, convencer o pessoal de vendas tornou-se mais fácil”, lembra. Hoje as operações dos dois países entendem melhor seu olhar estratégico.

Conseguir comprovar o potencial da comunicação dentro da empresa é uma coisa, aprovar budgets maiores é outra. “O grande desafio hoje é ser mais criativo para continuar tendo o mesmo nível de resultado com o dinheiro que está mais restrito. Se comparar o dinheiro de hoje com o de 2019, é muito diferente. Redução, inflação global, dólar”, explica Thais.

O fazer mais com menos e ser criativo tornou-se o lema da área de Comunicação de muitas empresas, a exemplo da Cortex, especializada em tecnologia e inteligência de dados. O foco de 2023 foi na chamada “eficiência do negócio”, fazendo mais ou melhor gastando menos. “O budget ficou menor, mas mais flexível”, explica Leandro Jardim, diretor de Marketing Estratégico e Enablement da Cortex.

Uma estratégia de eficiência que tem ajudado a empresa a melhorar seu brand awareness e sua reputação corporativa refere-se à alocação de horas da equipe de Comunicação para a produção de conteúdos que requerem análise de dados e apuração junto a parceiros, estruturação de um projeto de distribuição de índices e relatórios próprios, distribuição de pautas a veículos de amplo alcance e relevância a partir dos estudos produzidos.

Uma forma de mensurar o impacto dessa ação é a chamada equivalência publicitária – quanto custaria em mídia paga. Com essas pesquisas, a Cortex dobrou o volume de impactos na imprensa e registrou mais que o dobro de impressões positivas em relação ao principal concorrente e quase 200% a mais em relação ao benchmarking. A empresa ainda cresceu 458% na base de seguidores do Instagram em relação ao ano anterior e passou a ser espontaneamente procurada por grandes veículos como G1, Globonews e Forbes como fonte de dados para suas matérias.

“O trabalho de comunicação tem que apoiar o objetivo do negócio. Se eu fizer a minha marca aparecer na grande imprensa 20 vezes por mês, isso significa que estou conseguindo construir minha reputação. A percepção da relevância da comunicação da Cortex aumentou internamente. “A marca passou a ser reconhecida. A reputação da marca é uma proxy da saúde futura daquele negócio. A reputação da marca influencia o valuation da marca”, analisa Jardim. E esse é um dos indicadores que certamente agradarão ao board.

TRANSFORMAÇÃO

Priscilla Naglieri, diretora de Comunicação do Mercado Livre Brasil, atua no maior e-commerce do país há exatos cinco anos. Nesse tempo, a empresa teve um crescimento exponencial. Em 2018, o Mercado Livre registrava nove vendas por segundo. Hoje são 41. O número de notas publicadas na imprensa também saltou de lá para cá – de uma para 35 por dia. Uma série de outros KPIs (na sigla em inglês, indicador-chave de desempenho) passou a ser monitorada. Com isso, a estrutura do ML ganhou novas ramificações.

“Nesses anos todos, o marketing era muito mais simples, dividido entre área de performance, de branding, de eventos e de PR. Com o tempo foi ganhando complexidade, e hoje conta com áreas como brand performance, engajamento com o usuário, performance, branding, social, além de PR, com um escopo muito grande em institucional de produtos de police communications, e por aí vai”, conta.

Hoje, no entanto, ela conta ter muito mais eficácia em provar o valor do investimento feito em comunicação corporativa, mesmo ele sendo intangível. O que Priscila tem feito? Cada vez mais ela tem conectado as métricas de marketing e de negócios aos resultados. “Muita clareza nos KPIs que a gente acompanha mensalmente e também nas conversas trimestrais mais aprofundadas com o Marketing e a equipe de negócios.”

O NPS da marca corporativa, que é o nível de favorabilidade de tudo que se fala do ML na imprensa, também está no radar de Priscilla, que utiliza uma ferramenta da Cortex, de inteligência de dados, para monitorar a marca corporativa. “A gente está trabalhando muito para que essa ferramenta seja superprecisa para medir o Mercado Livre versus a concorrência”, conta. A ideia é chegar a informações sofisticadas que irão muito além do volume e das impressões, mas também olhar o nível de protagonismo e a favorabilidade da marca e cruzá-la com outros dados, especialmente nessa época do ano – de fazer defesa de budget.

Há setores que se descolam da economia e apresentam desempenho único – caso da farmacêutica Novo Nordisk e da empresa de energia Engie. “Estamos vivendo momentos únicos de uma superexposição que nem foi estimulada pela empresa”, explica Simone Tcherniakovsky, diretora sênior de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade da Novo Nordisk, referindo-se ao fenômeno de vendas das marcas Ozempic e Saxenda.

Por se tratar de uma companhia de cultura dinamarquesa, naturalmente low-profile até pelas restrições impostas por um mercado superregulamentado, a comunicação da Novo Nordisk percebeu que tal buzz reverbera na empresa inteira e no dia a dia de seus colaboradores quando se encontram em família, na roda de amigos. “A empresa começou a entender que posicionar-se é sempre muito importante, relevante”, conta.

“Expandimos nossos tentáculos. Somos proativos, trabalhamos o conteúdo nas redes sociais, fazemos lives”

Diante da crescente demanda por conhecimento médico e científico, toda vez que a companhia é acionada pela imprensa ela tem se mostrado disponível. “Expandimos nossos tentáculos. Somos proativos, trabalhamos o conteúdo nas redes sociais, fazemos lives.” Em 2023, ano em que a Novo Nordisk celebra seu centenário, o budget da Comunicação registrou um ligeiro crescimento em comparação a 2022.

No Brasil, onde atua há mais de 30 anos, a Novo Nordisk tem uma presença bastante relevante, inclusive com a operação, em Montes Claros (MG), da maior fábrica de insulinas da América Latina. Nesse movimento de ampliação do orçamento da área de Comunicação, Simone vem atuando nos bastidores. “A gente se desafia muito a criar indicadores, um exercício às vezes extenuante e difícil, mas necessário para mostrar como estamos avançando. Neste ano a Novo resolveu adotar uma metodologia chamada OKRs (Objetivos e Resultados-Chave), de estabelecimento e acompanhamento de metas, que perpassa todas as áreas da organização e ajuda a mostrar impacto”, explica Simone.

Desafios para aprovar o orçamento não são algo que preocupe Gil Maranhão, diretor de Comunicação e Sustentabilidade da Engie, empresa líder em energia renovável que atua no Brasil há mais de 25 anos. Maranhão, que está na companhia desde que ela chegou ao país, afirma que orçamento nunca foi problema – nem hoje, momento em que o mundo discute a transição energética, nem antes. “Pelo contrário, nosso orçamento dobra a cada ano, até porque os desafios são cada vez maiores com a expansão dos negócios para outras áreas”, salienta.

A relação de Maranhão com o restante do C-Level é de troca. “Antes de produzir uma campanha, eu mostro para o comitê executivo para que todos estejam a par e opinem, concordem, sugiram. E também o resultado das campanhas, o atingimento, o feedback é importante para que as estratégias estejam sendo implementadas e os KPIs, atingidos”, conta. Isso vale para todas as áreas – finanças, legal, ética, treinamento, resultado e inclusive comunicação.

Uma parceira importante da Comunicação da Engie é a área de Recursos Humanos, internamente chamada de Pessoas & Cultura. Para permitir que os colaboradores conheçam os produtos e impactos da companhia mais intimamente, em junho a Comunicação realizou um seminário de corporate social responsibility – meio ambiente e transição energética. “Era para ser algo para uma comunidade ligada ao licenciamento ambiental, a impactos sociais e às emissões. Mas, quando anunciamos, tantas áreas passaram a se inscrever – financeiro, contabilidade, RH, legal – que acabou virando um negócio fora das proporções por nós imaginadas”, recorda Maranhão.

Foi graças à percepção de Maranhão para um desconhecimento das pessoas em relação a temas como emissões de gases de efeito estufa que nasceu um projeto de relevante alcance na Engie. “Pensamos em criar um canal em que pudéssemos informar as pessoas de uma maneira mais didática, nascendo assim o Além da Energia, plataforma com matérias, entrevistas e artigos próprios e de convidados. Nessa brincadeira, em dois anos e meio estamos com 3,5 milhões de leitores”, conta. De fato, custa, é um investimento, já que existem empresas de comunicação, jornalistas e empresas de TI por trás do site. A ideia, no entanto, se transformou em um filão que revela o interesse do público em aprender. A necessidade de engrossar o orçamento, dados os números, é a melhor justificativa para Maranhão demonstrar o valor do projeto.

“Esta é a hora certa para os líderes de comunicação repensarem suas funções, suas estratégias e o significado do sucesso nas suas entregas”

Como se vê, os desafios são complexos e variados e exigem que o novo comunicador esteja preparado para, além de comunicar, administrar. Ou, como vaticina Malu Weber: “Esta é a hora certa para os líderes de comunicação repensarem suas funções, suas estratégias e o significado do sucesso nas suas entregas. É hora de construirmos um novo modelo da nossa área, mais proativo e intencional”.

é jornalista. Foi editora de Negócios da Forbes Brasil e colaboradora do jornal Valor Econômico, entre outros.

é jornalista pós-graduado em Literatura Brasileira. Foi repórter das revistas Época e Veja e editor da Aventuras na História.

 
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