ESG COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL · EDIÇÃO 107 · 2021

A boa governança

A boa governança

A forma como as empresas lidam com as questões ambientais e sociais pode ser totalmente comprometida pela falta de governança corporativa.E, se antes demandavam atenção, agora a governança e o compliance são pontos determinantes

Por Aline Scherer e Italo Bertão Filho

Segundo definição do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e outras partes interessadas. Em 2020, a Global Network of Directors Institutes (GNDI), que reúne 21 institutos de governança, ouviu 1.900 conselheiros de todo o mundo. Entre os brasileiros, 85% responderam que os aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG) seriam prioridade em 2021.

Quando temas socioambientais participam de verdade das pautas de conselho, o esperado são a priorização e o acompanhamento necessários. Em dezembro de 2020, o Conselho de Administração da Eletrobras, companhia de energia com economia mista e capital aberto, inseriu pela primeira vez em seu plano estratégico um programa de reputação e engajamento. Liderado pela área de Comunicação, o objetivo é tornar suas sete subsidiárias mais valiosas até 2025. “Isso nos permite conseguir os recursos para colocar em prática as ações prioritárias”, diz Renata Petrocelli Paes, superintendente de Comunicação da Eletrobras.

A identificação das prioridades ocorreu após uma pesquisa de reputação com 5 mil pessoas de quatro grupos de stakeholders: sociedade, funcionários, comunidades vizinhas e formadores de opinião (imprensa, analistas de mercado, investidores, poder público e reguladores). Indicada a necessidade de unir a gestão dos canais de relacionamento, um comitê de comunicação integrada foi criado para melhorar o diálogo das empresas com os quatro grupos de stakeholders. Percebeu-se a necessidade de dar mais visibilidade à governança socioambiental nos sites e nos perfis nas redes sociais. A empresa, então, reuniu nesses canais as partes dispersas de sua história e suas métricas sobre sustentabilidade e atualizou a linguagem utilizada, incluindo o termo ESG. “Reorganizamos todos os indicadores que já são acompanhados pela companhia regularmente. Seja investidor, fornecedor, ou cidadão comum que entrar no nosso site, vai encontrar temáticas importantes de ESG na Eletrobras em um só lugar”, afirma Renata.

Uma governança bem estruturada pode ser flexível e inovadora, mesmo em empresas familiares centenárias

Uma governança bem estruturada pode ser flexível e inovadora – mesmo em empresas familiares centenárias. A Votorantim, fundada em 1918, começou a estruturar suas políticas de governança na década de 1990, a partir da chegada da terceira geração da família proprietária aos negócios. O modelo de governança passou por melhorias contínuas até chegar ao atual, em vigor desde 2016. A partir da criação da Votorantim S.A., uma holding de investimentos, cada uma das oito empresas participantes possui seu próprio conselho de administração e autonomia para tomar decisões sobre suas necessidades específicas.

A partir da ideia de “governança empreendedora”, aumenta-se o foco em cada um dos segmentos tão diversos do grupo: mercado financeiro, produção de suco de laranja, energia elétrica, cimento e alumínio. A holding direciona sobre a visão de longo prazo e mantém avaliações periódicas para estimular a consistência no desempenho. A nova estrutura – que inclui um comitê de diversidade e inclusão, uma área de riscos, uma nova cultura de inovação e a transformação dos portfólios de produtos – trouxe resultados positivos. Em 2016, a Votorantim teve prejuízo líquido de 1,2 bilhão de reais. Dois anos depois o resultado foi revertido em lucro líquido de 2 bilhões de reais.

Entre 15 políticas de Compliance mapeadas em pesquisa do IBGC, apenas quatro são adotadas por mais da metade das companhias

COMPLIANCE COMO PRIORIDADE
Na agência de relações públicas e gestão de crises Trama Reputale, aumentou a demanda por campanhas de comunicação interna, especialmente sobre compliance. Para aprimorar o atendimento, um grupo de 15 analistas, gerentes e diretores – do total de 45 funcionários – passou por um curso de compliance no início de 2021. Assim, a agência pode estruturar melhor o plano de fortalecimento de valores corporativos e princípios éticos de clientes. O time deve continuar se especializando em ESG para ser acionado sobretudo em crises de imagem e reputação. Há cinco anos a Trama inclui temas como integridade, propósito e impacto social na estratégia de comunicação de clientes – em 2020, inseriu o pilar de diversidade e inclusão. “A agência tem o papel de influenciar a forma como as empresas operam ao propor um olhar mais amplo sobre atributos de marca, além de produto e lucro”, diz Leila Gasparindo, CEO da Trama Reputale.

No início de 2021, o IBGC publicou uma pesquisa sobre programas de compliance realizada com 104 empresas de capital fechado. Entre 15 políticas mapeadas pela pesquisa, apenas quatro são adotadas por mais da metade das companhias. Destaca-se o Código de Conduta, presente em 79%. Quase metade dos respondentes concorda em que a pandemia tornou necessário aprimorar a gestão de riscos de compliance. Entre as 12 categorias de riscos mapeadas, crimes e impactos socioambientais aparecem em último lugar (22%). Entretanto, alguns de seus pilares aparecem nas primeiras posições: a gestão de terceiros (54%), assédio moral e sexual (49%), riscos trabalhistas aos direitos humanos (48%) e corrupção (43%).

Adotar um programa de compliance e atualizá-lo anualmente desde 2015 tem permitido à fabricante de cabos elétricos de alumínio e cobre Alubar, com sede no Pará, realizar sua internacionalização no Canadá e continuar crescendo mesmo na crise do coronavírus. “O programa atrai clientes que também se preocupam com as questões ESG”, declara André Cruz, diretor de Auditoria Interna e Compliance, que responde ao conselho de administração da companhia de capital fechado. Garantir a conduta ética também facilita o acesso a crédito. De acordo com o executivo, ter um bom programa de compliance favorece a avaliação dos bancos sobre o risco da empresa e a obtenção de melhores taxas de juros e prazos de financiamento.

Empresas precisaram reforçar seus códigos de conduta durante a pandemia, e a comunicação interna foi uma grande aliada

Antes, decisões relacionadas à conduta de funcionários e fornecedores da Alubar eram subjetivas. Agora, um comitê de ética, formado por sete membros representantes das principais áreas da empresa, avalia qualquer desacordo sobre denúncias de violações ao código de conduta e integridade da companhia. “Cada pessoa possui valores próprios adquiridos ao longo da vida. Com regras claras e bem difundidas, diminuem-se os impasses relacionados ao que a empresa tolera e não tolera”, diz Cruz. Uma pesquisa realizada por uma agência independente descobriu que a clareza sobre as condutas esperadas pela Alubar ajudou a melhorar o clima do ambiente de trabalho e aumentar a credibilidade.

Muitos veem o compliance e a governança como temas chatos e burocráticos. Para eles, regras demais podem engessar o andamento dos negócios, especialmente na competição com startups ágeis que forçam mudanças de legislação ao criar hábitos de multidões com seus produtos e serviços inovadores. Mas regras de menos aumentam os riscos de gerar culturas empresariais tóxicas. Some-se a isso a necessidade de isolamento durante a pandemia, que afastou fisicamente a maioria das pessoas de seu ambiente de trabalho e das relações comerciais e afetivas. Algumas empresas precisaram reforçar seus códigos de conduta, e a comunicação interna foi uma grande aliada. Na farmacêutica alemã Boehringer Ingelheim, a área de Compliance recebe o apoio da Comunicação Interna para publicar matérias na intranet que fisguem a atenção dos funcionários.

É comum em companhias que estejam reforçando políticas de conformidade organizar uma semana temática. A Boehringer também faz isso. Entre 2018 e 2020, a satisfação dos funcionários com a Compliance Week cresceu de 89% para 95%. Um dos motivos está ligado a um palestrante de 2020: o americano Richard Bistrong. Ex-vice-presidente de uma multinacional e com mais de 20 anos de experiência em vendas, Bistrong foi condenado por suborno pela Justiça dos Estados Unidos e do Reino Unido e passou 14 meses em uma prisão federal norte-americana. Depois de colaborar por cinco anos em investigações dos dois governos, ele criou uma consultoria para ressaltar o valor da integridade e da ética para os times executivo, de finanças, compliance, vendas, RH e conselhos de administração. “Nossos treinamentos são muito práticos, com situações ambíguas para preparar a equipe sobre como responder a elas”, conta Juliane Zaché, head de Comunicação, Advocacy para Pacientes e Responsabilidade Social da Boehringer Ingelheim Brasil.

Sete em cada dez empresas ouvidas na pesquisa do IBGC afirmam ter canais de denúncia, mas 42% enfrentam dificuldades em fazê-los funcionar. A solução está em inspirar confiança e segurança para que denúncias sejam realizadas e resolvidas e que denunciantes não sofram retaliações. Pensando nisso, a Boehringer implementou globalmente em 2017 a cultura Speak Up (“Manifestar-se livremente” em inglês). O objetivo é estimular que funcionários, clientes, fornecedores ou qualquer outra parte envolvida fale abertamente quando souber de um comportamento relacionado à empresa que não esteja em conformidade. Há também um portal para enviar relatos anônimos, com a possibilidade de manter o diálogo com a companhia no acompanhamento dos casos. “Reforçamos com líderes de todas as áreas que não somos só eu e minha equipe que somos donos desse tema”, afirma Patrícia Gregório, diretora de Legal & Compliance. “Todos da empresa são um pouco donos da área de Compliance.” É especialmente valioso o apoio de outros setores porque apenas 36% das companhias de capital fechado possuem uma área de Compliance dedicada, segundo o IBGC.

Estudos apontam que um conselho mais diverso e mais mulheres em postos de comando reverberam a inclusão por todo o organograma

DIVERSIDADE E INCLUSÃO
Diante da pandemia, o IBGC atualizou seus pilares de governança, explicitando a ética e a integridade como “imperativos morais e fatores decisivos para a continuidade dos negócios”. A instituição ressalta o respeito à diversidade e estimula a inclusão como “fonte permanente de criatividade e longevidade”. Sua recomendação aos líderes é integrar a gestão dos impactos ambientais e sociais ao modelo de negócio e “promover articulação com os diversos setores da sociedade”. Além de inovar e transformar para gerar valor para todas as partes interessadas, devem “promover a transparência e prestar contas de sua atuação, a fim de obter mais confiança e melhores resultados”. Para o IBGC, os conselhos do futuro “devem ser compostos com maior foco em diversidade e competências socioemocionais, com disposição para ouvir ativamente, desaprender e reaprender”.

Estudos apontam que um conselho mais diverso e mais mulheres em postos de comando reverberam a inclusão por todo o organograma. E o crescimento dos critérios ESG no mercado financeiro aponta o potencial de valorização de empresas mais diversas. No Brasil, porém, as mulheres ocupam somente 11,5% dos postos em conselhos das empresas de capital aberto, segundo o estudo Board Index 2020, da SpencerStuart. De olho na necessidade de mudança, a corretora de valores XP Inc. lançou, em setembro do ano passado, um fundo de investimentos com empresas que possuem mulheres nos postos de comando, o Trend Lideranças Femininas, com 168 ativos como PayPal, Visa e Johnson & Johnson. Outro produto ESG da XP é um fundo local que investe no Global Impact, fundo gerido pela BlackRock que reúne empresas comprometidas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU – é o caso da Safaricom, a maior empresa de telecomunicações do Quênia, que criou um sistema monetário para celular, contribuindo para a inclusão financeira na África.

Esses são apenas alguns exemplos da evolução das iniciativas nesse campo desde a criação de uma diretoria de ESG, em junho de 2020. “A decisão de ter a diretoria é para dar mais força ao tema e caminhar com passos mais rápidos e largos. A pandemia tem mostrado como companhias com altos padrões ESG reagem melhor às crises”, afirma Marta Pinheiro, sócia-diretora ESG da XP Inc. A corretora alicerça seu plano de acelerar o passo com o treinamento dos milhares de agentes autônomos e clientes utilizando materiais gratuitos em seu site e com o estímulo à educação do mercado em geral. Segundo ela, as novas gerações de investidores têm procurado fazer escolhas considerando padrões de sustentabilidade. “Quem conseguir se antecipar a essa visão terá vantagens”, avalia. Em março de 2021 aconteceu seu primeiro evento temático, o XP Expert ESG. Online e gratuito, o encontro teve, durante quatro dias, palestras com especialistas em sustentabilidade.

Comunicar uma história de atitudes éticas e coerentes é o alicerce para construir uma boa reputação, o que dá perenidade aos negócios

Comunicar uma história de atitudes éticas e coerentes é o alicerce para construir uma boa reputação, o que dá perenidade aos negócios. E, como um organismo vivo, as histórias empresariais demandam constante atualização. Como afirmam Paulo Nassar, diretor-presidente da Aberje, e Carlos Parente, especialista em gestão de crises de multinacionais e coordenador do Programa Avançado de Relações Institucionais e Governamentais da Aberje, no livro Lobby e Comunicação: A Integração da Narrativa como Via de Transformação, “as empresas são histórias e são alimentadas e criadas por suas histórias. Quando as empresas as esquecem, elas também são esquecidas. Simples assim”.

* Italo Bertão Filho é jornalista. Teve passagens pela revista Amanhã, pelo Metro Jornal e pela Secretaria de Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul. Escreveu para o Zero Hora e para o Jornal do Comércio, entre outras publicações.

 

ilustração: joão lin
 
COMPARTILHAR