Comunicação sustentável
Nos últimos anos a Amazônia se tornou tema central na esfera midiática global. Mas, para além dos holofotes, ela agora exige protagonismo. Ouvimos comunicadores locais, técnicos e executivos de empresas que atuam na região para entender as peculiaridades dessa potência nacional
Com a agenda ambiental e climática em destaque, a Amazônia se tornou central na esfera midiática e política global. Nos últimos anos a região tem sido tema central de discussões veiculadas por meios de comunicação nacionais e internacionais, em salas de reuniões empresariais e nos diálogos da sociedade civil. Trata-se de uma potência em todos os sentidos, começando pelo seu tamanho. Composta pelos estados do Amazonas, Acre, Pará, Amapá, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins, a Amazônia Legal abrange uma área de 5,1 milhões de quilômetros quadrados, correspondendo a 59% do território nacional, e é habitada por 27,8 milhões de pessoas, representando 13% da população brasileira. Se fosse um país, seria o sexto maior do mundo em extensão territorial.
A escolha de Belém, capital do Pará, como sede da 30ª edição da Conferência das Partes (COP) da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2025 confirma essa perspectiva e tende a colocar a região ainda mais em evidência. Contudo, há o risco de cair em clichês que frequentemente retratam a Amazônia de maneira estereotipada. Esse perigo se estende à comunicação, incluindo a comunicação corporativa. A Amazônia não é apenas um cenário; é protagonista, um polo de inovação, tecnologia, desenvolvimento sustentável e geração de negócios. A comunicação, portanto, desempenha um papel crucial na defesa da reputação regional, que está sob os holofotes globais.
Diante desse contexto, e com o objetivo de promover a troca de experiências, a Aberje inaugurou em agosto de 2023 o Capítulo Amazônia. Para Elis Ramos, gerente de Comunicação para o Território Norte da Vale e diretora do Capítulo Amazônia, as dimensões e a diversidade cultural da região impõem vários desafios. Um deles é compreender que a comunicação corporativa ali não deve ser homogênea. Outro é evitar a reprodução de estereótipos quando se comunica “para fora”. “Uma das propostas da iniciativa é pensar a comunicação que as organizações fazem sobre a Amazônia a partir de quem está na Amazônia”, explica Elis.
A ideia do Capítulo Amazônia surgiu de diálogos entre profissionais de empresas associadas à Aberje e foi abraçada pela diretoria-executiva como uma forma de promover intercâmbio e ampliar a participação da Associação na região, que hoje conta com 35 empresas em sete estados. “Nossa intenção é trazer eventos para cá, qualificar o ecossistema, mas também levar a Amazônia para o resto do país. As marcas que desejam atuar na Amazônia ou falar sobre ela precisam compreender a complexidade da região”, explica Elis.
Para atuar na região, destaca Elis, uma grande corporação precisa construir uma estratégia de comunicação alinhada e integrada. O desafio é simultaneamente dialogar com as comunidades, atender à imprensa regional, nacional e internacional, além de prestar atenção à comunicação interna, institucional e de relação com clientes. “Nenhuma grande empresa hoje consegue atuar sem pensar na sua relação com todos os setores que compõem a sociedade.”
Um ponto a ser destacado, segundo a diretora do Capítulo, é a necessidade de compreensão do contexto cultural para promover uma comunicação mais efetiva e verdadeira. “Muita gente fala da Amazônia, mas sem entender. Por exemplo, é muito difícil você não incluir o contexto cultural. Alguém que desconhece o Círio de Nazaré e a importância dele para o paraense pode até montar uma estratégia de comunicação, mas não saberá fazer a estratégia de ativação”, exemplifica.
Troca de conhecimentos
Buscando compreender essas complexidades, em outubro de 2023 um grupo de 21 profissionais das áreas de Comunicação e Sustentabilidade de diferentes empresas realizou uma imersão de seis dias na região. A Expedição Amazônia: Conhecer para Comunicar foi promovida pela Aberje em parceria com a Academia Amazônia Ensina (ACAE), com patrocínio da BASF e do Itaú Unibanco e apoio da Bayer e da LATAM Airlines. “Foi uma experiência impactante na qual se percebe o muito que já é feito ali em diversas áreas e deixou uma mensagem bem clara: é preciso escutar as pessoas, conhecer e viver a realidade local para entender os desafios”, relata Ivania Palmeira, consultora de Sustentabilidade e Engajamento Social da BASF.
Ligia Sato, gerente de Sustentabilidade da LATAM Airlines Brasil, é outra profissional que trouxe na bagagem mais conhecimento sobre as necessidades e as possibilidades da Amazônia. “Foi uma iniciativa inédita e bastante necessária. A sociedade como um todo precisa se mobilizar em prol da conservação da floresta, não apenas quem vive na região”, analisa. “O conhecimento é uma das peças fundamentais para que a tomada de decisão seja realizada com efetividade e com base em fatos, e não em pré-conceitos.”
Ligia destaca a importância da iniciativa também devido às operações da LATAM na Amazônia. Na Estratégia de Sustentabilidade da empresa, um dos principais pontos é a aquisição de créditos de carbono provenientes de projetos na área para a compensação de CO2 dos voos. “Estamos trabalhando em iniciativas junto à Embratur para promover o turismo sustentável na Amazônia, além do apoio a ONGs que atuam na região com ações de saúde, como a Amazone-se e o Alto Arapiuns; em cozinhas solidárias, como a Gastromotiva; e no apoio a animais em situação de risco, com o Grupo de Resgate de Animais em Desastres (GRAD).”
Protagonismo local
A dimensão dos desafios da comunicação na Amazônia é proporcional às oportunidades. Dulcivânia Freitas, analista de comunicação da Embrapa do Amapá, destaca que em todos os nove estados da região existem instituições que produzem conhecimento por meio de pesquisa e inovação, o que permite uma conexão mais próxima e propositiva. “Esse é o ponto de partida para uma comunicação vinculada ao desenvolvimento da região, reconhecer o protagonismo local. Isso falando apenas do ponto de vista institucional”, salienta. “Quando lançamos o olhar para o conhecimento acumulado pelas populações locais, amplia-se ainda mais o leque de possibilidades para desenvolver ações de comunicação conectadas diretamente com as demandas da região.”
Como exemplo de atuação, Dulcivânia destaca que a Embrapa tem mais de 20 portfólios que congregam centenas de projetos. Entre eles está o Portfólio Amazônia, no qual as ações de comunicação constituem um esforço organizado e planejado visando a integrar as equipes dos nove centros de pesquisas instalados na Amazônia Legal. “Preparamos diferentes produtos de comunicação com o objetivo de fornecer dados e subsídios para a sociedade compreender o papel da pesquisa agropecuária na mitigação dos efeitos da crise climática na produção de alimentos”, explica.
Larissa Mahall Marinho, especialista de comunicação do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), foi uma das participantes da Expedição e compartilha a opinião de que para comunicar sobre a Amazônia é preciso conhecer mais as iniciativas regionais que já produzem conhecimento, dialogam e comunicam com a população local. “Especialmente para a produção de conteúdo sobre o bioma, o planejamento de imprensa é fundamental, incluindo oportunidades para além da divulgação factual de resultados e eventos. Além disso, consumir produtos, acessar mídias locais, conhecer pessoas nortistas é indispensável para esse debate inclusivo e diverso”, analisa.
Para ela, o encontro com jornalistas e profissionais de comunicação e sustentabilidade durante a expedição foi uma oportunidade única de aproximação. “O intercâmbio de conhecimento é uma das formas de conexão do Idesam com a sociedade civil para promover uma nova economia de base inclusiva e sustentável na Amazônia. Dessa maneira, dialogar com profissionais de comunicação conectados com a Aberje possibilitou uma abordagem crítica e propositiva da tarefa de fazer comunicação”, complementa.
Atuando há quase 40 anos na Amazônia, a Vale desenvolveu – e continua a desenvolver – uma comunicação inclusiva na qual o engajamento com as comunidades locais é essencial. Mais do que isso, a meta é fazer a ponte entre o regional e o global. “Queremos, por meio da proximidade com as comunidades, fortalecer a escuta de quem mora aqui para apoiar a integração de diversas áreas dentro da empresa e ajudar a planejar ações ainda melhores e mais efetivas em benefício da região”, diz Leandro Mode, diretor de Comunicação da Vale.
Dentro desse propósito de apoiar e integrar o debate e as discussões para gerar soluções e novas propostas está, por exemplo, o patrocínio master à Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, realizada em 2023. “Ao comunicar na Amazônia, queremos contribuir de forma estratégica para a visibilidade de ações que tenham potencial transformador e promovam a convivência harmônica e sustentável nessa região que tem a ver com o mundo todo”, explica Leandro.
As “amazônias” na Amazônia
Cleide Pinheiro, jornalista e sócia da Temple Comunicação, agência especializada em assuntos amazônicos, considera que o ponto de partida para compreender a região e suas particularidades para uma estratégia de comunicação é entender que existem diversas “amazônias”. Segundo ela, a imagem criada sobre o território por quem não conhece ou não vive nos estados da Amazônia Legal é bem diferente da realidade. “O nosso grande diferencial é essa compreensão da complexidade e da diversidade da região amazônica e uma atuação muito próxima com a comunicação corporativa das grandes empresas que estão aqui”, avalia.
Com 36 clientes na carteira – boa parte dos quais atuando na Amazônia – e presente em 11 estados, a Temple é uma das referências da região e tem na colaboração e nas parcerias uma de suas forças. “Nós temos uma frente de atuação com parcerias, em colaboração com outras agências, formando uma rede que nos fortalece e ajuda a chegar a diferentes municípios, mas com a mesma robustez e profissionais locais”, afirma.
De acordo com Cleide, os projetos de comunicação para empresas de grande porte, algumas com mais de 3 mil funcionários, permitiram que a Temple desenvolvesse um conjunto de ações integradas na área de comunicação corporativa. “Temos projetos de grande relevância que exigem ações amplas, seja na comunicação interna, abrangendo um grande número de funcionários, mas também projetos com comunidades, um esforço na área de diálogo social e mesmo na de gestão de reputação, que é algo desafiador na Amazônia”, aponta.
Com a proximidade da COP-30, em 2025, a Temple tem participado de fóruns de discussão sobre mudanças climáticas e treinado a equipe para essa temática. “Nós lidamos com muitos povos, com comunidades tradicionais e com uma pressão internacional muito grande. Existe um fator Amazônia. Uma ação de assessoria de imprensa para explicar uma situação ‘x’ em São Paulo, por exemplo, é bem diferente do que precisa ser feito na Amazônia, que tem uma amplitude maior”, comenta. “Estamos qualificando a equipe de maneira contínua. A gente sempre vai precisar dar mais informação, explicar mais; isso nos impulsiona a sermos melhores.”
Comunicação autêntica
Utilizando bioativos da região amazônica em seus produtos há mais de 20 anos, a Natura prioriza em sua estratégia de comunicação espaço para as comunidades locais que fornecem matéria-prima. “Se a comunicação busca refletir a nossa presença na região, essa presença precisa ser autêntica, ela precisa ser genuína. A Natura fala da Amazônia, mas a Amazônia também fala da Natura”, afirma Michel Blanco, head global de Relações Públicas da empresa.
A estratégia de comunicação da Natura na Amazônia inclui presstrips com formadores de opinião, jornalistas e influenciadores. Para chegar ao patamar atual de diálogo permanente com as comunidades, ela percorreu um longo caminho. “Fomos uma empresa pioneira nessa relação direta e aprendemos com erros e acertos, atuando de uma maneira que ainda não tinha parâmetros”, destaca Michel. “Achamos estratégico levar as pessoas para conhecer o nosso modelo de negócio, mas sobretudo para conhecer a cultura e as pessoas daquela região. E é sempre uma experiência que muda muito a perspectiva dos visitantes sobre a Amazônia”, complementa.
Para o atendimento regional, a Natura há nove anos atua em conjunto com uma agência local, a Eko, que tem sede em Belém. “É importante que as pessoas locais também sejam ativos nesse movimento de comunicação”, argumenta Michel. “É preciso ter sotaque, ter a proximidade. Não significa que alguém aqui em São Paulo não possa conhecer; é o contrário. Mas é fundamental que você tenha presença de fato. E presença se traduz pelas pessoas.”
Segundo Michel, a Natura entende a comunicação como estratégica para engajar e mobilizar pessoas em torno de causas. Nesse sentido é que foram pensadas ações para levar a Amazônia para outras regiões, junto com os valores que a empresa defende. Entre as iniciativas ele cita os espaços com temática amazônida nas duas últimas edições do Rock in Rio. Outra ação com a temática Amazônia aconteceu durante a disputa eleitoral de 2022, trazendo para o debate a preservação da floresta. “Para entrar numa causa é preciso ter coragem, se envolver, ter compromisso. O papel da Natura é mostrar para as pessoas que está tudo interligado. E a gente depende disso”, reflete Michel.
Para concluir, vale lembrar o que disse o professor Otacílio Amaral, da Universidade Federal do Pará (UFPA), em seu livro Marca Amazônia: o marketing da floresta, lançado em 2016: “A Amazônia como marca é um ativo que agrega valor a um produto ou empresa. É preciso ter cuidado com essa marca, pelos significados que carrega. Se usar, tem que demonstrar na prática. Se não tiver materialidade, a estratégia fica esvaziada, ainda mais nesse momento de maior atenção para a região”.
Daniel Nardin
Jornalista e mestre em Comunicação. Foi secretário de Comunicação do Pará e é presidente do Instituto Bem da Amazônia e coordenador-geral da plataforma Amazônia Vox.