Reportagem COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL · EDIÇÃO 111 · 2023

A Amazônia é sua gente

Nenhuma solução para tantas questões desafiadoras será efetiva se os nossos ouvidos de comunicadores não estiverem conectados e abertos para as vozes dali

Alecsandra Zapparoli

“Maninho do céu, o bicho tá travado.”

A frase, com sotaque manauara bem carregado, saía repetidas vezes, com graça, de um robô impedido de seguir adiante por causa de um obstáculo. Essa foi uma das muitas surpresas que experimentamos no Instituto de Desenvolvimento Tecnológico (INDT), em Manaus, a primeira visita de uma programação intensa que fizemos durante a Expedição Amazônia – Conhecer para Comunicar, promovida pela Aberje e pela Escola Amazônia Ensina. O centro de inovação que nasceu em 2001, fundado pela Nokia, e 15 anos depois se tornou independente, é apenas um exemplo do potencial da Amazônia além de suas sumaúmas, seringueiras e cacaueiros. O INDT oferece soluções nas áreas de software, hardware, comunicação e redes, manufatura avançada, robótica, materiais, química e biotech. Na verdade, são os profissionais dali que fazem o lugar pulsar. Assim como ribeirinhos, indígenas, quilombolas e toda sorte de gente entre os seus 28 milhões de habitantes (13% da população do país) dão vida à região que ocupa 59% do território brasileiro.

Após seis dias vivendo e vendo os estragos da seca histórica que assola o estado, participando de palestras, conhecendo de perto a realidade local, ouvindo pessoas e compartilhando ideias com os colegas de expedição, é possível concluir com segurança: a Amazônia é sua gente. Nenhuma solução para tantas questões desafiadoras (garimpo, desmatamento, falta de logística, pobreza, entre tantas outras) será efetiva se os nossos ouvidos de comunicadores não estiverem conectados e abertos para as vozes dali. Há um conflito de poder entre os muitos públicos que vivem e sobrevivem da Amazônia. Diferentemente do que costuma povoar o nosso imaginário quando se pensa na região, nenhum problema ali é só ambiental. A questão é socioambiental. E muito mais complexa do que às vezes querem fazer parecer aqueles que não se debruçam sobre o quadro mais amplo de desafios e possibilidades literalmente amazônicos dessa região. Para começar, a sociedade brasileira tem um enorme desconhecimento sobre dois aspectos cruciais dessa discussão: a floresta e os povos originários. Ainda que esses dois aspectos eventualmente ocupem considerável espaço nas imagens – reais ou estereotipadas – do imaginário do próprio brasileiro sobre o lugar, parece ser ainda maior o desconhecimento da sociedade sobre a população amazônida. Comunicadores e formadores de opinião na mídia precisam ampliar repertório e visão para que a representação sobre a Amazônia seja mais abrangente.

Apesar de ocupar boa parte do território brasileiro, a participação da região no PIB nacional é de apenas 8%. Depois do ciclo da borracha (1873–1945) e da Zona Franca de Manaus, não houve e não há diversidade nas atividades econômicas. Seria urgente promover e desenvolver uma nova economia de base inclusiva e sustentável, como defende o Idesam, uma das muitas organizações da sociedade civil que atuam junto a produtores rurais, comunidades tradicionais, ribeirinhas e indígenas. Estivemos lá durante a expedição e pudemos entender um pouco mais a proposta deles.

Do cenário de inovação, biotecnologia e bioeconomia partimos para uma outra Amazônia. Fomos conhecer uma comunidade local, a do Tumbira, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, para entender o turismo de base comunitária do Amazonas. A comunidade é modelo de sucesso e de desenvolvimento comunitário por meio do apoio e dos investimentos da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), uma organização da sociedade civil e sem fins lucrativos que dissemina e implementa conhecimentos sobre desenvolvimento sustentável, contribuindo para a conservação da região.

Chegando lá, depois de uma viagem de 7 horas de barco partindo de Manaus (em época de cheia o trajeto é feito em 2 horas), a sensação é esta mesmo: a de que há muitas Amazônias dentro da Amazônia. Andamos pela floresta, ouvimos os silvos, trinados e cantos de uma mata que é tudo menos silenciosa, conhecemos a história inspiradora do ex-madeireiro e líder comunitário Roberto Brito, entre outros personagens dali, sentimos na pele o calor úmido e literalmente sufocante e comemos muito peixe com farinha. Parte dos integrantes da expedição dormiu no barco e parte na Pousada Guarrido, no Tumbira (70% da renda deles vem do turismo, e 30%, da pesca).

A experiência, que contou com o patrocínio da BASF e do Itaú, foi transformadora do ponto de vista pessoal e profissional. Além de ter voltado mais instrumentalizada para informar sobre a sustentabilidade com responsabilidade ética e consistência, conheci e criei laços com comunicadores incríveis de grandes empresas. Enxergar, analisar, compreender e informar sobre a complexidade da realidade amazônica, com as melhores referências, narrativa envolvente e capacidade de segmentação de pauta e linguagem, talvez seja uma das missões mais relevantes que o jornalismo pode abraçar agora. Não apenas um certo tipo de jornalismo, não apenas um jornalismo do passado, mas com certeza um novo jornalismo que certamente inclui o jornalismo empresarial em todas as suas formas, de criação de conteúdo próprio ou em parceria.

A Amazônia é uma pauta pedindo para ser contada. Estamos a dois anos da COP-30, em novembro de 2025, quando o mundo se reunirá em Belém (PA) para discutir um tema que está longe de ser “o planeta”, mas principalmente o humano que o habita. É nesse contexto que temos trabalhado, na Galápagos, com a formação e a conexão de comunicadores diversos com visões e sotaques regionais. Nos encontros anuais de formação de comunicadores, a Jornada Galápagos, temos ouvido cada vez mais as vozes de narradores amazônidas.

Trabalhar com algumas vozes dessa e de outras regiões para ajudar a sociedade brasileira a conhecer melhor a questão é uma ideia que se conecta ao espírito da própria expedição. Tenho certeza de que ainda vamos conversar mais sobre isso. Afinal, como diz o título da expedição, precisamos conhecer para comunicar. E precisamos comunicar para mobilizar. É hora de levarmos a cobertura dessa pauta a um novo patamar. Uma missão que o jornalismo empresarial pode e deve abraçar.

Alecsandra Zapparoli é founder da Galápagos Newsmaking, uma digital-first publisher dedicada à criação, curadoria, consultoria e educação em produção de conteúdo

 
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