Dossiê COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL · EDIÇÃO 110 · 2023

Na era do ESG, planilhas dão o tom na comunicação

O bom comunicador deve dominar as disciplinas da administração – além de promover o diálogo e a conexão entre os diversos públicos da corporação, precisa estar preparado para encarar novas demandas organizacionais

 

Aline Scherer

Gestão é a palavra de ordem hoje para a comunicação organizacional eficaz e de excelência. O comunicador-gestor e a comunicadora-gestora precisam lidar cada vez mais com responsabilidades e demandas complexas, da gestão humanizada e personalizada à administração do orçamento. Este último um aspecto de suma importância, como mostra pesquisa exclusiva da Aberje – segundo o estudo, o valor total dos orçamentos destinados às atividades de comunicação empresarial das organizações no Brasil, com faturamento anual bruto acima de 300 milhões de reais, fechou o ano de 2022 com um movimento de 30,2 bilhões de reais.

Além dessas ações, a nova comunicadora e o novo comunicador promovem o diálogo constante entre os diversos públicos das organizações e são agentes fundamentais na elaboração, na promoção e na difusão das visões estratégicas das empresas e instituições que representam. Contribuem, assim, para que a construção desses diálogos e conexões e o posicionamento dos objetivos estratégicos se façam de forma ambientalmente sustentável, socialmente responsável e dentro de padrões éticos e transparentes. A urgência dessa conexão é salientada pela Aberje em seu tema do ano: “Conexões que transformam: a força da rede no crescente mercado da comunicação empresarial”.

Por isso mesmo a entidade tem olhado com desvelo para a formação dessa nova geração de gestores-comunicadores ao criar, em uma parceria da Escola Aberje com a FGV, o MBA em Gestão da Comunicação Empresarial. O curso é focado em oferecer as bases para a evolução do profissional na sua preparação para posições de liderança, atuação gerencial, atualização tecnológica e aprimoramento no conhecimento sobre as novas tendências em comunicação.

A comunicação foi essencial para a continuidade dos negócios nos últimos três anos. Primeiramente, a pandemia levou à adoção massiva de ferramentas digitais, tornando evidente a necessidade de atualizar códigos de conduta para as novas formas de trabalho. Em seguida, fenômenos como “A Grande Demissão” e a “Demissão Silenciosa” mostraram que é preciso um esforço maior das empresas para reter talentos, transformar as dinâmicas de comunicação interpessoal e o significado do trabalho. Para todas essas questões, a capacidade de gestão de líderes das agências e áreas de comunicação é uma habilidade decisiva para o sucesso das organizações.

Uma pesquisa da Page Personnel, consultoria global de seleção de funcionários para cargos de nível técnico e suporte à gestão, concluiu que nove em cada dez profissionais são contratados por suas habilidades técnicas e demitidos por causa de comportamentos inadequados e condutas inesperadas. Eis aí um ponto de atenção para o gestor contemporâneo, como Rafael Oliveira, gerente de Comunicação e Marketing da Unimed Rio. Transformações recentes na empresa e na equipe levaram Oliveira a dedicar cerca de 80% de seu tempo para gestão de pessoas e planejamento. Ele também está mais focado em estimular bons comportamentos, priorizando esse critério na seleção de novos funcionários.

A capacidade de gestão de líderes das agências e áreas de comunicação é uma habilidade decisiva para o sucesso das organizações

Em 2020, todos os funcionários da Unimed Rio assinaram um novo contrato para adoção do trabalho híbrido que permite ir ao escritório da empresa no máximo duas vezes por semana. Um pouco antes Oliveira havia estruturado sua equipe em squads temáticos – times autogerenciáveis, em um formato mais horizontal inspirado nos métodos ágeis. Os squads de mercado, branding e digital atuam cada um como uma agência independente, planejando, executando e mensurando os resultados. Com a implementação do formato híbrido, Oliveira organizou um rodízio de trabalho presencial de cada squad para realizar atividades que demandem uma construção coletiva.

Mensalmente ele realiza um dia de trabalho com toda a equipe com atividades para estimular maior conexão entre as pessoas. Planeja o exercício de acordo com o momento que o grupo ou a empresa estão vivendo e escolhe um local diferente do escritório. No início de 2022, com cerca de 20% da equipe renovada, o executivo sentiu que precisava estimular a integração dos novos membros. Organizou um dia de evento em um hotel e, no mês seguinte, marcou um encontro dos mesmos funcionários em um parque. “Gosto do fator surpresa para perceber as reações espontâneas, a aceitação das pessoas e treiná-las para o inesperado, para o diferente. Há vários paralelos com o dia a dia da empresa, do trabalho em equipe, como treinar a resiliência e lidar com frustração”, explica.

Demissão silenciosa

A mais extensa pesquisa sobre engajamento no trabalho, realizada pela consultoria Gallup em 96 países com mais de 100 mil trabalhadores e publicada em 2022, mostra que apenas dois em cada dez funcionários estão envolvidos e entusiasmados com seu emprego. O cenário atual está um pouco melhor do que uma década atrás, quando somente 14% dos profissionais estavam engajados, mas ainda assim é preocupante, porque, segundo a experiência de 50 anos de pesquisas da consultoria, funcionários engajados produzem melhores resultados de negócios.

Diante dessa situação, Vânia Bueno cita o conceito do antropólogo, linguista e cientista social britânico Gregory Bateson (1904–1980) segundo o qual a comunicação é praticamente um sinônimo de comportamento. “Mesmo o silêncio comunica”, diz a especialista. Com o fenômeno Quiet Quiting, ou “Demissão Silenciosa”, funcionários têm realizado exatamente as tarefas e o horário de seu contrato de trabalho, sem nenhum desafio ou hora extras, na contramão do que gestores geralmente esperam como prova de sua dedicação ao trabalho e vontade de crescer.

Praticada sobretudo pela Geração Z[1],  que vê no trabalho apenas uma das diferentes possibilidades de realização na vida, a “Demissão Silenciosa” surge também em reação a ambientes profissionais tóxicos. No livro The Cost of Bad Behavior (“O Custo do Mau Comportamento”), as professoras de gestão e liderança Christine Pearson e Christine Porath mostram o resultado de sua pesquisa sobre o que chamam de incivilidades. Em um experimento, as pesquisadoras descobriram que profissionais que testemunharam colegas sendo destratados também eram afetados – 25% pioraram seu desempenho, e 45% tiveram menos ideias. O padrão se repetiu em outros ambientes: em casa, nas escolas, na comunidade, na internet. Por outro lado, a máxima “gentileza gera gentileza” se provou uma realidade: dados de 20 mil empregados em todo o mundo mostraram que respeito é o que a grande maioria espera de seus chefes, mais do que reconhecimento e desenvolvimento profissional. Entre os que se sentiam respeitados, 56% se declararam mais saudáveis; 92%, mais focados; 55%, mais engajados e comprometidos.

Liderança humanizada e responsável

É papel dos gestores fazer as mudanças necessárias para construir um ambiente mais gentil e acolhedor, algo especialmente necessário para gerar inclusão em times com diversidade de perfis de profissionais. “Temos que conhecer muito bem cada um dos liderados para direcionar a comunicação de maneira assertiva”, diz a franco-mineira Béatrice de Toledo Dupuy, gerente de Comunicação Corporativa e Sustentabilidade da Santos Brasil, empresa de transporte, logística e armazenamento. “É fundamental encorajar a equipe e sempre dar retorno construtivo. As pessoas não têm a obrigação de entender tudo e fazer da melhor forma na primeira vez. Gosto de andar lado a lado com o funcionário e deixá-lo saber que ele pode aprender com as falhas. Ajudá-lo a pensar como acertar na próxima ocasião, de uma forma mais humana, pois não somos robôs”, complementa.

Na Santos Brasil, encontros temáticos com toda a liderança, conduzidos por uma consultoria, ensinam estratégias para gestores influenciarem positivamente a qualidade de vida e a produtividade dos funcionários. Entre os últimos temas abordados estavam: escuta ativa, a importância de festejar as conquistas, motivar as pessoas e promover o desenvolvimento profissional dos liderados. A escolha dos assuntos abordados partiu de uma pesquisa com os funcionários. Um dos aprendizados que Béatrice destaca é sobre explicar ao time o porquê das tarefas que são solicitadas e dos projetos conduzidos e de que forma isso impacta o negócio e o departamento de Comunicação. Outro aprendizado é sobre resolver os conflitos rapidamente.

A liderança responsável e a gestão da comunicação estão entre as cinco tendências globais em cuja implementação as empresas mais têm trabalhado atualmente, depois da diversidade, equidade e inclusão, da digitalização e do propósito corporativo, de acordo com a edição publicada em outubro de 2022 do relatório Approaching the Future: trends in reputation and intangible asset management (“Aproximando-se do Futuro: tendências em gestão de reputação e ativos intangíveis”). Produzida anualmente pelo Corporate Excellence – Centre for Reputation Leadership, pela CANVAS Estrategias Sostenibles e pela Global Alliance for Public Relations and Communication Management, redes das quais a Aberje faz parte, a pesquisa identifica 16 tendências globais que estão impactando a agenda de negócios – e sobretudo o trabalho das equipes de comunicação.

Liderança responsável e a gestão da comunicação estão entre as cinco tendências globais em cuja implementação as empresas mais têm trabalhado atualmente

Tendências mais trabalhadas pelas empresas globalmente

Pesquisa publicada em outubro de 2022 mostra as tendências em reputação e valores intangíveis que mais têm sido aplicadas pelas empresas

  1. Propósito corporativo: 48,2%
  2. Digitalização: 48,1%
  3. Diversidade, equidade e inclusão: 42,8%
  4. Liderança responsável: 43,3%
  5. Gestão da comunicação: 41,7%

Fonte: Approaching the Future: trends in reputation and intangible asset management, pesquisa realizada por Corporate Excellence – Centre for Reputation Leadership, CANVAS Estrategias Sostenibles e Global Alliance for Public Relations and Communication Management

Diversidade, equidade e inclusão

Os comunicadores são fundamentais para construir narrativas, apurar fatos e divulgá-los interna e externamente, comprovando que a organização está concretizando seu propósito. Muitas pessoas das últimas duas gerações desejam que exista uma integração entre seus valores pessoais e os da empresa e analisam a coerência da narrativa com a prática. Isso coincide com o desejo de gerações mais maduras de deixar um legado. O relatório apontou que, entre todas as 16 tendências destacadas, diversidade, equidade e inclusão foi a que mais cresceu em implementação, passando de 26,5% em 2021 para 42,8% em 2022.

Trata-se de um novo imperativo para a sustentabilidade das empresas. Grandes investidores, como gestoras de investimento e fundos de pensão, atentos à redução de riscos a longo prazo, estão avaliando os aspectos sociais, ambientais e de governança, como a justiça climática e social. Os consumidores cobram que as companhias sejam um local de mais equidade e oportunidade de mobilidade social. No centro estão os líderes com o poder de atuar na mudança, mas para isso precisam desafiar o status quo e muitas vezes impactar nos próprios privilégios ou de seus semelhantes.

Consumidores cobram que as companhias sejam um local de mais equidade e oportunidade de mobilidade social

Em busca de mais diversidade racial em sua equipe, Helena Alonso, líder de Comunicação Corporativa da Dow para o Brasil, pleiteou para sua equipe uma vaga do programa de trainee exclusivo para pessoas negras, lançado no Brasil em 2021, e conseguiu na segunda edição do programa, em 2022. A iniciativa faz parte da estratégia de sustentabilidade da empresa de produtos químicos, plásticos e agropecuários como forma de cuidar de sua longevidade e fortalecer a marca empregadora. A ideia é que a trainee de relações públicas possa se tornar em breve uma gestora, assim como os demais trainees. “A diversidade nos ajuda a ser uma companhia melhor nos negócios e na comunicação. Dentro da empresa do cliente está uma pessoa que vai receber a informação de uma forma diferente que eu, mulher, branca, que tive determinada formação, experiência e acesso”, observa Helena.

A inclusão também é um dos valores da Intel. Em 2020 a companhia lançou globalmente, junto com as demais metas para 2030, uma política de diversidade e inclusão. Em paralelo, todos os gestores participaram do curso “Liderança Inclusiva”, um treinamento desenvolvido internamente que é hoje obrigatório para novos funcionários de qualquer hierarquia. “A comunicação é que cria a narrativa da empresa, então, se não tivermos uma equipe de comunicação diversa e inclusiva, a probabilidade de falhas é maior”, analisa Carol Prado, líder de Comunicação da Intel para a América Latina.

Uma parte da pesquisa de clima organizacional realizada pela área de comunicação interna, em conjunto com a área de recursos humanos, tem perguntas específicas sobre inclusão. Dos 60 países em que a empresa atua, o melhor resultado atualmente é da subsidiária brasileira, com 96% de percepção da inclusão. Ao longo dos últimos anos, esforços em comunicação interna contribuíram para aumentar o engajamento dos colaboradores, de 52% em 2019 para 89% em 2022. “Buscamos ouvir os funcionários, entender o que eles precisavam, o que queriam, como poderíamos ajudar. Mas o engajamento só é realmente efetivo se o que é comunicado de fato se torna realidade”, pontua Carol.

Comunicação interna

Em pesquisa sobre tendências realizada nos últimos três anos pela consultoria global Great Place to Work (GPTW), a comunicação interna aparece como uma das três prioridades em gestão de pessoas, depois de cultura organizacional e desenvolvimento e capacitação de lideranças. É considerada um dos importantes legados da pandemia para a gestão de pessoas, bem como o redesenho das organizações, com a adoção de novos formatos e jornadas de trabalho e mudança nos benefícios, o holofote na liderança e a atenção à saúde mental. Especialmente diante da adoção do modelo híbrido, a comunicação entre as equipes remotas e presenciais tem sido a principal dificuldade para 40% das empresas, o que indica que continuará sendo um ponto de atenção das companhias.

A comunicação entre as equipes remotas e presenciais tem sido a principal dificuldade para 40% das empresas

As redes sociais corporativas têm contribuído para o engajamento, a partir de uma comunicação mais humanizada, colaborativa e democrática, com interações entre colegas, compartilhamento de informações e conhecimento, e os grupos de afinidades. Elas também são uma ferramenta mais familiar para a geração Z de profissionais, que gostam de participar do processo de construção de projetos. “Mais do que produzir conteúdo, o papel principal da área de Comunicação é fazer a curadoria daquilo que é mais importante, além de sustentar a cultura e o propósito da organização”, ressalta Elizeo Karkoski Pereira, diretor executivo e cofundador da P3K, agência especializada em comunicação interna e endomarketing.

O primeiro passo para adotar as redes sociais corporativas é entender se a organização está preparada para esse processo. Por exemplo, se está disposta a aumentar a transparência e o compartilhamento de informações entre as áreas e os funcionários. O segundo é preparar a liderança com treinamentos ao estilo media training, e muitas vezes até ensinar a gravar vídeos. Outra estratégia importante é contar com uma rede de influenciadores internos para contribuir ativamente para a rede social corporativa, incentivando que os demais participem. “Cada vez mais o capital humano é a grande riqueza das organizações, então o futuro do trabalho depende de escutar e entender as necessidades dos seus colaboradores para conseguir retê-los e para atrair novos talentos”, analisa Pereira.

[1] Sobre o tema, acompanhe a série “Geração Z e o mundo do trabalho”, no nosso podcast Think Tank.

Comunicóloga e jornalista formada pela PUCRS, com experiência em cobertura de negócios, carreira, sustentabilidade e inovação. Estuda neurociência cognitiva aplicada ao consumo, espaços e design. Trabalhou durante cinco anos na revista Exame e integrou as redações da CNN Brasil, em São Paulo, da TV Pampa, em Porto Alegre, e a digital do Grupo RBS.

 
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