Entrevista COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL · EDIÇÃO 108 · 2021

Amy Webb
“Comunicadores devem ser Futuristas”

AMY WEBB
COMUNICADORES DEVEM SER FUTURISTAS”

O maior desafio está em como as corporações pensam sobre o futuro

Por Edward Pimenta

Todos os anos a palestra da futurista americana Amy Webb no festival de inovação e cultura SXSW, realizado nos Estados Unidos, é uma das mais concorridas. As pessoas fazem fila para ouvir suas previsões e conhecer as tendências publicadas no Tech Trends Report, estudo anual do Future Today Institute, entidade que ela fundou e dirige, focada em pesquisar tecnologias emergentes e seus potenciais usos futuros.

Amy é uma estudiosa onívora e gosta de dizer que os desafios globais enfrentados pelos negócios e pela sociedade estão interligados entre muitas disciplinas. Sua formação acadêmica inclui os campos da teoria dos jogos, economia, estatística, ciência política, ciência da computação, sociologia, música e jornalismo. É conselheira de empresas e governos no mundo todo, viveu anos na Ásia e fala japonês.

Em seu livro mais recente, The Big Nine, explica como o destino da inteligência artificial está sob controle de nove grandes corporações nos EUA e na China. A parte americana dos Nove Grandes – Amazon, Google, Apple, IBM, Microsoft e Facebook – tem grandes ideias sobre como resolver alguns dos maiores desafios da humanidade, mas se submete aos caprichos de Wall Street e tem com Washington uma relação meramente transacional. Enquanto isso, a parte da China – Baidu, Alibaba e Tencent – é ligada a Pequim e ao Partido Comunista Chinês. No meio disso tudo estão os consumidores e seus dados, sistematicamente extraídos e refinados a serviço da construção do futuro da IA.

Na apresentação do SXSW, feita via zoom em março deste ano, Amy apresentou destaques da 14ª edição do Tech Trends Report. O relatório trouxe aproximadamente 500 tendências, número 22% maior que os das edições anteriores – não causa espanto que a pandemia tenha motivado tantas mudanças. “Se aprendemos algo no ano passado é que temos de ser flexíveis. Mas podemos fazer isso melhor, modelando possíveis cenários”, afirmou ela. Desta entrevista concedida à revista CE emerge uma análise do impacto do desenvolvimento tecnológico no mundo dos negócios e os principais desafios dos profissionais de comunicação corporativa.

Há uma transformação brutal no ambiente de comunicação, não só entre os publishers, mas claramente entre companhias de diversos setores. Quais são os maiores desafios de comunicação que as empresas enfrentam hoje?
Em comunicação há desafios óbvios como gerar e distribuir conteúdo, assim como as consequências da disseminação de desinformação, por exemplo. Os algoritmos de Facebook, Twitter, YouTube e TikTok determinam quais conteúdos têm maior probabilidade de chamar atenção, e hoje está amplamente comprovado que eles privilegiam material incendiário e obsceno – mesmoquando é falso.

Publishers não têm controle do ecossistema de comunicação. Eles se referem às plataformas sociais como se elas fossem parceiras, mas realmente não são – há assimetria nesse relacionamento.

Isso impacta empresas de outros setores também. Os consumidores estão mais críticos, e há entre eles um crescente sentimento de desconfiança. Mas o maior desafio está em como as corporações pensam sobre o futuro. Não tenho visto uma abordagem data-driven para desenvolver estratégias para o futuro.

Como deveria ser a abordagem?
As empresas erram em vários aspectos na previsão. Para começar, poucas organizações adotaram um método formal de previsão estratégica com um léxico compartilhado e não apoiaram institucionalmente esse trabalho preditivo.

O acompanhamento das tendências tende a ser terceirizado a fornecedores que fazem entregas de pesquisas precárias. A modelagem de cenários futuros acontece apenas durante as reuniões de planejamento anual – isso é um equívoco que dificulta reconhecer fatores internos e externos que podem influenciar uma empresa e o setor em que atua.

Eu também acrescentaria que a percepção de risco de um CEO pode se tornar o problema de todos na organização. Da mesma forma, a tolerância de um CEO para arriscar em novas oportunidades pode se tornar um problema de todos.

Quais são, na sua opinião, os setores mais disrompidos nos últimos anos? Poderia dar exemplos de como a transformação digital mudou a maneira como as empresas se comunicam e interagem com seus públicos e stakeholders?
Todas as indústrias foram impactadas. Volto às questões de confiança e fidelidade; sem elas simplesmente não há possibilidade de criar uma audiência. Um bom exemplo de transformação que combina comunicação e negócios se deu na indústria do esporte, com a transferência de Lionel Messi do Barcelona para o PSG, quando os fan tokens chamaram atenção como fonte de receita emergente. Messi recebeu os fan tokens do PSG como parte de seu pacote de remuneração em uma negociação inédita. São ativos digitais operados em um ambiente seguro pela fintech Chiliz e sua plataforma Socios.com. De posse deles, os fãs conquistam o direito de votar em decisões do clube.

Os tokens podem ser entendidos como ativos projetados para aumentar o envolvimento dos fãs, oferecendo acesso a experiências exclusivas e a possibilidade de influenciar em decisões do clube, como a seleção de músicas durante os jogos e o design de murais de vestiários, por exemplo. É realmente um bom exemplo de transformação que combina comunicação, novas maneiras de se comunicar com a audiência e novos modelos de negócios.

Quais tecnologias emergentes devem estar nos radares das equipes de comunicação corporativa? Quais tendências e/ou inovações digitais vão impactar o trabalho desses profissionais?
Eu adoraria ver as pessoas pararem de usar realidade aumentada (AR) e realidade virtual (VR) juntas, como se fossem as mesmas tecnologias. Elas são totalmente diferentes, utilizam diferentes tipos de interfaces de computação e têm casos de uso distintos. Na verdade, estou interessada mesmo no potencial dos óculos inteligentes, que logo chegarão ao mercado. A forma como nos comunicamos hoje, quase exclusivamente pelos smartphones, está prestes a mudar. Em breve usaremos uma constelação de dispositivos.

Segurança cibernética tornou-se um tema prioritário nos últimos anos, e, em 2021, após inúmeros ataques de hackers a empresas americanas e brasileiras, o assunto se tornou ainda maior. Qual é o papel da comunicação corporativa tanto na transformação da cultura interna e na prevenção de agressões quanto no gerenciamento de uma eventual crise?
Especialistas em comunicação corporativa também devem ser futuristas. Isso não significa prever catástrofes, mas sim desenvolver vários cenários para imaginar futuros alternativos, ensaiar esses futuros e estar prontos para reagir e responder. Quando converso com profissionais de comunicação corporativa, eles sempre me dizem que seu trabalho é reagir. Isso não faz sentido! Pelo contrário, precisam monitorar ativamente as forças, os índices e as tendências, ensaiando cenários e atuando como consultores estratégicos para as equipes executivas.

Meus colegas do Future Today Institute têm trabalhado arduamente para democratizar o campo da previsão e para tornar nossas ferramentas e estruturas fáceis de usar por todos. Abrimos o código-fonte de nossas pesquisas, estruturas e ferramentas há vários anos e os disponibilizamos gratuitamente no site da empresa. Mais do que processo e metodologia, é uma questão de mentalidade e cultura. O futuro está sempre chegando – 5 segundos, 5 minutos, cinco anos, cinco décadas de distância. A melhor maneira de moldar o futuro é desenvolver o hábito de sempre ouvir os sinais.

A melhor maneira de moldar o futuro é desenvolver o hábito de sempre ouvir os sinais

Os locais de trabalho serão diferentes no futuro?
Há muita especulação sobre o futuro do trabalho em um mundo pós-pandemia. Sabemos que os humanos são criaturas sociais que prosperam em colaboração, por isso é improvável que optemos pelo trabalho remoto no futuro. Dito isso, há muitas organizações que resistiam às opções de trabalho a distância antes e agora estão tendo dificuldades. O governo Obama defendeu a inovação tecnológica para apoiar o trabalho remoto. A administração Trump então passou três anos revertendo ativamente todas essas disposições e processos – e é por isso que o governo atual está tendo dificuldades agora. Devo mencionar a atitude de Bolsonaro em relação à modernização e à tecnologia? Provavelmente não. [Risos.] O futuro deve ser sobre flexibilidade e adaptabilidade. E o presente também.

 

Entrevista concedida a Edward Pimenta, jornalista, diretor da área de Branded Content da Editora Globo e professor convidado dos cursos de pós-graduação da Universidade Mackenzie

Foto: Divulgação
 
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