Entrevista COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL · EDIÇÃO 107 · 2021

Gillian Tett
“Estamos em um ponto de virada”

GILLIAN TETT
“ESTAMOS EM UM PONTO DE VIRADA”

Para editora da newsletter Moral Money, do Financial Times, o ESG se tornou uma ferramenta de gerenciamento de risco. E ela manda um recado ao agronegócio brasileiro: esteja atento

 

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Por: Aline Scherer

Em 2010, o site The Daily Beast lançou a pergunta: “Gillian Tett é a mulher mais poderosa do jornalismo impresso?” Na época Tett já havia recebido vários prêmios como Jornalista do Ano, um deles pelo livro Fool’s Gold (no Brasil lançado com o título O Ouro dos Tolos), que narra a derrocada da JPMorgan e a crise de 2008.

Hoje, dez anos – e muitas outras premiações – depois, Tett é copresidente do conselho editorial do jornal britânico Financial Times, uma das mais prestigiosas publicações sobre economia do mundo. Além do cargo diretivo, ela também é a editora do boletim Moral Money, dedicado exclusivamente ao tema ESG. A repórter Aline Scherer entrevistou Tett para a revista Comunicação Empresarial. Leia a seguir uma parte dessa conversa*.

Quando e como o Financial Times decidiu lançar Moral Money? E quais são os critérios jornalísticos para a cobertura sobre moralidade nos negócios e economia?
Bem, deixe-me esclarecer uma coisa: ao chamar de “Dinheiro Moral”, não estamos sugerindo que estamos tentando agir como uma igreja, ou ser freiras, ou qualquer tipo de superioridade moral. Chamamos de “Dinheiro Moral” porque estávamos tentando nos referir à ideia de Adam Smith na Teoria dos Sentimentos Morais. Esse foi um livro que Adam Smith escreveu pouco antes de lançar o conceito de mercado livre, capitalismo e competição. Argumentava que, para o livre mercado funcionar com eficácia, você precisa ter uma estrutura moral compartilhada e um senso compartilhado de sociedade e responsabilidade social. E por muitas décadas na última parte do século 20 esse aspecto do pensamento de Adam Smith foi ignorado. Mas acho que, no século 21, as duas metades do que Adam Smith argumentou estão se unindo. As pessoas estão tentando colocar as finanças, os negócios e os mercados em um contexto social mais amplo.

Eu vi pela primeira vez sinais de que o humor estava mudando por volta de 2018. Demoramos um pouco para lançar a plataforma Dinheiro Moral. Fizemos isso no verão de 2019 e descobrimos que nosso momento foi de muita sorte porque, quase desde o dia em que lançamos, há uma discussão crescente na grande mídia sobre o que está acontecendo com as empresas e quais são suas responsabilidades para com a sociedade. No caso da American Business Roundtable [organização que reúne os presidentes executivos de 181 das maiores corporações dos Estados Unidos], eles realmente saíram e disseram muito explicitamente: “Vamos olhar para as partes interessadas daqui para a frente, e não apenas para os acionistas”. E essa é outra maneira de falar sobre um negócio moral.

Você acredita que essa “Revolução ESG” está realmente acontecendo na sua essência ou se trata apenas de cálculos sobre os riscos de longo prazo?
Acho que tivemos três fases na agenda ESG: A primeira, de desenvolvimento, aconteceu no final do século 20 e nos primeiros anos deste século. Tínhamos pessoas com convicções morais muito fortes, que queriam mudar o mundo e se envolveram em investimentos para tentar fazer isso. Elas poderiam ser chamadas hoje de investidores de impacto, que estão seguindo um caminho muito específico de tentar mudar ativamente o mundo. Depois, você tem pessoas que apareceram de 2004 até 2015, que eu chamo de “grupo de sustentabilidade”, tentando não necessariamente ser ativista social, mas se certificar de que não está causando danos. Hoje, acho que o que você tem é um grande grupo de pessoas olhando para ESG porque não quer fazer mal a si próprio e, essencialmente, usando o ESG como uma ferramenta de gestão de riscos: para evitar riscos de reputação, para evitar os riscos de perder seus funcionários, para evitar o risco do cliente – eles estão preocupados com as pessoas não comprarem seus produtos –, para evitar riscos regulatórios, que os governos possam reprimir coisas como poluição, e também para evitar o risco de investimento, porque eles estão preocupados com os ativos que estão expostos, por exemplo, os combustíveis fósseis podem perder valor no futuro. Portanto, o ESG se tornou uma ferramenta de gerenciamento de risco, e não apenas ativismo. Podem dizer que isso torna tudo totalmente hipócrita, que as empresas estão fingindo fazer isso para ajudar os outros, mas estão realmente protegendo a si mesmas. Cobri revoluções físicas reais nos meus primeiros anos como jornalista e sei que as revoluções não acontecem quando uma pequena minoria de ativistas começa a gritar, mas quando a maioria silenciosa se envolve. Acho que é realmente onde estamos no momento, no ponto de virada, e, de certa forma, isso é realmente uma grande vitória para os ativistas originais.

O Brasil tem uma grande oportunidade no agronegócio. Como aproveitar isso da melhor e mais rentável forma, e como o Financial Times está vendo a imagem do agronegócio brasileiro?
Obviamente houve muita controvérsia nos últimos anos em torno da Floresta Amazônica, sobre a agropecuária sendo essencialmente ampliada nessa área e os danos que isso gera ao meio ambiente. O primeiro ponto é que os consumidores estão muito cientes desses problemas, e eu diria que vai aumentar a pressão sobre a preocupação das empresas do agronegócio em mostrar que realmente são sustentáveis, e isso se aplica até mesmo à soja e coisas assim. A agricultura, que foi ignorada na primeira onda do ativismo ambiental, vem aparecendo na agenda e cada vez mais em foco. Minha principal mensagem para o agronegócio seria: esteja atento. Isso está vindo com força. Então tente acompanhar e comece a pensar em como você vai responder agora. E como pode comunicar sua mensagem aos consumidores, se você está fazendo movimentos de sustentabilidade. Mas também faça movimentos de sustentabilidade com pressa se não estiver. Isso pode exigir algumas escolhas muito difíceis, infelizmente. No entanto, eu gostaria de salientar que as empresas que estão acima da curva podem realmente desfrutar de um impulso de consumo. Uma das grandes histórias da newsletter do Moral Money foi sobre a Natura, que se tornou a maior B Corp do mundo. Eles estão absolutamente acima da curva e mostrando muito claramente o que pode ser feito, não apenas no Brasil, mas no cenário global.

No século 21, as pessoas estão tentando colocar as finanças, os negócios e os mercados em um contexto social mais amplo

Fake news, infodemia e democracia foram os principais assuntos da última edição da revista Comunicação Empresarial. Há muitas notícias falsas nos tópicos ESG? Quão arriscado isso pode ser para a reputação de uma empresa ou marca?
Com certeza existe, se não fake news, muita especulação e fofoca sobre o que está acontecendo. E isso vale para todas as áreas do mundo empresarial moderno. Acho que as empresas precisam estar cientes disso. Eles precisam reconhecer isso. Como a [pesquisa da] Edelman [Trust Barometer] apontou pouco tempo atrás, há, sim, uma realidade de que, hoje, se você, como CEO, pensa que pode fazer uma declaração e isso será tomado como a bíblia e a fonte de toda a verdade pelo mundo externo e seus funcionários, repense, pois, na realidade, a comunicação lateral por meio das mídias sociais é tão importante tanto em termos de como a mensagem é percebida, quanto a imagem de uma empresa é divulgada. Quer dizer, acho que a coisa mais importante a dizer é que as notícias falsas são ruins. Tenha certeza de que toda a sua empresa está consciente disso. E garanta que eles recebam muitas notícias reais sobre as quais possam realmente falar em relação a isso, mas também esteja ciente de que há uma enorme quantidade de escrutínio e a vigilância criada por meio da “sabedoria das multidões”, especialmente com as multidões armadas pela mídia social.

As revoluções não acontecem quando uma pequena minoria de ativistas começa a gritar, mas quando a maioria silenciosa
se envolve

Nos tópicos ESG, especialmente a letra E, relacionada às questões ambientais, está sendo discutida há mais de uma geração. Quantas décadas você imagina que levará para que os tópicos social e governança possam evoluir e ser tão maduros quanto o tópico ambiental é agora nos negócios e na sociedade? Tem ideia de como podemos acelerar isso?
O que está acontecendo é essencialmente algo parecido com o que ocorreu com a tecnologia. Se você voltar 20 anos, “tech” era um tópico que estava em um departamento especial de uma companhia e as únicas pessoas que precisavam saber sobre isso eram os “especialistas em tecnologia” e as pessoas no conselho corporativo ou na equipe de relações públicas não esperariam ser especialistas em “tech”. Agora, ninguém pode estar nos negócios sem saber algo sobre tecnologia, pois isso meio que faz parte de nossas vidas. Acho que provavelmente esse é o futuro da sustentabilidade. Eventualmente vai chegar a um ponto em que todas as empresas, todos os membros do conselho, todos os executivos de relações públicas, todos os consumidores precisarão saber algo sobre isso. A questão do “S” é realmente um problema porque o “E” pode ser medido de uma forma que o “S” não pode. No “E” você pode rastrear as emissões de carbono, pode criar um preço de carbono, você tem coisas muito específicas que pode fazer. O “S” é muito mais escorregadio, mas ambos estão sendo levados de mãos dadas agora. Então, embora eu duvide que o “S” algum dia vá ter a posição do “E”, ele definitivamente não pode ser ignorado.

Foto: Divulgação
 
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