Publicado originalmente no LinkedIn em 16 de novembro de 2021
“Apenas quando as pessoas começam a ver de dentro as forças que moldam sua realidade e a enxergar seu papel no modo como essas forças devem evoluir é que sua visão se torna potente. Qualquer coisa além disso é apenas uma vaga esperança.”(Otto Scharmer)
Diariamente somos confrontados com algo que desejaríamos ver transformado. A posição que assumimos diante dessa realidade determina o destino do desejo. Vaga esperança ou visão potente? Depende de como nos posicionamos. Somos vítimas do problema ou parte dele e, consequentemente, parte também da solução?
A frase que abre este artigo foi retirada do conteúdo do “u.lab: Leading from the Emerging Future”, curso on line do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que oferece uma introdução à Teoria U, criada por Otto Scharmer como uma proposição para a liderança transformadora nos âmbitos pessoal, ambiental e político. Em essência, a frase resume o primeiro passo do processo: só lideramos aquilo por que nos responsabilizamos. Sem responsabilização, assumimos o papel de vítimas, ou, no máximo, de críticos da realidade. Mas jamais de líderes da transformação.
A reflexão se conecta com dois temas que, atualmente, têm espaço de destaque nas agendas corporativas, mobilizando equipes inteiras: compliance e diversidade. Os dois estiveram, também, no centro dos debates do Comitê Aberje de Comunicação e Relacionamento Institucional em outubro. Além da pauta, outro ponto de encontro entre as duas temáticas é justamente o campo de estudo de Otto e do Presencing Institute, laboratório cofundado por ele no MIT: ambos dependem de transformação cultural profunda, que, por natureza, exige muito além de respostas forjadas com base nas experiências pretéritas, por mais bem-sucedidas nos pareçam.
Em ambos os temas, nossas organizações já estão em movimento, ainda que em diferentes graus de profundidade, e com diferentes resultados. De um modo geral, podemos afirmar que a necessidade de transformação foi identificada, programas foram estabelecidos, compromissos foram assumidos, regulamentos foram formalizados, milhares de horas em treinamento foram implementadas. Do ponto de vista da Comunicação e Relações Institucionais, já se consolidaram, por um lado, as campanhas internas de mobilização e engajamento para os temas e, por outro, sua integração como pauta recorrente no relacionamento com todos os stakeholders.
A verdadeira e necessária transformação cultural, no entanto, ainda está por acontecer. E isso fica claro diante da dificuldade em passarmos dos compromissos assumidos no papel para a prática cotidiana. Para trazer apenas um exemplo, entre tantos: no setor de energia, no qual atuo, apenas 6% dos cargos de liderança das 25 principais empresas que atuam no Brasil são ocupados por mulheres, segundo estudo divulgado no fim de julho pela empresa de seleção de executivos FESA Executive Search. E isso apesar de todos os compromissos expressos por boa parte das empresas, que já colocaram a temática ESG na ordem do dia.
Minha percepção é a de que isso diz respeito, em última instância, a fazer com que todos se sintam parte do problema e, por isso mesmo, líderes da solução. Exige olhar para dentro, reconhecer as próprias fragilidades e limitações, entender que as práticas consolidadas não mais dão conta das transformações necessárias. E deixar emergir o novo, que não chegará sem vulnerabilidade, sem deixar para trás as certezas de nossas zonas de conforto já tão bem mapeadas. Afinal, não existe mapa para o desconhecido. E as velhas fórmulas ainda não lograram nos levar ao ponto que almejamos.
E aqui me conecto com outra referência que considero fonte de inspiração significativa para este debate: o livro “Muitos – Como as ciências comportamentais podem tornar os programas de compliance anticorrupção mais efetivos”, escrito por Carlos Mauro, Gabriel Cabral, Renato Capanema e Tânia Ramos. O livro parte da constatação de que muitos dos esforços empreendidos no campo da integridade fundamentam-se em alguns mitos que acabam por tornar seus resultados menos efetivos, sendo o primeiro deles o de que a desonestidade é um problema circunscrito a “pessoas mal-intencionadas”. Desenhados para conter este tipo de “infratores”, boa parte dos programas corporativos de compliance falha ao promover a cultura da ética e da integridade entre os “muitos”: pessoas comuns, essencialmente honestas, mas que cometem deslizes éticos eventualmente, por mera distração ou por serem “criativos para criar justificativas para seus desvios” – e esta é uma abordagem que, por si só, vale a leitura do livro.
Ao trazer o debate para o campo das ciências comportamentais, apresentando estratégias que podem tornar os programas mais efetivos, os autores constatam como, muitas vezes, permanecemos presos a métricas que não necessariamente dão conta dos desafios a serem enfrentados: “Já reparou como falamos pouco sobre comportamentos? Os treinamentos tiveram impacto no comportamento das pessoas? As políticas, os códigos, os mecanismos de controle fizeram diferença? Se o objetivo do programa é guiar comportamentos, isso não deveria constar nos relatórios? Compliance deveria ser sobre tornar a organização mais íntegra, mas acaba sendo sobre cumprir uma longa cheklist de formalidades. É possível fazer diferente. Argumentar que o programa está rodando bem porque atende às exigências mínimas da legislação não é mais suficiente. É importante – e será cada vez mais – demonstrar que o programa é capaz de promover comportamentos íntegros de verdade, que faz diferença”.
Fazer diferença é o que boa parte de nós deseja. Da vaga esperança à ação potente, no entanto, há um longo caminho a percorrer. E os primeiros passos precedem a atuação externa, porque dizem respeito à travessia de cada um. Pode ser o compliance, a diversidade ou qualquer um dos múltiplos temas complexos com os quais nossa sociedade se depara na atualidade. Não importa. Sempre há, em cada um de nós, uma lacuna. É nela, e não em qualquer fator externo, que reside o que nos impede de liderar a transformação que desejamos.
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