05 de julho de 2021

Por que a narrativa de ESG não convence

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Publicado originalmente na Época Negócios, em 30 de junho de 2021

Temos ainda um longo caminho na frente. E avançar nessa jornada não depende só dos profissionais de comunicação

(Foto: Reprodução/Unsplash)

Na semana passada participei de um Lab de Comunicação para Mineração da Aberje, patrocinado pelo Instituto Brasileiro da Mineração (IBRAM). O tema era “ESG para a Mineração: fundamental para os negócios e o futuro do setor”.

A discussão já começou quente quando um participante colocou no chat: “Como que as empresas responsáveis pelos acidentes de Mariana e Brumadinho podem falar em ESG?” Fiquei pensando, como uma empresa mineradora sai dessa culpa generalizada? Sob quais condições a sociedade acreditaria no seu discurso?

Me toquei que o contexto ESG provavelmente não permite uma boa saída. Para todos que ainda não estão familiarizados com o conceito: ESG vem do inglês environment – social – governance, que descreve a qualidade da governança e da gestão de impactos sociais e ambientais das empresas. De maneira muito resumida é a forma como o mercado financeiro chama a sustentabilidade corporativa. E por que acredito que ESG não cria confiança na sociedade? Porque não representa o olhar da sociedade – ESG representa o olhar do investidor. ESG tem uma abordagem predominante de riscos. Os investidores não querem que impactos sociais (como ex. corrupção) ou ambientais (como ex. a rutura de uma barragem) estraguem os lucros deles.

 

O desafio da comunicação em criar confiança

O discurso do ESG coloca os líderes empresariais numa posição defensiva. Eles precisam mostrar aos investidores que sabem administrar riscos socioambientais. As empresas mais avançadas em ESG são recompensadas e entram em fundos ESG, em que o custo de capital fica mais barato. Portanto, ESG representa em muitos casos uma motivação extrínseca para a liderança da empresa. A lógica é: se você não faz, seu crédito vai ficar mais caro ou os investidores sequer irão te financiar. É a sociedade que espera que as empresas priorizem saúde e segurança para proteger vidas. Aplicando a lógica ESG para responder a pergunta: “por que proteger vidas?” é: porque senão nosso custo de capital fica mais caro. O que a sociedade quer ouvir é: porque a vida é mais importante que o lucro. Nessa lógica dominante de ESG, os profissionais de comunicação sempre serão “bombeiros” e “gerenciadores de crises” como um participante colocou no chat. Mas não vão convencer ninguém.

 

Liderança & Narrativa

O discurso do ESG não providencia uma narrativa que consegue acalmar e convencer a sociedade. E isso coloca o desafio no colo dos profissionais de comunicação. Vimos na discussão e no chat do evento que os comunicadores estão presos ao velho discurso corporativo: ESG sempre foi o norte da nossa tomada de decisão. Só que os fatos falam mais alto! Houve falhas na gestão que causaram a morte de centenas de pessoas. O padrão atual da comunicação é: estamos reagindo à pressão dos investidores e consequentemente a motivação da empresa é extrínseca. Estamos reagindo ao que o mercado nos impõe e se não houvesse essa pressão estaríamos continuando com nosso business as usual.

Nova liderança e uma nova narrativa

Agora você vai me perguntar: como sair dessa? Na minha opinião precisamos os seguintes três ingredientes. Primeiro, uma nova liderança. Precisamos líderes mais humanos que conseguem admitir que erraram e se desculpar aos afetados e a sociedade em geral. Que colocam o ser humano no centro da tomada de decisão, mesmo que isso custe mais de vez em quando.

Segundo, que a liderança faça isso por vontade própria, com uma motivação intrínseca porque está convencida que uma gestão humana é uma melhor gestão no longo prazo para todos os stakeholders – inclusive para os acionistas.

Terceiro, uma nova narrativa. Essa narrativa já está nascendo! Estamos vendo ela na discussão sobre o propósito das empresas e do legado da liderança que quer deixar algo além de uma empresa bem administrada que entrega lucro aos acionistas. Só que o propósito não se limita a reduzir riscos e tentar continuar o negócio existente “fazendo menos mal que antes”. O propósito demanda inovação e “criar mais bem-estar” para a sociedade no futuro. Neste cenário ESG é uma das várias alavancas que apoia empresários com propósito na sua jornada oferecendo um custo de capital mais barato, mas não é a causa pelo comportamento.

 

O papel importante da comunicação

Na discussão, destacamos o papel importante da comunicação em puxar uma reflexão mais profunda na liderança. Qual é a narrativa que contamos para o mercado? Como a gente consegue comunicar essa narrativa de forma mais sincera? Acredito firmemente que a área de comunicação vai ser tornar mais importante no futuro. Porém uma comunicação que tenha autoestima suficiente para falar para a liderança que as palavras precisam se basear em fatos e se os fatos não estão lá, não vão inventar histórias. A melhor forma de mostrar que a empresa mudou é dar voz aos críticos, aos clientes, aos beneficiados. Se os críticos de antes reconhecem que a empresa mudou e começam a elogiar a nova gestão, isso dá mais confiança que quando a empresa se autopromove. A empresa medir os impactos ESG de forma tão séria como indicadores financeiros ajuda também. E se a liderança tem humildade de reconhecer que errou em vez de cair na defensiva, já ganhamos muito.

Perguntei no final do evento: “Na sua opinião, qual empresa tem uma narrativa autêntica de ESG?” Ninguém sugeriu um nome sequer. Temos ainda um longo caminho na frente. E avançar nessa jornada não depende só dos profissionais de comunicação!

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Heiko Hosomi Spitzeck

Heiko Hosomi Spitzeck é Diretor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral

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