12 de fevereiro de 2010

A matemática afetiva

A exposição “O Número”, do pernambucano José Patrício, no espaço Caixa Cultural Rio de Janeiro, até 7 de março, sugere a existência de afetividade sob a aparente frieza da matemática. A mostra, com 12 obras e foco na ideia de número, foi produzida a partir de elementos que estimulam o observador a quantificar, a organizar. Uma delas, “A Coleção”, contém 6274 botões de roupa. Outras obras são compostas por peças de quebra-cabeça, dados, e alfinetes, que me lembraram a proposta de linha de produção de alfinetes, quantificados e organizados, no livro “A Riqueza das Nações, de 1776, de Adam Smith.

José Patrício parece estimular comunicadores de empresas e instituições a pensarem sobre a comunicação mecânica, que despeja informação massificada na sociedade, sobretudo nos empregados, sem preocupação ética e estética. Afinal, vivemos na sociedade dos excessos e, entre eles, a obsessão pela medida, pela organização, amplamente reforçada pela comunicação empresarial, sem afetividade, porque não há lugar para a contemplação, para o pensar e o criar desinteressado ou para a conversa que integra, que gera o sentimento de pertencer, de fazer parte de alguma coisa. Para o administrador, todo gesto deve corresponder a uma intenção, uma meta, um objetivo, um resultado. É imperativo viver sobre uma linha do tempo, traçada dentro do relógio. A vida, orientada pela produção, acabou com a rotina desejada pelos trabalhadores franceses organizados na segunda metade do século XIX: 8 horas de trabalho, 8 horas de lazer e 8 horas de descanso.

No ambiente corporativo, prolongado por meio das formas digitais de relacionamento, o mantra quantitativo destaca a avaliação de homens e mulheres por réguas. Mensuração, resultados, metas, indicadores, índices, percentual, entre outros, são os verbetes do dicionário do trabalho. A transcendência foi escoada pela torrente de contagem dos escritórios, das fábricas e das ruas.

Nenhum deus quer morar na casa de máquinas, na memória do computador ou na encruzilhada esfumaçada. Os deuses e arteiros, longe do trabalho insano, parecem gostar dos jogos, das mulheres e de combinações infinitas. As suas igrejas e galerias são lugares de inovação e provocação. O mundo do trabalho, com seus slogans de inovação, se afastou das artes e suas possibilidades. O artista pernambucano José Patrício aponta para um caminho no qual as artes da medida e da contagem se fundem com o espírito e a imaginação.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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